Representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Campinas, o doutor Ademir José da Silva teve participação ativa no Grupo de Trabalho que resultou na criação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab), órgão com o qual continua colaborando como membro do Conselho Superior.
Silva também preside a Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil e a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa na OAB Campinas. Integra, ainda, movimentos de ressignificação de espaços históricos associados à escravidão, como os trabalhos da Casa de Cultura Fazenda Roseira, hoje administrada pelo grupo Jongo Dito Ribeiro.
Em entrevista, o advogado considera que seu histórico de luta “se confunde com a história da universidade”, ainda que não tenha estudado na Unicamp. Silva teve proeminência em algumas das principais iniciativas relacionadas aos movimentos negros na comunidade acadêmica, a exemplo da criação do Grupo de Estudos Afro-Brasileiros (Geab), precursor do Neab, em 1987.
Confira a entrevista:
Neab – Qual o significado da inauguração do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) na Unicamp?
Dr. Ademir José da Silva – Para mim, o Neab é como o baobá, uma árvore africana centenária que simboliza a resistência e a longevidade. Sua inauguração é o resultado físico e material da luta de todos aqueles que vieram antes de nós e que, de uma forma ou outra, espalharam simbolicamente as sementes desse baobá, que ganhou registro formal e permanente na estrutura administrativa da Unicamp. Representa uma conexão essencial entre a universidade e a maioria da população brasileira, formada por negros, pretos e pardos, que somam 56%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, expande as oportunidades de interação com o continente africano no desenvolvimento de pesquisas, intercâmbios e parcerias.
Neab – Como foi sua atuação no Grupo de Trabalho referente à criação do Neab?
Dr. Ademir José da Silva – Tive a oportunidade de participar ativamente na materialização do sonho da criação de um órgão robusto e institucionalizado na estrutura da Unicamp. Para mim, foi uma experiência extraordinária. Agora, como membro do Conselho Superior do Neab, sigo comprometido em contribuir. As expectativas em relação ao futuro do núcleo são as melhores possíveis, no sentido de dar suporte e continuidade às iniciativas anteriores, nas áreas das artes, cultura e educação, e, a partir de agora, possibilitando a intersecção com todos os campos de atuação da universidade.
Neab – Fale um pouco sobre sua trajetória no ativismo e na Unicamp.
Dr. Ademir José da Silva – Minha luta se confunde com a história da universidade. No final da década de 1970 e nas décadas seguintes, reuníamos alunos negros no Clube Machadinho, que eu presidia na época, local de lazer e cultura da comunidade negra localizado na Vila Industrial. Ali, chegavam alunos negros da Unicamp, em sua maioria estrangeiros, africanos da diáspora negra, além de um ou outro brasileiro de pós-graduação. Lembro do falecido professor Jonas Romualdo e do professor João Vilhete, à época estudantes, das professoras Raquel Trindade e Inaicyra Falcão, que atuaram no Instituto de Artes (IA), e da professora Lucila Bandeira, que coordenou o Grupo de Estudos Afro-Brasileiros (Geab) junto ao Centro de Memória, do qual fui um dos fundadores, em 1987. Também tive a oportunidade de fazer parcerias com a Unicamp enquanto dirigente da Delegacia do Conselho da Comunidade Negra em Campinas e Região, quando desenvolvemos, em parceria com a Faculdade de Educação (FE), um curso pioneiro chamado “O Negro e a Educação no Estado de São Paulo”.
Neab – Quais momentos marcantes dessa história você destacaria?
Dr. Ademir José da Silva – Um evento inesquecível foi a comemoração do centenário da abolição da escravatura, organizada em 1988 pelo Geab. Chamado de “Kizumba Unicamp”, foi uma atividade extraordinária que reuniu grandes nomes, como Martinho da Vila e muitos outros expoentes, inclusive a então presidente da Mangueira. Foram realizadas palestras, apresentações e celebrações que marcaram a história da universidade e estão registradas no Centro de Memória da Unicamp.
Neab – De forma mais ampla, como avalia o papel das universidades e do meio acadêmico na promoção das pautas de combate ao racismo e valorização da cultura afro-brasileira?
Dr. Ademir José da Silva – Considero de suma importância. São salutares as iniciativas que visam atender às demandas, há quase meio século, dos movimentos sociais negros e da sociedade civil organizada, apontando como fator preponderante a desigualdade reinante na sociedade brasileira e, por consequência, também nas instituições de ensino, na contramão da igualdade material proposta pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Igualdade Racial de 2010. Isso posto, a criação do Neab representa um avanço, inclusive pelo fato de ter sido estruturado de modo a perpassar todos os ramos da ciência, com uma perspectiva inovadora para a Unicamp.
Matéria publicada originalmente no site do Núcelo de Estudos Afro-Brasileiros.