O Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Unicamp foi inaugurado nesta quinta-feira (21), em cerimônia prestigiada por representantes do poder público, personalidades de movimentos negros, docentes e estudantes. O evento, realizado no Centro de Convenções da Universidade, também marcou o lançamento da exposição de fotos itinerante “Bailes Negros – Sociabilidade e Resistência em Campinas”, uma produção do Centro de Memória Unicamp (CMU) inserida no projeto “Histórias Negras: Registros Orais para a Desinvisibilização da Presença Negra em Campinas (1930-1970)”.
O novo núcleo tem como objetivo principal o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares e interdisciplinares que contemplem os mais diversos aspectos da vida da população afro-brasileira, assim como a realização de atividades de extensão universitária e o investimento na formação de profissionais e pesquisadores, seguindo o mesmo foco. Subordinado à Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen) da Unicamp, deve atuar como ponte entre a instituição e a sociedade externa.
![Da esquerda para a direita, o reitor Antonio Meirelles, a coordenadora do Neab Carmen Halder, a coordenadora da Cocen Raluca Savu e o pró-reitor de Extensão, Esporte e Cultura Fernando Coelho](https://unicamp.br/wp-content/uploads/sites/33/2024/11/Ni_20241122_Neab_Perri_AMP_2060-interna4.jpg)
Na abertura do evento, o reitor da Universidade, Antonio José de Almeida Meirelles, lembrou que a criação do núcleo resulta de uma reivindicação histórica não apenas de funcionários e estudantes, mas também de membros de associações e movimentos negros de dentro e de fora da Unicamp. “Acredito que a grande vitória é, na verdade, dos coletivos, que conseguiram transformar sua demanda em pauta universitária. [A criação do núcleo] mostra uma trajetória bastante positiva, pois, de certa forma, recuperamos o tempo perdido e promovemos mudanças significativas. O caminho ainda é longo, mas irreversível”, avalia.
Segundo o reitor, o Neab é um passo significativo para que a Universidade assimile temas sensíveis para a população negra brasileira – seja no que diz respeito à formação de pessoas, seja em relação a pesquisas e ações de extensão universitária. “Seu lançamento conclui uma trajetória cujo foco tem sido transformar realmente essa temática em algo que seja prioritário para a Unicamp, a partir, obviamente, da chegada de pessoas que representam e que têm uma conexão direta com a questão negra, mas também com a difusão das suas questões para o conjunto da comunidade acadêmica.” Meirelles aproveitou a ocasião para anunciar o lançamento de uma nova proposta de programa piloto de reserva de cargos públicos, a ser deliberada no próximo Conselho Universitário, para professor doutor da carreira do magistério superior, voltada especificamente para candidatos negros (pretos e pardos). “A ideia é garantir a existência de pelo menos uma vaga por unidade, totalizando em 24 vagas.”
O processo que culminou na criação do Neab foi iniciado há muitos anos e envolveu a criação de um grupo de trabalho, encabeçado pelo professor Fernando Coelho, pró-reitor de Extensão, Esporte e Cultura da Universidade. Na visão do docente, devido ao longo período de gestação, o novo órgão já nasceu conectado com a comunidade, dialogando com órgãos de fomento. “É um núcleo que surge inserido na realidade e na cultura afro-brasileiras, em todas as áreas onde as pesquisas podem acontecer, interagindo com várias áreas da Unicamp.”
![Cerimônia marcou a inauguração do Neab](https://unicamp.br/wp-content/uploads/sites/33/2024/11/Ni_20241122_Neab_Perri_AMP_2040-Capa-2.jpg)
![Núcleo é uma reivindicação história](https://unicamp.br/wp-content/uploads/sites/33/2024/11/Ni_20241122_Neab_Perri_AMP_2042-interna3-1.jpg)
Fim de um hiato
Coordenado pela professora Carmem Veríssima Halder, do Instituto de Biologia (IB) da Universidade, o Neab tem objetivos amplos justamente para receber pesquisadores das mais diferentes áreas do saber. Embora o lançamento tenha ocorrido somente agora, o núcleo começou sua operação em março e, desde então, já alcançou duas conquistas significativas, ressalta a docente. O primeiro é a parceria com o CMU, que resultou na exposição “Bailes Negros – Sociabilidade e Resistência em Campinas”. A exposição pode ser vista até 31 de janeiro de 2025, no saguão da Biblioteca Central Cesar Lattes.
Já o financiamento do Ministério da Igualdade Racial viabilizou a criação do projeto Rede Afropop Sem Melanoma, cujo foco é promover a conscientização sobre a prevenção do câncer de pele na população negra. “O sucesso do tratamento e a cura desse tipo de câncer, em pacientes negros, é menor no mundo todo, quando comparado com pacientes brancos. O Neab pretende contribuir para mudar esse cenário. A iniciativa é exemplo da vocação do núcleo de promover ações voltadas para a população externa. Nosso objetivo é transformar vidas, saberes e comunidades”, declara Halder.
Primeiro núcleo da Cocen a ser criado após um hiato de três décadas e 22º órgão vinculado à entidade, o Neab representa, também, a revalorização do sistema de núcleos de pesquisas interdisciplinares, destaca Meirelles. Segundo o reitor, é um sinal do amadurecimento da instituição sobre a necessidade de fomentar a formação em torno de temáticas que envolvam múltiplos olhares. “A questão sobre como resolver pesquisas multidisciplinares e interdisciplinares sempre foi um debate muito aceso, dentro da comunidade universitária, e, agora, voltamos a ela, mas em uma situação em que a importância da pesquisa interdisciplinar é muito maior, e os locais de convivência das várias formações voltam a se tornar importantes, o que é bastante positivo também.”
![Da esquerda para a direita: Carmen Hadler, Ravluca Savu e Débra Jeffrey: estudos na temática racial correspondem a apenas 0,52% da produção científica da Universidade](https://unicamp.br/wp-content/uploads/sites/33/2024/11/Ni_20241122_Neab_Perri_mosaico2.jpg)
À frente do Cocen, Raluca Savu lembra que, embora ainda não tivesse um núcleo estabelecido sobre estudos afro-brasileiros, historicamente, a Unicamp já possuía uma produção acadêmica dedicada à temática. No entanto, o relatório final do grupo de trabalho que originou o Neab apontou que, apesar de um aumento significativo nas pesquisas realizadas desde os anos 2000, os estudos na temática racial correspondem a apenas 0,52% da produção científica da Universidade. A baixa porcentagem evidencia a relevância do núcleo como espaço estratégico para fomentar e articular diversas iniciativas e promover maior impacto acadêmico e social.
Savu ressalta que, atualmente, 26,5% do corpo discente da Unicamp é formado por estudantes pretos e pardos, resultado da adoção de cotas étnico-raciais pela Universidade, em 2017. No entanto, lembra a coordenadora do Cocen, o ingresso ao ensino superior não finda o trabalho de inclusão, já que é preciso criar condições para garantir a permanência, o apoio e a valorização dos alunos, além de ampliar o diálogo com a sociedade civil. “Nesse sentido, a missão do Neab inclui não apenas sua atuação acadêmica, abrangendo também a formação de educadores para disseminar a cultura afro-brasileira na educação básica”, diz a doutora.
Seu trabalho, desta forma, inclui a articulação entre a academia, os movimentos sociais e os órgãos públicos. “O novo núcleo enriquece ainda mais a diversidade epistemológica do sistema Cocen e reforça nossa tradição de promover pesquisas que balizam a formulação de políticas públicas e contribuem para o progresso social. Estamos comprometidos em fazer do Neab um exemplo de como a universidade pública pode e deve ser protagonista das causas de tamanha relevância. Temos grandes expectativas em relação aos próximos passos do núcleo e à integração dos seus futuros pesquisadores ao nosso sistema. As potencialidades das convergências com nossos outros 21 centros e núcleos são animadoras, certamente veremos projetos de excelência nascerem dessa integração.”
![A exposição de fotos “Bailes Negros – Sociabilidade e Resistência em Campinas” pode ser vista até o dia 31 de janeiro, no saguão da Biblioteca Central César Lattes](https://unicamp.br/wp-content/uploads/sites/33/2024/11/Ni_20241122_Neab_Perri_AMP_1954-interna1.jpg)
História
Após a mesa de abertura, o evento teve continuidade com a aula magna “Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Unicamp – Trajetórias e Desafios”, ministrada pela diretora da Faculdade de Educação (FE) Débora Jeffrey, e foi encerrado com uma apresentação musical do Instituto Anelo. Em sua fala, a docente recontou a história que levou à formação do espaço, reverenciando pessoas que tiveram papel fundamental para a sua criação, com um mesmo propósito: garantir a representatividade da população negra e da comunidade negra na instituição. “É importante contar sempre essa história, para que ela tenha continuidade, porque a nossa história é a da oralidade. Ela passa a ser institucionalizada com o Neab”, justificou.