O relatório do Grupo de Trabalho (GT) designado para estudar a implementação de um modelo de cotas e ações afirmativas para pessoas trans na Unicamp deverá ser apresentado no dia 26 de novembro ao Conselho Universitário (Consu). A expectativa é que a proposta seja analisada no colegiado no próximo ano. Definem-se pessoas trans como aquelas cuja identidade de gênero é incongruente com o sexo atribuído ao nascer.
A proposta foi apresentada na 2ª Audiência Pública pelas Cotas Trans realizada na última terça-feira (19) no auditório da Associação de Docentes da Unicamp (ADunicamp), da qual participaram o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Lucas Costa Almeida Dias e professores de universidades públicas que já implantaram o sistema. Hoje, 13 universidades federais ou estaduais contam com esse tipo de sistema de acesso à graduação.
O documento do GT prevê que as vagas serão disponibilizadas no edital Enem-Unicamp, sendo aberta a possibilidade de participação tanto de candidatos de escolas públicas quanto privadas.
Pela proposta, os cursos com até 30 vagas regulares deverão ofertar, no mínimo, 1 vaga como vaga regular ou adicional – a critério da Congregação. No caso de vaga extra, sem preenchimento obrigatório. Os cursos com 30 ou mais vagas deverão ofertar duas vagas, podendo ser regulares ou adicionais. Quando não forem adicionais, serão subtraídas das vagas de ampla concorrência existente no sistema Enem-Unicamp.
O processo de seleção inclui autodeclaração na inscrição, com base no preconizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo STF (Supremo Tribunal Federal), além de relato de vida, modelo já utilizado em outras Instituições de Ensino Superior (IES). Esse relato será apreciado por uma comissão de verificação. Haverá revisão da política após 5 anos, podendo incluir reserva apenas para alunos de escolas públicas.
No vestibular 2025 (realizado neste ano) da Unicamp, houve 203 candidatos inscritos com nome social. Destes, 73 foram para a segunda fase. Os cursos mais procurados por esses candidatos foram, em ordem, Artes Visuais, Medicina, Ciências Biológicas, Midialogia e Artes Cênicas. O curso com maior número de aprovados, no entanto, foi o de Química (5).
Número expressivo
O Brasil não tem números oficiais, mas estimativas incluídas no documento elaborado pelo GT indicam a existência de cerca de 1,09 milhão de brasileiros que se identificam como transgêneros e 1,88 milhão como não-binários, totalizando quase 3 milhões de pessoas com diversidade de gênero no país. A maioria provém de famílias de baixa renda, com um número expressivo recebendo até um salário-mínimo mensal. Pesquisa da UFMG realizada em 2015 e citada no documento do GT mostra que, em Minas Gerais, menos de 3% dessas pessoas concluíram o ensino médio e alcançaram o ensino superior.
“As cotas trans vêm para dar visibilidade a essas pessoas que, muitas vezes, enfrentam armadilhas impostas pela cisgeneridade ainda no ensino básico, e, quando conseguem acessar o ensino superior, não conseguem se manter. A necessidade de se ter um sistema de cotas para trans é permitir vida para pessoas que não são cisgêneras”, disse a coordenadora do Núcleo de Consciência Trans (NCT) da Unicamp, Mari Vitor Prado Simões.
Co-fundadora do NCT, Nathi Cordeiro diz que a Unicamp tem todas as condições para aprovação da proposta. “Não existe razão para não aprovar”, diz ela. Para Cordeiro, o movimento trans em Campinas é muito forte, e a mobilização interna de pessoas trans tem crescido muito. “Não aprovar cotas trans seria algo vexaminoso para a Unicamp”, avalia.
Núcleo de Consciência Trans
O documento a ser levado ao Consu é resultado da articulação entre movimentos sociais – entre eles o Ateliê TransMoras e o Núcleo de Consciência Trans (NCT) –, discentes da Unicamp e a reitoria, a partir de acordo firmado na greve discente de 2023.
“Estou muito feliz por ter acompanhado a trajetória dos movimentos que fizeram com que isso [audiência e proposta de um projeto] fosse possível. Gostaria de registrar que aprendi muito com esse processo. As trocas que tivemos são importantes para que possamos pensar a universidade – e não apenas a universidade, mas a sociedade e o país como um todo”, disse o professor do Sávio Cavalcante, do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, integrante do GT.
Também participaram do encontro o professor da Unifesp Renan Quinalha; a superintendente de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina, Marilise dos Reis Sayão; a coordenadora de Equidade da Universidade Federal Fluminense, Érika Vieira Frazão; e o coordenador executivo da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), José Alves.
Universidades que já adotam cotas para pessoas trans
Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB)
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Universidade Federal de Santa Maria-RS (UFSM)
Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
Universidade Federal de Lavras-MG – (UFLA)
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Universidade Federal do Sergipe (UFS)
Universidade do Estado da Bahia (Uneb)
Universidade Estadual de Feira de Santa (UEFS)
Universidade do Estado do Amapá (UEPA)