
Os 60 anos do Departamento de Saúde Coletiva (DSC) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e os 35 anos do Sistema Único de Saúde (SUS) foram celebrados nesta sexta-feira, 19 de setembro, em uma cerimônia marcada por homenagens e reencontros. O médico e professor Gastão Wagner de Sousa Campos, um dos principais nomes tanto na idealização do DSC quanto na implantação do SUS, recebeu um de seus ilustres alunos, o hoje ministro da saúde Alexandre Padilha, que fez graduação e pós-doutorado na Unicamp. No palco do grande auditório da FCM, lotado de docentes, estudantes, funcionários e convidados, Gastão Wagner se emocionou ao relembrar a história do DSC, onde atua há 40 anos. “Essa homenagem é uma homenagem às pessoas”, declarou.
O reitor da Unicamp, Paulo Cesar Montagner, destacou a importância da comemoração. “Hoje é um dia importante para a Unicamp e para o DSC, um dia para celebrar nossas histórias. A FCM tem um impacto relevante no ensino e na pesquisa, e o departamento conta com uma geração de professores que atuaram fortemente naquilo que hoje é conhecido como SUS.”.
Para o coordenador-geral da universidade, Fernando Coelho, ao se tornar a base para a formação do Sistema Único de Saúde, “uma das estruturas mais importantes que temos no Brasil em termos de políticas públicas, o DSC mostra claramente qual o papel de uma universidade pública, que é oferecer grandes contribuições para que o país possa se desenvolver”.



O professor Campos, um dos organizadores do livro Nas entranhas da atenção primária à saúde (2021), enfatizou a importância do departamento na formulação do SUS, uma das maiores conquistas da Constituição Federal de 1988, e discorreu sobre suas várias fases. “Tudo começou com uma equipe coordenada pelo doutor Sérgio Arouca (1941-2003) de medicina comunitária, mas, em 1975, veio o trauma da ditadura militar, quando a Unicamp foi obrigada a demitir a equipe, e a polícia recebeu ordem para prendê-los. Eles escaparam, o projeto levou uns dez anos para ser reorganizado e, depois, cresceu com o próprio desenvolvimento do SUS.”
“Sou da segunda geração do departamento e estou aqui representando os docentes. Conseguimos passar de oito para 30 professores em pouco tempo. O perfil dos alunos mudou muito ao longo dos tempos. Antes, os estudantes eram de classe média alta, e havia uma grande resistência em medicina comunitária. Mas, agora, com as cotas, o cenário mudou. Hoje temos 80 residentes, no passado eram cinco”, completa Campos, que foi secretário de saúde de Campinas em duas ocasiões e secretário-executivo do Ministério da Saúde no primeiro governo Lula. Segundo Campos, a trajetória está definida, mas a medicina comunitária e o SUS precisam ser protegidos. “O futuro é incerto, e preservar é um desafio para as novas gerações.”
“Não teríamos construído o SUS sem o Departamento de Saúde Coletiva”, enfatizou Alexandre Padilha. “Na época da graduação na Unicamp, um dos meus professores era o doutor Gastão, que se tornou secretário municipal de saúde. Como estudante, vivenciei essa grande transformação. Mais tarde, quando me tornei ministro pela primeira vez [entre 2011 e 2014, no primeiro mandato do governo Dilma Rousseff], minha mãe, que é pediatra em São Paulo e, desde os anos 1970, atendia voluntariamente em centros comunitários da periferia, me falou: você deve isso à Unicamp.”
“Eu me lembro que, ainda aluno da graduação, o professor Gastão falou sobre o desafio que era a secretaria municipal e disse que buscava o céu, no sentido de quem busca de maneira permanente uma utopia. Quero dizer que continuo buscando o céu, falo como quem já aprendeu que utopia é mirar sempre um objetivo claro para buscar, e, conforme avançamos, começamos a olhar ainda mais distante. Estou emocionado por estar aqui. Não teria lugar melhor para um ex-aluno da faculdade, hoje ministro, comemorar os 35 anos do SUS e os 60 anos do Departamento de Saúde Coletiva”, completou Padilha, que encerrou sua participação com a apresentação do programa “Agora Tem Especialistas”, iniciativa do Ministério da Saúde focada em reduzir o tempo de espera para atendimentos e cirurgias especializadas no SUS.


Trajetória
O Departamento de Saúde Coletiva (DSC) foi fundado em março de 1965 pelo médico e professor Miguel Ignácio Tobar Acosta, que reuniu uma equipe multidisciplinar, com médicos e cientistas sociais.
O departamento, influenciado pelo modelo de medicina preventiva norte-americano, difundido nos anos 1960 na América Latina por organismos internacionais, como a Organização Panamericana da Saúde, adotou uma “mentalidade preventiva”, criticada pelo médico Sérgio Arouca (1941-2003) em sua tese “O dilema preventivista”, considerado um marco no trabalho da saúde coletiva. Em sua visão, o modelo usava como base conteúdos políticos-ideológicos.
No início da década de 1970, o modelo de medicina comunitária e o elenco de disciplinas ensinadas pelo departamento passaram por reformulação. Arouca começou um trabalho comunitário de ensino e assistência em um bairro periférico de Campinas, o Jardim da Oliveiras, que se tornou a base do ensino da Clínica de Família e das Ciências Sociais Aplicadas à Medicina.
Aos poucos, novos conteúdos curriculares começaram a ser desenvolvidos, como a Medicina Social e a Epidemiologia. Ao mesmo tempo, crescia a produção científica, com teses de doutorado defendidas pelos docentes.
Um modelo comunitário de ensino e assistência foi criado em Paulínia e representou, ainda nos anos 1970, uma antecipação da organização de uma rede pública local de serviços de saúde abrangente. O que se buscava era criar um modelo assistencial que pudesse ser reproduzido. Muitos programas médico-assistenciais foram criados no Centro de Saúde-Escola de Paulínia, como saúde escolar, programa de criança, de gestante e a clínica de família.
Entre os anos 1975 e 1976, a ditadura militar interrompeu os trabalhos e muitos dos docentes foram afastados ou se afastaram. A partir de 1978, com o médico e professor Nelson Rodrigues dos Santos na direção do Centro de Saúde-Escola de Paulínia, a rede de serviços de saúde foi ampliada.

Nesta segunda etapa, novas áreas disciplinares, como a Epidemiologia Clínica e a Saúde Ocupacional e Ambiental foram criadas. O departamento cresceu, e foi criado o curso de especialização em Medicina do Trabalho.
Na metade da década de 1980, sob o comando dos médicos Luiz Jacintho da Silva e Gastão Wagner de Sousa Campos, houve a criação do Hospital Municipal de Paulínia, que antecipou um modelo de municipalização de serviços de saúde.
Em 1982, teve início uma nova etapa no departamento, com a implantação do processo bienal de eleição para a função de coordenador e para a formação de um conselho representativo, com docentes, funcionários e residentes. Nessa etapa, os cursos de pós-graduação aumentaram, com a retomada da residência médica.
Nos anos 1990, houve uma nova expansão significativa, com a criação dos programas de mestrado e doutorado em Saúde Coletiva e do curso de especialização em Saúde Pública.
Ao longo dos anos, o DSC contribuiu significativamente para a formação de profissionais que hoje ocupam posições relevantes no Sistema Único de Saúde (SUS) e em universidades brasileiras e estrangeiras. Em 2024, o departamento inaugurou o Auditório Sérgio Arouca, em homenagem póstuma ao professor Arouca.
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