Pesquisadores, representantes do setor produtivo, do poder público e interessados se reuniram na Unicamp, nesta terça-feira (26), para debater sobre o acesso, o uso e a repartição de benefícios resultantes das sequências digitais de recursos genéticos (em inglês, Digital Sequence Information – SDI). Tratam-se das informações digitais de sequenciamentos genéticos de plantas, animais e microrganismos – utilizadas para o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias em áreas como saúde, farmácia e agricultura, e centrais nas discussões sobre a preservação da biodiversidade.
Realizado no Centro de Convenções da Universidade, o workshop “Acesso às Sequências Digitais de Recursos Genéticos (DSI)” foi promovido pela Comissão de Patrimônio Genético (Patgen) da Pró-Reitoria de Pesquisa da Unicamp. O encontro teve como foco as decisões e desdobramentos da 16ª Conferência das Partes (COP16) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), que ocorreu em Cali (Colômbia) entre outubro e novembro de 2024.

Uma das questões centrais em discussão foi a criação do chamado Fundo Cali, que visa uma repartição justa e equitativa dos benefícios do uso de SDIs. Com isso, todos os usuários de SDIs deverão colaborar. A ideia é garantir que o local de origem desses dados também compartilhe dos lucros gerados por meio de sua biodiversidade.
Nos casos em que o uso desses recursos genéticos retorne lucro financeiro, será devida a repartição de benefícios monetárias, por meio do pagamento de um percentual do lucro ou receita. Empresas privadas se enquadram nesse contexto, a exemplo de indústrias farmacêuticas que desenvolvem produtos com o uso de sequenciamentos genéticos digitais.
Já os usuários sem fins comerciais – como bancos de dados públicos, instituições públicas de pesquisa e instituições acadêmicas – deverão contribuir com benefícios não monetários, como a disponibilização de novos dados ou a publicação de artigos, os quais também deverão ser registrados e monitorados.
“É um tema bastante caro e novo. A ideia do evento é justamente comunicar os cuidados que devem ser tomados e o impacto dessas informações que são colocadas em bancos de dados; quanto mais bancos de dados públicos tivermos, melhor para a ciência, mas a origem, a comunidade que gerou esses dados, deve ser devidamente reconhecida e recompensada pelo uso dessas informações digitais”, afirmou a pró-reitora de Pesquisa, Ana Maria Frattini, na abertura do evento.

Os recursos do Fundo Cali serão utilizados para apoiar os objetivos da CBD: a preservação da biodiversidade, o uso sustentável e a repartição dos benefícios. Metade do montante deverá ser destinado a povos indígenas e a comunidades locais. Há a expectativa de que parte desses valores também beneficiem pesquisas. Ações implementadas via repartição de benefícios não monetárias também podem colaborar no desenvolvimento científico biotecnológico.
A primeira palestra do evento foi proferida pela pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz e coordenadora da Câmara Setorial da Academia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen/Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – MMA), Manuela da Silva, que apresentou a linha do tempo das discussões sobre DSI e informações práticas para pesquisadores.
De acordo com Silva, no contexto dos usuários não comerciais, os pesquisadores podem continuar usando DSIs dos bancos de dados públicos sem autorização prévia. Eles devem cumprir as regulamentações nacionais para acesso a recursos genéticos e respeitar as condições impostas nos acordos relacionados ao compartilhamento de SDI. Além disso, não devem publicar DSI em bancos de dados públicos, nem compartilhar com terceiros, se houver restrições.

Discussão e implementação
Atualmente, a atuação brasileira nesse campo é regida pela Lei nº 13.123/2015 e pelo Decreto nº 8.772/2016. Conforme Letícia Brina, coordenadora-geral do Departamento de Patrimônio Genético do MMA, o desafio é dar continuidade à execução do Sistema Nacional de Gestão do Património Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), ao mesmo tempo buscando harmonizá-lo com as normativas internacionais.
“Estamos em um momento em que o Brasil precisará discutir internamente como se dará essa implementação, que afeta como o país já tem lidado com o patrimônio genético disponibilizado de forma digital”, informou.
Segundo a coordenadora-geral, eventos como esse fomentam a proximidade do governo com a academia. Isso “favorece para entendermos as necessidades dos usuários do patrimônio genético e do conhecimento tradicional do Brasil, que serão levadas para as discussões internacionais, e também sensibilizarmos [os pesquisadores] sobre a importância desses temas”, comentou.
O Ministério da Agricultura e Pecuária também está envolvido nesses debates, a partir do ponto de vista do melhoramento genético animal e vegetal, considerado fundamental para a humanidade e para a segurança alimentar, conforme Luís Gustavo Pacheco, auditor fiscal federal agropecuário e coordenador geral da área de Recursos Genéticos para a Alimentação e Agricultura.

No workshop, Pacheco participou de uma mesa redonda ao lado do pesquisador do Grupo de Pesquisa em Bioinformática e Biotecnologia na Unicamp e da Embrapa Agricultura Digital Felipe da Silva e do pró-reitor do Programa de Pós-Graduação em “Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio” do Instituto Biológico, órgão da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo de São Paulo.
Pacheco chamou a atenção para o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura (TIRFAA). “É papel do ministério fortalecer esse tratado, porque ele foi justamente criado com foco na pesquisa agropecuária, que tem características específicas. Quanto mais facilitado o intercâmbio ou o acesso às DSIs, muito mais interessante para a segurança alimentar global”.
Em relação à construção do sistema multilateral de gestão do patrimônio genético, Pacheco ressaltou a importância da transparência e de regras claras, citando, por exemplo, a própria imprecisão quanto ao conceito do que são DSIs.
O auditor pontuou, ainda, diferença de abordagens das normativas brasileiras (por produto) e internacionais (setorial) no que tange à repartição dos benefícios. Para Pacheco, o modelo adotado pelo Fundo Cali faz com que empresas contribuam na mesma proporção, mesmo que uma delas utilize SDI apenas em uma parcela de seus processos, enquanto outra pode ser inteiramente dependente de SDI para sua operação. “Isso desestimula a pesquisa e o desenvolvimento da biotecnologia no nosso país”.
O evento contou, ainda, com palestra do gerente de Conhecimento Científico e diretor científico do Instituto Tecnológico Vale, Guilherme Oliveira, e encerramento com Angelica Schreiber e Jean Fanton, ambos do Patgen.
Foto de Capa:

Ouça o podcast sobre o tema produzido pela Secretaria Executiva de Comunicação: