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Centro Interdisciplinar de Estudos Brasil-China consolida mais de uma década de cooperação

A missão do novo órgão será aprofundar, articular e expandir os conhecimentos sobre o país asiático

A criação do Centro Interdisciplinar de Estudos Brasil-China (CIEBC) surge em um momento de crescente interesse acadêmico pelo país asiático, que vem buscando se tornar também um líder em termos de ciência, tecnologia e inovação. Atualmente, a China ocupa o lugar de segundo maior investidor em pesquisa e desenvolvimento no mundo — atrás apenas dos Estados Unidos —, obtendo avanços em áreas como inteligência artificial, energias renováveis e biotecnologias.

A missão do CIEBC, que teve sua criação aprovada pelo Conselho Universitário (Consu) no último dia 5 de agosto, será aprofundar, articular e expandir os conhecimentos sobre o país asiático e suas relações com o Brasil. Os próximos passos para a implementação da nova estrutura serão definidos em reuniões com pesquisadores que se dedicam, na Unicamp, aos estudos sobre a nação chinesa em áreas como medicina, engenharia, economia, linguística, demografia e outras.

“Em qualquer cenário que se tente traçar para a economia e para a distribuição de poder na esfera internacional, entender a China é fundamental. Nosso maior interesse é pensar criticamente sobre como o momento atual abre novos desafios e oportunidades para o Brasil”, afirma o professor do Instituto de Economia (IE) Célio Hiratuka, coordenador do Grupo de Estudos Brasil-China (GEBC) — em atividade na Unicamp desde 2011 e agora parte integrante do centro.

“A nova geopolítica é marcada por polaridades e regionalidades distintas. Nesse contexto, entender a China não é algo opcional. É uma necessidade. A ascensão chinesa transforma o comércio, a política e a cultura globais”, diz Hiratuka.

A professora Rachel Meneguello, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), uma das articuladoras da criação do CEIBC, explica que o centro reunirá em um mesmo local os projetos de pesquisa sobre a China já em andamento na Universidade e antes desconectados institucionalmente. “Congregar esses esforços é uma iniciativa estratégica, sobretudo neste momento em que observamos um grande movimento de reconfiguração na economia global”, afirma Meneguello.

Espera-se que o centro impulsione o protagonismo da Unicamp como uma referência nos estudos sobre a China na América Latina, contribuindo para a formação de uma nova geração de especialistas e fortalecendo a cooperação acadêmica entre os dois países.

A Coordenadoria de Centros e Núcleos Interdisciplinares de Pesquisa (Cocen), órgão ligado à reitoria, integrará o CEIBC a sua estrutura. As pesquisas serão organizadas em cinco eixos temáticos: Sociedade, Cultura e Linguagem; Economia, Políticas Públicas e Relações Internacionais; Ciência, Tecnologia e Inovação; Meio Ambiente, Transição Energética e Sustentabilidade; e Saúde e Ciências da Vida.

Com o CEIBC, a Unicamp se alinha às universidades mais influentes do mundo, como Harvard, Columbia, Oxford, Cambridge, Universidade de Tóquio e Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) entre outras que já contam com institutos de pesquisa dedicados ao país asiático.

A sessão ordinária do Conselho Universitário do dia 5 de agosto que aprovou a criação do Centro Interdisciplinar de Estudos Brasil-China
Sessão ordinária do Conselho Universitário do dia 5 de agosto que aprovou a criação do Centro Interdisciplinar de Estudos Brasil-China

Protagonismo em estudos chineses na América Latina

A criação do CIEBC resulta de um longo processo de aproximação entre a Unicamp e os estudos chineses — área também chamada de sinologia —,processo esse que remonta sobretudo à fundação do GEBC, em 2011.

Desde então, a Universidade vem ampliando sua atuação na área, integrando economia, ciências sociais, filosofia, sustentabilidade, saúde e engenharias. Em 2015, o vínculo reforçou-se com a chegada do Instituto Confúcio à Unicamp, fruto de uma parceria com a Universidade Beijing Jiaotong.

Ao longo dos anos, essa rede deu origem a parcerias internacionais, missões institucionais, projetos de pesquisa, cursos interdisciplinares, disciplinas de pós-graduação e publicações. Em 2019, mais um reforço relevante: um braço da Academia Chinesa de Ciências Sociais estabeleceu-se na Universidade, com a criação do Centro Cass-Unicamp.

O professor Tom Dwyer, do IFCH e um dos pioneiros nos estudos sino-brasileiros na Unicamp, foi um dos principais articuladores do acordo com a Academia Chinesa de Ciências Sociais (Cass, na sigla em inglês). Para Dwyer, essa parceria ofereceu um salto qualitativo. “Estar ligado à instituição de ciências sociais mais prestigiada da China situou a Unicamp em um patamar diferenciado, abrindo portas para diálogos de alto nível e projetos conjuntos”, afirma.

Um reconhecimento ainda mais amplo deu-se em 2022, quando o Social Science Research Council (SSRC), de Nova York, destacou a Unicamp como uma das principais referências em estudos chineses na América Latina e no Caribe. “Confesso ter ficado impressionado com o espaço que concederam à Unicamp no relatório. A coordenadora da pesquisa chegou a me ligar para dizer que ninguém mais havia seguido o caminho que estávamos trilhando, construído de baixo para cima, a partir de problemas científicos e comparações entre o Brasil e a China”, conta Dwyer.

O professor lembrou ainda da missão institucional realizada à China em 2024 por uma delegação da Unicamp, que contou com as presenças do então reitor, Antonio José de Almeida Meirelles, e dos professores Hiratuka e Meneguello, além de outras pessoas.

“Aquela foi uma visita intensa, com reuniões muito concorridas na Academia de Ciências Sociais e em outras instituições. Ficou claro para todos que o trabalho que desenvolvemos aqui tem prestígio lá”, avalia Dwyer.

A professora Rachel Meneguello, do IFCH, uma das articuladoras da criação do CEIBC: projetos antes desconectados institucionalmente
A professora Rachel Meneguello, do IFCH, uma das articuladoras da criação do CEIBC: projetos antes desconectados institucionalmente

Filosofia, Cultura e Linguagem

Quando questionado sobre qual dos eixos de pesquisa do novo centro considera prioritário, o professor não hesita em responder que se trata da dimensão cultural, filosófica e linguística.

Para Dwyer, compreender a China contemporânea passa por conhecer as raízes de sua civilização e a forma como essas tradições moldam valores, práticas e políticas no presente. Isso exige a superação de um problema fundamental, que vai além da simples falta de informação: o desafio da tradução de conceitos entre culturas tão distintas.

“Mesmo pesquisadores especializados frequentemente usam categorias ‘não chinesas’ para interpretar a realidade do país asiático”, explica. O desconhecimento gera distorções, como a ideia de que a população da China seria incapaz de pensar de modo autônomo por viver sob um regime de opressão e censura permanentes.

Dwyer lembra que ele próprio, antes de iniciar suas visitas ao país, imaginava que, se a realidade chinesa fosse semelhante à da antiga União Soviética, não haveria espaço para a sociologia. A percepção começou a mudar quando, em sucessivas viagens, encontrou abertura para interações acadêmicas.

Nesse sentido, iniciativas como os Colóquios Internacionais de Filosofia Oriental da Unicamp, que alcançaram sua décima edição em 2024, desempenham um papel fundamental. “Isso humaniza o país”, explica o docente, referindo-se aos intercâmbios acadêmicos, por meio dos quais professores chineses compartilham não apenas pesquisas, mas também experiências pessoais.

A proposta de criação do CEIBC aprovada pelo CONSU prevê a contratação inicial de dois pesquisadores para atuação exclusiva no centro. “Vamos ter que começar a recrutar pessoas que sabem chinês. Não dá para fazer isso em inglês, porque é um erro de tradução em cima do outro. São concepções de mundo diferentes. Isso é um desafio grande”, afirma Dwyer, observando que a Unicamp já conta com um número expressivo, para os padrões atuais, de estudantes que dominam a língua chinesa.

O professor do IE Célio Hiratuka, coordenador do GEBC em atividade na Unicamp desde 2011 e agora parte integrante do centro
O professor do IE Célio Hiratuka, coordenador do GEBC em atividade na Unicamp desde 2011 e agora parte integrante do centro

Desenvolvimento econômico e inclusão social

A China ocupa a posição de maior parceiro comercial do Brasil desde 2009, quando superou os Estados Unidos. A partir daí, essa parceria consolidou-se, respondendo por aproximadamente 30% das exportações brasileiras e ampliando gradualmente sua participação nas importações do país.

