
Os estudantes Bruno Carvalho, de 28 anos, e Hafhra Yôyô Niimi, de 22 anos, estão entre os 22 alunos e alunas que ingressaram na Unicamp, pela primeira vez, por meio das cotas para pessoas com deficiência.
As cotas foram aprovadas pelo Conselho Universitário (Consu) em setembro de 2024 e integram as políticas de ações afirmativas da Unicamp. O ingresso dos primeiros estudantes cotistas nos cursos de graduação ocorreu agora, no primeiro semestre de 2025.
Carvalho é autista e escolheu o curso de Estatística para iniciar a sua trajetória na Unicamp. Para ele, as cotas são uma oportunidade tanto para os estudantes com deficiência quanto para a própria Universidade, que terá a chance de ampliar a diversidade em seus campi.
“Acredito que, quanto mais diverso é o ambiente em que o sujeito está inserido, mais fácil é para ele se adaptar às diferenças e para se formar uma comunidade mais tolerante”, disse.
Para o estudante, a presença das pessoas com deficiência no ambiente acadêmico possibilita também outras formas de enxergar a realidade. “Até do ponto de vista materialista e utilitarista, essa diversidade é boa para pesquisa e para produção de conhecimento, pois traz novas perspectivas sobre um assunto, é uma forma de alargar o pensamento”, acrescentou.
A estudante Hafhra Yôyô Niimi, que escolheu o curso de Ciências Sociais, tem deficiência física permanente, adquirida após sofrer um acidente de bicicleta em 2019. Além de trabalhar e estudar, Niimi divide seu tempo com sessões de terapias ainda necessárias para sua reabilitação.
Para ela, as cotas ampliam as possibilidades de ingresso das pessoas com deficiência no ambiente universitário.
“Por causa do acidente, em 2019, quase não estudei. Depois, tive que recuperar o que perdi. No ano passado, fiz o Enem, consegui uma nota melhor que a anterior e, agora, estou aqui na Unicamp, realizando uma vontade que eu tinha. É muito gratificante”, disse.

A Unicamp foi a primeira, entre as universidades públicas estaduais de São Paulo, a adotar o sistema de cotas para pessoas com deficiência. A política estabelecida prevê a reserva de uma ou duas vagas para este público em cada curso da graduação ou até 5% do total de vagas, no caso de vagas adicionais.
As cotas são disponibilizadas no Edital do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ou seja, a seleção dos estudantes é feita por meio da nota obtida no Enem. Podem concorrer, dentro das cotas, estudantes de escolas públicas e privadas.
Mudanças
A presença das pessoas com deficiência na Unicamp tem possibilitado que, cada vez mais, sejam realizadas ações para ampliar e oferecer acessibilidade a este público, garantindo assim uma boa experiência e uma formação acadêmica de qualidade.
“Não é fácil promover a acessibilidade, é um processo longo. Mas tem muita gente trabalhando para isso, e as coisas estão caminhando para um futuro melhor. Com a presença das pessoas com deficiência na instituição, essa mudança será ainda mais ágil”, afirma a professora Núbia Bernardi, coordenadora da Comissão Assessora de Acessibilidade ligada à Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) da Unicamp.
Segundo a professora, a Universidade tem atuado em três dimensões. A primeira delas é a acessibilidade arquitetônica, que prevê adequações para que as pessoas com mobilidade reduzida possam se locomover e acessar os ambientes.
A segunda dimensão é a instrumental, que se refere à oferta de ferramentas necessárias para que pessoas com deficiência realizem suas atividades, como, por exemplo, uma cadeira adaptada ou um leitor para uma pessoa com baixa visão.
Já a dimensão atitudinal e comportamental é a forma com que a comunidade acadêmica tem se preparado para se comunicar e se relacionar com as pessoas com deficiência.
Este ponto tem sido a maior atuação dos profissionais do Programa de Atendimento Educacional Especializado, da Diretoria Executiva e Apoio Estudantil (Deape). A iniciativa foi implementada em 2024, antes da aprovação das cotas, e prevê a realização de um plano individual de aprendizagem aos estudantes com deficiência.
Até o momento, 286 estudantes de graduação e pós-graduação aderiram ao programa. Segundo a coordenadora de carreira e vida estudantil da Deape, Adriana Pelissoni, o objetivo é dar assessoria pedagógica, fazer a mediação entre esses alunos e os professores e estabelecer estratégias para aprendizagem.
“Escutamos o estudante e, juntos, estabelecemos as estratégias educacionais para apoiá-lo e garantir a permanência dele na Universidade. O conteúdo é sempre o mesmo [que o do restante da turma], mas criamos um plano que prevê as condições para que o estudante com deficiência possa aprender”, afirma.
Com a aprovação das cotas, a Deape também está recebendo duas pedagogas especializadas em educação especial que irão compor a equipe para atender os estudantes com deficiência e realizar o plano estratégico.
“Acho que a implantação das cotas na Unicamp ocorre em um momento em que há uma política estruturada e um processo mais amadurecido. Por isso, fica mais fácil garantir a permanência acadêmica e possibilitar que essas pessoas sintam-se pertencentes à Unicamp”, concluiu.


Selo de acessibilidade
A acessibilidade arquitetônica é um dos principais desafios da Unicamp, uma vez que a maior parte dos prédios do campus de Barão Geraldo foi construído entre as décadas de 1970 e 1990, antes da existência das leis de acessibilidade no Brasil. Somente entre os prédios modulados – conhecidos como “pinotinhos” –, são 78 unidades construídas sem prever acessibilidade.
Um dos caminhos para melhorar esse cenário é a implementação do “selo de acessibilidade” baseado em uma metodologia desenvolvida durante o doutorado da arquiteta e urbanista Edilene Donadon, do Escritório de Projetos Especiais da Prefeitura Universitária.
O “nível um” do selo refere-se à capacidade de uma unidade acolher plenamente pessoas com deficiência e garantir que utilizem seu espaço. Para isso, são realizadas adaptações pontuais e paliativas na infraestrutura e a capacitação dos funcionários.
O “nível dois” corresponde ao cumprimento integral das normas 9.050 e 16.537, além da legislação vigente sobre acessibilidade. Sua implementação exige intervenções mais complexas, incluindo reformas estruturais.
Já o “nível três” prevê a implementação de ações relacionadas a pesquisas desenvolvidas na Universidade sobre acessibilidade para pessoas com deficiência.
O primeiro prédio a receber o selo de nível 1 foi o do Centro de Saúde da Comunidade (Cecom), em março de 2025, por meio de uma iniciativa do Laboratório de Pesquisa Aplicada em Acessibilidade Arquitetônica e Urbana (Lapa) da Prefeitura Universitária.
Outra ação, implementada em 2023, para atender a demanda pela falta de mobilidade no campus, foi o Veículo Acessível para Mobilidade Urbana Sustentável (Vamus), que pode ser solicitado por meio de um aplicativo pelas pessoas com deficiência e seus acompanhantes.
Segundo Donadon, hoje, somente 10% das calçadas utilizadas no campus estão dentro das normas de acessibilidade. Obras para implementação de rotas acessíveis no entorno da Praça Milton Santos, próximo à Reitoria, já estão sendo realizadas. Um estudo também está em andamento para ampliar a acessibilidade entre o Ciclo Básico 1 e 2 e os restaurantes universitários.
“Acredito que a entrada das pessoas com deficiência auxiliará o campus a se tornar mais acessível. Pois quanto menos visíveis são essas pessoas, menos visíveis são as necessidades de mudanças”, acrescentou Donandon.

Assista ao vídeo produzido pela Secretaria Executiva de Comunicação (SEC):