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Cinco anos após rompimento em Brumadinho, Criab prepara livro e debate desafios da multidisciplinaridade

Grupo é formado por professores, pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação, funcionários técnico-administrativos de diferentes áreas da Unicamp e profissionais de outras instituições

O Grupo de Pesquisa e Ação em Conflitos, Riscos e Impactos Associados a Barragens (Criab), vinculado ao Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da Unicamp, realizou um workshop no último dia 12 de abril, no Auditório Milton Santos, no Instituto de Geociências (IG), para debater as conquistas e os desafios da entidade. O Criab é formado por professores, pesquisadores, alunos de graduação e pós-graduação, funcionários técnico-administrativos de diferentes áreas da Unicamp e profissionais de outras instituições e estrutura-se em três grupos temáticos: Grupo de Trabalho Educação e Sociedade, Grupo de Trabalho Engenharia Matemática e Grupo de Trabalho Meio Físico e Biótico. Em fevereiro último o grupo completou cinco anos de atividades.

O órgão nasceu da mobilização da comunidade acadêmica na busca por respostas aos desastres com barragens, como Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Seu desafio é conectar pesquisas de diferentes áreas para mitigar os efeitos de rompimentos e prevenir eventos do tipo. O Criab produziu um livro, que deve ser lançado ainda este ano pela Editora da Unicamp, reunindo trabalhos de diversos membros das equipes temáticas. Entre os temas abordados estão: segurança e legislação sobre barragens, modelagem de canais naturais e brechas em barragens, um histórico do rompimento de barragens de mineração nas últimas décadas, o uso de internet das coisas para segurança das comunidades, a contaminação de solo e biota e os trabalhos de educação e conscientização.

Além da produção de artigos científicos, a entidade participou, em 2021, do Desafio de Lisboa, um evento não competitivo reunindo cerca de uma dezena de grupos de várias partes do mundo no Instituto Superior Técnico (IST) de Lisboa. Na ocasião, os pesquisadores do IST construíram um modelo físico, basicamente com argila e água, simulando o rompimento de uma barragem e, a partir dessa representação em três dimensões, os grupos participantes propuseram a criação de modelos matemáticos.

Na mesa de abertura do workshop (da esquerda para direita), José Mario Martínez (Imecc), Cláudia Pfeiffer (Nudecri) e João Frederico da Costa Azevedo Meyer (Imecc): cinco anos de atividades
Na mesa de abertura do workshop (da esquerda para direita), José Mario Martínez (Imecc), Cláudia Pfeiffer (Nudecri) e João Frederico da Costa Azevedo Meyer (Imecc): cinco anos de atividades

Na abertura do evento comemorativo, Cláudia Pfeiffer, pesquisadora do Laboratório de Estudos Urbanos (Labeurb) e do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), e José Mario Martínez e João Frederico da Costa Azevedo Meyer, docentes do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), apontaram os desafios enfrentados pelo Criab quando se trata da multidisciplinaridade. Segundo Martínez, presidente do Conselho Científico e Cultural do IdEA, a contribuição original do grupo consiste em ter reunido profissionais e acadêmicos das engenharias, da matemática, das ciências humanas e de outras áreas em torno de um tema em comum: o rompimento de barragens.

Martínez, professor emérito da Unicamp, disse que “a organização universitária e institucional da ciência, como as agências de fomento, são transdisciplinares ou interdisciplinares apenas da boca para fora. Da boca para dentro, não são nada assim, pelo contrário”.  Segundo o docente, um pesquisador que submeta um projeto buscando integrar outras áreas à sua disciplina de domínio é olhado com desconfiança. Muitas vezes, a comunicação entre disciplinas com epistemologias distintas leva a dificuldades de compreensão. “O pessoal das ciências chamadas duras não está acostumado e não tem intimidade com as ciências humanas, mas isso é importante para nosso grupo por ser uma oportunidade de integração.”

Meyer defendeu que a saída para tal questão seria a substituição do modelo atual de formação, com currículos universitários feitos de disciplinas estanques, por um outro que priorize a resolução de questões mais amplas, de maneira a integrar áreas distintas. “Quando começamos a trabalhar com problemas de verdade, a separação de disciplinas desaparece. Nós temos que mudar realmente a maneira com que nós trabalhamos a formação de profissionais.”

Pfeiffer ressaltou a forma horizontal com que o Criab promove suas discussões internas, independentemente do grau acadêmico ou da posição hierárquica de seus membros, entre os quais vários estrangeiros vindos da Costa Rica, do Peru e do Uruguai. “Podemos trabalhar com diferentes recortes, como a população ou a barragem, mas podemos trabalhar de um mesmo modo. Temos, no entanto, que superar as diferenças teóricas ou, muitas vezes, epistemológicas. Não dá para imaginar que um grupo tão heterogêneo vá produzir uma coesão teórico-epistemológica. Então, qual será a coesão? Será a coesão político-institucional”, explicou. “O que nos move é uma posição segundo a qual há que se levar em consideração o coletivo e segundo a qual as coisas não estão dissociadas”, complementou a pesquisadora.

Meyer também lembrou os enormes desafios impostos pelo rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, em fevereiro de 2019, evento que estimulou a organização do Criab sob a liderança de Jefferson Picanço. O docente do IG se deslocou imediatamente até o local para acompanhar os desdobramentos iniciais do episódio, registrados no “Diário de Brumadinho”, no Jornal da Unicamp. “Desde Brumadinho, há cinco anos, já aconteceram mais 13 rompimentos de barragens, o que dá mais do que dois por ano. O impacto ambiental, a morte, a tensão e o terror gerados por esses acontecimentos são impressionantes,” refletiu Meyer.

De acordo com Picanço, que não pôde participar do evento por motivos de saúde, várias atividades foram realizadas diretamente com os atingidos pelo rompimento e com os grupos que os assessoram. “Fizemos um grande levantamento entre 2021 e 2022 sobre a água, o solo, a vegetação e a parte médica. Esse material está sendo usado pelas assessorias dos atingidos nas batalhas jurídicas com a empresa”, explicou o docente. “Há também ações de médio prazo que se mantêm, como o levantamento de dados de solo e de sedimentos, principalmente. Nós estamos também avançando para reconhecer algumas assinaturas químicas desses materiais ao longo dos rios. Esse é um trabalho de médio prazo que vai começar a mostrar resultados a partir do ano que vem”, complementou.

Picanço afirmou que a atuação do grupo ocorre em diferentes frentes. “Tanto nas mais próximas da população, como nas frentes de trabalho de mais longo prazo, e um pouco mais afastados, desenvolvendo as nossas atividades, que é o que a gente sabe fazer, que é pesquisar.”

Segundo o professor do IG, o objetivo para os próximos cinco anos é manter a parceria com o IdEA e seguir formando pessoas. “As pessoas estão participando de discussões de cunho multidisciplinar, o que vem enriquecendo muito o que já sabemos sobre os acidentes com barragens. Então, o nosso papel para os próximos anos é continuar o que estamos fazendo, aprofundar alguns desses temas e propor soluções para média e longa escala de duração”, finalizou o docente.

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