Centenas de pessoas passaram, na manhã desta quinta-feira (11), pelo ginásio da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp para se despedir do alpinista Rodrigo Chaddad Raineri, que morreu na última quinta-feira (4), aos 55 anos, durante um voo de parapente no entorno do K2 – a segunda montanha mais alta do planeta, localizada no norte do Paquistão. O corpo foi velado até o começo da tarde, quando foi levado para o município de Ibitinga-SP, onde o montanhista nasceu. O sepultamento está previsto para esta sexta-feira, às 16h, no cemitério municipal.
“O legado que ele deixa é muito grande. É gigantesco. É maior que todas as montanhas que ele já escalou”, disse Talita Camargo, a esposa de Rodrigo. “Ele compartilhou comigo muitos sonhos, e vou fazer de tudo para que essa chama nunca se apague”, prometeu. “Para o esporte, ele era uma referência. E, nos últimos cinco anos, viveu para o turismo. Rodrigo queria transformar o turismo no Brasil”, conta.
No discurso de despedida, ao lado do caixão, o filho – que também se chama Rodrigo – falou sobre luto. “Já me emocionei muito [nestes últimos dias] e percebi que o luto é cíclico. Se afasta um pouco, mas volta forte logo em seguida”, disse o rapaz, que estuda Educação Física na Unicamp. E mandou um recado a Talita. “Conta comigo a partir de agora”, disse ele.
Grupo de Escalada Esportiva
O ginásio da FEF foi escolhido pela família para abrigar o velório por conta da forte ligação de Raineri com a Unicamp, onde, em 1988, iniciou o curso de engenharia da computação. O vínculo mais intenso, no entanto, se deu com a FEF.
Segundo dados divulgados pela Faculdade, Raineri se mobilizou junto com o amigo Tomás Gridi Papp e outros montanhistas para a criação da parede de escalada da FEF. Foi este espaço que, em 1994, resultou na formalização do Grupo de Escalada Esportiva e Montanhismo da Unicamp. O equipamento permanece em uso até hoje, promovendo a escalada entre praticantes e iniciantes, tanto para a comunidade acadêmica quanto para a comunidade externa.
A parede de escalada foi batizada de Vitor Negrete – parceiro de Raineri em inúmeras expedições –, que morreu num acidente no Everest em 2006. Ao lado de Negrete, Raineri escalou o Aconcágua – considerada a montanha mais alta das Américas.
O professor e ex-diretor da FEF, Paulo César Montagner, que hoje é Chefe de Gabinete do Reitor da Unicamp, diz que acompanhou de perto a história de Raineri e Negrete na Universidade. “Acho que essa cerimônia sendo realizada no ginásio da Unicamp é uma espécie de homenagem mútua: um homenageando o outro”, disse Montagner. “Ele foi muito importante para a FEF”, afirmou.
O atual diretor da FEF, Odilon Roble, diz que tanto Negrete como Raineri inauguraram uma nova frente de atuação na Faculdade. “O Rodrigo teve um papel fundamental no desenvolvimento dessa atividade, como as escaladas e os esportes praticados no ambiente, na natureza”, disse. “Quando ele fez as primeiras iniciativas de desenvolvimento em parceria com o Negrete, aqui na FEF, isso era pouquíssimo difundido. Na época, era uma grande novidade e acabou trazendo um capital totalmente diferente para a Faculdade”, avalia. “Os estudos começaram a surgir a partir da iniciativa deles”, observou.
O reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, agradeceu à família por escolher a FEF para a realização da cerimônia. “Se há algum conforto, é saber que ele viveu da melhor maneira possível, que é viver de acordo com os próprios sonhos”, afirmou o reitor.
Presente à cerimônia, o prefeito Dario Saadi disse que Campinas compartilha a dor do luto com a família.
Turismo de aventura
Raineri era considerado um montanhista extremamente técnico. Iniciou no alpinismo aos 19 anos e alcançou o topo do Everest em três oportunidades. Ele se tornou o único brasileiro a guiar expedições aos sete cumes – as montanhas mais altas do mundo em cada continente.
Era dono de uma empresa de turismo de aventura e atuava como palestrante. Em eventos corporativos, falava sobre planejamento, determinação, resiliência, atingimento de metas. Escreveu um livro autobiográfico – que chamou de “No teto do mundo” –, em que relembra aventuras, relata impressões sobre as viagens e dá seu testemunho sobre a morte do amigo Vitor Negrete.
O amigo Edimar Martins, também piloto de parapente e sócio de Raineri, desmentiu as informações iniciais segundo as quais o acidente teria sido provocado pelo rompimento de parte do equipamento. “Não houve rompimento algum. O que aconteceu foi um conjunto de fatalidades”, assegura.
Martins conta que pessoas que estavam no grupo relataram que, além de Raineri, outros pilotos iniciaram um voo de parapente. “Ele foi um dos últimos a sair e, em determinado momento, acabou perdendo altura. Numa tentativa de recuperar a altura, ele foi se aproximando da montanha, mas, infelizmente, sofreu um fechamento de um dos lados do parapente, e o equipamento entrou em giro. Como ele estava muito próximo, acabou se chocando com a montanha”, relata o amigo.
O também amigo Carlos Eduardo Mazzucco Fontes leu textos de Raineri durante a cerimônia de despedida. Num trecho, lembrou uma reflexão que poderia resumir sua paixão pela aventura. “Tenho medo do sofá”, disse Raineri certa vez. Fontes pediu um minuto de silêncio na abertura e no encerramento da celebração. Segundo ele, o silêncio simbolizaria o respeito “a essa nova escalada; a esse novo voo do querido amigo Rodrigo”.
Em vídeo publicado em suas redes sociais três dias antes da morte, Raineri relata seu último voo em Karimabad – cidade paquistanesa localizada na região de Gilgit-Baltistão e considerada de beleza exuberante. “Sigo firme rumo aos voos mais altos do planeta”, escreveu ele.