A intensificação da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, com tarifas de importação generalizadas impostas pelo país norte-americano de modo caótico e imprevisível, tem gerado expectativas no mercado sobre um aprofundamento ainda maior das relações comerciais entre brasileiros e chineses.

Para Hiratuka, as duas nações compartilham o desafio de conciliar o crescimento econômico e a ampliação do comércio exterior com suas respectivas questões históricas de desigualdade social.

“Trata-se de duas economias distintas, que enfrentam seus desafios a partir de posições muito diferentes, mas que de certa maneira têm graus de complementaridade. Depois de se tornar o maior produtor mundial de manufaturas e o principal exportador de produtos industrializados, a China vem tentando avançar para um padrão de desenvolvimento mais inclusivo, reduzindo desigualdades regionais e de renda. Isso abre possibilidades de diálogo com o Brasil, que também busca combinar crescimento econômico com inclusão social”, avalia Hiratuka.

O CEIBC pretende contribuir para análises que vão além da balança comercial, explorando políticas públicas, estratégias industriais e mecanismos de cooperação capazes de fortalecer tanto a competitividade econômica quanto a justiça social nos dois países.

O professor Tom Dwyer, do IFCH: um dos pioneiros nos estudos sino-brasileiros na Unicamp, foi um dos principais articuladores do acordo com a Academia Chinesa de Ciências Sociais (Cass, na sigla em inglês)
O professor Tom Dwyer, do IFCH: um dos pioneiros nos estudos sino-brasileiros na Unicamp, foi um dos principais articuladores do acordo com a Academia Chinesa de Ciências Sociais (Cass, na sigla em inglês)

Mudanças climáticas e transição energética na pauta bilateral

O acelerado desenvolvimento chinês apresentou uma conta ambiental preocupante. Em 40 anos, a China deixou de ser uma economia de base predominantemente agrícola e se tornou um país que disputa a liderança global na produção e exportação de artigos industrializados.

Nesse caminho, passou a ser o maior emissor de gases de efeito estufa — ao passo que, como resposta, tornou-se também o maior investidor em novas fontes de energia renovável.  Publicamente, o país assumiu o compromisso de alcançar a neutralidade de carbono até 2060 e vem estruturando políticas a partir do conceito de “civilização ecológica”, que orienta ações para harmonizar o desenvolvimento econômico com a preservação ambiental.

Segundo Hiratuka, essa experiência abre oportunidades concretas de cooperação. “Existe uma preocupação enorme com a questão ambiental, até pelo custo que eles tiveram em decorrência do desenvolvimento muito intensivo. Agora, estão tentando resolver essa questão. E o Brasil, por sua vez, tem grande potencial de colaborar para a transição energética. Essa convergência cria espaço para um diálogo produtivo e parcerias de alto impacto.”

Sociedade e Sistema político

O CIEBC representa uma oportunidade também para ampliar o conhecimento sobre o funcionamento das instituições políticas chinesas, enfatiza Meneguello. Existe uma bibliografia internacional significativa sobre o campo da política do país asiático.

“Uma de nossas metas é desenvolvermos estudos comparados sobre as transformações em hábitos das populações de nossas sociedades, bem como das percepções sobre bem-estar e igualdade”, diz a professora.

“Por exemplo, já há contatos iniciais feitos entre pesquisadoras do CASS e do Cesop [Centro de Estudos de Opinião Pública] na direção de ampliarmos fontes de conhecimento e análise de dados em temas como hábitos de consumo, valores e atitudes sobre o meio ambiente e outros.”

Interdisciplinaridade e conexão com outros centros

Com a criação do CIEBC, a Cocen passa a reunir 23 centros e núcleos, ampliando ainda mais sua já diversa rede de pesquisa interdisciplinar.

“O CIEBC vem para enriquecer e diversificar o nosso sistema, criando pontes entre competências já existentes na Cocen e novas perspectivas trazidas pelos estudos sobre a China. Esse é um passo que reforça a vocação interdisciplinar do sistema e amplia nossa capacidade de atuar em temas estratégicos para o futuro da Universidade e do país”, afirma a pesquisadora Raluca Savu, coordenadora da Cocen.

Algumas ações de cooperação já começaram a se desenvolver entre pesquisadores do CEIBC e o sistema Cocen, com destaque para o Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE), o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam), o Núcleo de Estudos e Políticas Públicas (Nepp), o Núcleo de Estudos de População (Nepo) e o Cesop.

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