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Cientistas da Unicamp lamentaram a morte da arqueóloga Niède Guidon, ocorrida nesta quarta-feira (4), aos 92 anos. A cientista – que teve atuação na Universidade – dedicou sua vida à pesquisa e à preservação da Serra da Capivara, no Piauí, e revelou ao mundo as pinturas rupestres do parque que mudaram o conhecimento sobre o povoamento das Américas.

As primeiras pesquisas desenvolvidas no campo da Arqueologia na Unicamp foram lideradas por Guidon, ainda na década de 1980. Conhecida pelo seu pioneirismo, a arqueóloga atuou como pesquisadora visitante no Núcleo de Pesquisas Arqueológicas (Nipar) da Universidade entre 1986 e 1991.

“A perda de Niède Guidon é inestimável, por diversos motivos, a começar pelo fato de ser uma grande pioneira na arqueologia brasileira”, disse o arqueólogo, historiador e professor da Unicamp Pedro Paulo Funari.

“A Arqueologia era uma ciência masculina, reservada a homens, e ela foi a primeira mulher a superar as barreiras e tornar-se líder, tanto na pesquisa de campo, como no estudo, análise e publicações”, continuou Funari. “Em seguida, enfrentou as restrições de uma ditadura militar e conseguiu apoio humanista francês, de intelectuais de referência no mundo, como André Leroi-Gourhan, para desbravar área à época inóspita, a Serra da Capivara no Piauí”, acrescentou.

Niéde Guidon durante visita à Unicamp em 2007; suas pesquisas valorizaram a cultura dos ancestrais indígenas
Niède Guidon durante visita à Unicamp em 2007; suas pesquisas valorizaram a cultura dos ancestrais indígenas

Funari contou que, nas suas pesquisas, Guidon valorizou a cultura dos ancestrais indígenas, ao mostrar que possuíam culturas riquíssimas, como atestado pelas pinturas rupestres. “Isso foi importante quando a ditadura perseguia indígenas e levava ao genocídio. Ela foi corajosa ao propor datações antigas, com milhares de anos, antes dos vestígios dos Estados Unidos, considerados os mais antigos (15 mil anos)”, lembrou.

Segundo o professor, o trabalho de Guidon contribuiu para questionar os modelos interpretativos que consideravam os Estados Unidos os mais antigos, de onde todos teriam vindo nas Américas. “Na França, seus parceiros de pesquisa hoje defendem que sua posição e sua audácia permitiram enfrentar narrativas imperialistas, ao propor que havia vestígios mais antigos no Brasil”, sustentou Funari.

Proteção do patrimônio brasileiro

“A partida de Niède Guidon é uma enorme perda. Vai-se a humanista e cientista, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, mas fica sua imensa obra”, disse o geólogo Álvaro Crosta, professor do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Crosta lembrou que Guidon dedicou sua vida à ciência e à proteção do patrimônio brasileiro, tornando-se uma das figuras mais importantes da arqueologia e da paleontologia no país. Para o geólogo, a pesquisadora protagonizou descobertas fundamentais na região da Serra da Capivara, com seu icônico abrigo da Pedra Furada, que levaram a novos paradigmas sobre a chegada dos primeiros habitantes humanos das Américas.

“Além de uma cientista infatigável, Niède foi uma visionária em sua luta pela criação e conservação do Parque Nacional da Serra da Capivara, hoje Patrimônio Mundial da Unesco e uma atração turística de grande valor em uma região marcada pela escassez de recursos e pela pobreza de seus habitantes”, disse o professor. “Com ampla visão social, lutou pelo desenvolvimento da região, criando projetos de educação, saúde, turismo sustentável e geração de renda para as comunidades locais”, complementou.

Para o professor, ao longo de décadas de muita dedicação, Niéde soube estabelecer as conexões entre a ciência e a população, formando novas gerações de arqueólogos, muitos deles oriundos da população da região, e promovendo o envolvimento direto das comunidades com a preservação cultural e ambiental.

Pedra furada na Serra da Capivara, no Piauí: arqueóloga dedicou sua vida à pesquisa e à preservação do local
Pedra furada na Serra da Capivara, no Piauí: arqueóloga dedicou sua vida à pesquisa e à preservação do local

Prêmio Almirante Álvaro Alberto

No ano passado, a arqueóloga recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2024 durante a Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC). A premiação, concedida anualmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Marinha do Brasil, é um reconhecimento aos cientistas brasileiros que contribuíram de forma significativa para a ciência e a tecnologia do país.

Este foi mais um título para a cientista, que já foi condecorada com a Ordem do Mérito Científico, Grã-Cruz, do MCTI, além de ter conquistado o Green Prize, da organização pacificista e ecológica Paliber; o Prêmio Príncipe Klaus, do governo holandês; o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Cultura; o prêmio Cientista do Ano, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); e o Prêmio Chevalier de La Légion d’Honneur, do governo francês.

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