
Os novos estudantes indígenas da Unicamp foram recebidos com uma surpresa na tarde desta segunda-feira (17). Em um evento realizado na Casa do Lago, no campus de Barão Geraldo, em Campinas, um grupo de 73 calouros ganhou bebidas e comidas de tradição indígena, preparadas por veteranos, nas cozinhas da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA).
No cardápio, mujeca – um mingau de peixe (em geral tambaqui) muito comum na região amazônica –, banana-da-terra e macaxeira cozidas, farofa, bolo de fubá de milho e frutas da região, além de sucos de cajá e de açaí e caiçuma – uma bebida fermentada feita com mandioca e tradicionalmente preparada por povos indígenas da Amazônia.
“No nosso caso, fazemos [a caiçuma] com macaxeira-branca, mas aqui não tinha. Então fizemos com a amarela mesmo”, contou o estudante de ciências sociais Lucas Quirino, responsável pela preparação da bebida e que pediu para ser chamado de Lucas Tikuna – uma forma, segundo disse, de marcar sua origem Tikuna, um dos povos mais numerosos da Amazônia brasileira.

A mesa farta, cujo preparo contou também com a contribuição da estudante de administração pública Shayane Cavalcanti, integrou o programa de recepção aos novos alunos indígenas da Unicamp. O evento, que teve ainda uma roda de conversa dirigida por representantes de coletivos indígenas, terminou no final da tarde, com a realização de rituais tradicionais, incluindo cânticos e danças promovendo a ideia de espiritualidade e reafirmando a cultura ancestral indígena.
Os estudantes que ingressaram este ano na Unicamp inaugurarão um novo modelo de percurso formativo. Com a entrada em vigor do Programa Formativo Intercultural para Ingressantes pelo Vestibular Indígena (Profiivi), os estudantes só iniciarão os cursos de graduação nos quais passaram depois de completarem o e serem habilitados pelo programa.
O Profiivi terá duração de dois semestres durante os quais os alunos cursarão disciplinas de quatro áreas: artes; ciências biológicas e profissões de saúde; ciências humanas; e ciências exatas, tecnológicas e da terra.
“Trata-se de um curso formativo”, informa a coordenadora do programa, Artionka Capiberibe, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Segundo Capiberibe, haverá um núcleo de disciplinas comuns para todos os novos alunos e outro formado por disciplinas específicas de cada curso.

Até o ano passado, o estudante indígena também fazia disciplinas de um curso preparatório, mas deveria cumprir ao menos uma matéria do curso no qual havia entrado. A partir deste ano, precisa se dedicar exclusivamente ao Profiivi.
Capiberibe conta que o novo programa nasceu depois de uma consulta com e de discussões em todas as unidades da Universidade. Além disso, diz, a elaboração desse programa recebeu a contribuição dos estudantes indígenas, que participaram diretamente do processo de construção do modelo.
“Eu e minhas parceiras na coordenação, as professoras Priscilla Efraim e Fernanda Surita, reconhecemos que esse processo permitiu à Unicamp compreender que a permanência indígena era uma questão envolvendo o conjunto da Universidade. E esse entendimento garantiu oito vagas para a contratação de docentes”, contou.
Capiberibe diz que o Profiivi surgiu com a intenção de aproveitar o conhecimento trazido pelos indígenas. “No segundo semestre, eles vão ter uma disciplina chamada Epistemologias Interculturais, que vai ser dada por mestres do conhecimento tradicional, sabedores, que não necessariamente são doutores. E a gente, da Unicamp, quer absorver esse conhecimento. Porque a gente entende que eles chegam aqui carregados de um conhecimento que a Universidade não detém”, argumenta.

Experiências transformadoras
Saído de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, Kelvin Rudnik, 19 anos, vai começar o curso de filosofia na Unicamp. Acomodado na moradia estudantil há pouco mais de duas semanas, Rudnik disse estar vivendo uma experiência de troca. “Eu vivi na minha cidade em uma espécie de bolha. Vim para a Unicamp e estou vivendo experiências totalmente novas, realmente transformadoras para mim. E tem sido muito bom. Na verdade, eu aprendo com eles e eles aprendem comigo”, afirmou.
Já Prisciane Silva Lopes, da etnia Baré, veio de Santa Isabel do Rio Negro, também no Amazonas. Depois de tentar ingressar no ano passado, Lopes conseguiu passar no Vestibular este ano e agora quer se especializar em tecnologia de saneamento ambiental. A ideia é poder aplicar os conhecimentos quando voltar a sua comunidade. “Lá a gente não tem o básico do básico”, explicou.
O professor Flávio Luis Schimidt, da Pró-Reitoria de Graduação (PRG), fez um alerta aos novos alunos. “É muito importante que vocês agarrem essa oportunidade. Não deixem o tempo escapar e estudem com determinação”, advertiu.

Assista ao vídeo produzido pela Secretaria Executiva de Comunicação: