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Novas tecnologias impõem novos desafios às pesquisas demográficas e de história das populações

Simpósio realizado na Unicamp debateu ganhos e desafios das Humanidades Digitais para demógrafos e historiadores

As novas tecnologias como inteligência artificial, big data, georreferenciamento e acesso público a grandes bancos de dados impactam a sociedade e a produção de conhecimento. A pesquisa acadêmica com o uso dessas ferramentas e a investigação de fenômenos sociais digitais estão inseridas no campo das Humanidades Digitais (HD) — área que apresenta desafios metodológicos, técnicos e éticos. O tema “Demografia Histórica e História das Populações na Era das Humanidades Digitais” foi o foco do IX Simpósio Nacional de História das Populações, realizado na Unicamp nos dias 17 a 19 de setembro.

As inovações “levam a novos patamares de reinterpretação e redescoberta das estruturas e dinâmicas das sociedades do passado. Inclusive, ampliando o escopo investigativo às populações que impõem maiores dificuldades para seu estudo, como é o caso dos povos indígenas e afrodescendentes, bem como das populações imigrantes”, afirmou a professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo) e organizadora do evento, Ana Silvia Volpi Scott.

É a primeira vez que o simpósio se volta para esse assunto. A aplicação de novas tecnologias nas humanidades permite novas formas de acesso, disseminação e preservação da informação histórica, com o desenvolvimento não só de novas pesquisas, mas também ferramentas e produtos. Entre as potencialidades, está a construção de grandes infraestruturas de dados — a partir do acesso e cruzamento de dados quantitativos, qualitativos e outras fontes.

Um exemplo disso é o projeto apresentado pelo pesquisador português Antero Ferreira, que descobriu novas relações entre as pessoas e o espaço a partir do georreferenciamento de mapas históricos da cidade de Guimarães. A disponibilização dessas informações pode beneficiar diferentes projetos de pesquisa, os quais também podem colaborar para a expansão dessa rede de dados.

O evento aconteceu entre os dias 17 e 19 de setembro e o impacto das novas tecnologias na  produção de conhecimento sobre a humanidade
O evento aconteceu entre os dias 17 e 19 de setembro e o impacto das novas tecnologias na produção de conhecimento sobre a humanidade

O treinamento de modelos de inteligência artificial para a transcrição e o estudo de manuscritos antigos (paleografia) também é uma possibilidade que beneficia historiadores. “Uma vez que você gera um modelo com uma taxa de erro aceitável, você pode aplicá-lo a milhares de documentos automaticamente. Então, o que levaria 10 anos com um trabalho artesanal, leva horas com a aplicação da tecnologia”, relatou Marcio Soares, docente da Universidade Federal Fluminense (UFF). Uma dificuldade pertinente à realidade brasileira, no entanto, é o precário estado de conservação dos documentos, o que dificulta o uso de algoritmos já treinados por pesquisadores estrangeiros.

O debate permeou, ainda, o acesso e o uso de plataformas digitais criadas por terceiros — visto que, por vezes, o pesquisador se torna refém de uma tecnologia cara, cujo mecanismo ele não conhece. O professor da Universidade de Brasília (UNB) Tiago Gil defendeu a criação de ferramentas brasileiras próprias, como a “OXOSSI”, que está em desenvolvimento na UNB e será disponibilizada gratuitamente. Gil criticou, também, a dependência de fontes disponibilizadas online, em contraste com o trabalho de pesquisa em campo.

O evento foi realizado pelo Grupo de Trabalho População & História – integrante da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) –, em conjunto com o Departamento de Demografia do IFCH e com o Nepo.

O responsável pelo Centro de Humanidades Digitais do IFCH, Thiago Nicodemo: pesquisa mais coletiva e colaborativa
O responsável pelo Centro de Humanidades Digitais do IFCH, Thiago Nicodemo: pesquisa mais coletiva e colaborativa

Desafio da ciência aberta

Para o diretor do Arquivo Público do Estado de São Paulo, docente e responsável pelo Centro de Humanidades Digitais do IFCH, Thiago Nicodemo, as Humanidades Digitais forçam uma mudança de cultura das universidades, no sentido de se adequarem a uma linguagem digital e a protocolos de ciência aberta. “Esse processo de digitalização da pesquisa obriga a gente a repensar e tornar essa pesquisa, desde o início, mais coletiva e colaborativa, muda epistemologicamente a forma de se fazer.”

Segundo Nicodemo, esse movimento se aplica não somente dentro da academia, mas também à sociedade em geral, que tem interesse nesses dados demográficos para entendimento da própria identidade. “Sem contar que esse tipo de conhecimento pode ajudar também na elaboração de políticas públicas, porque está lidando com a história das famílias e com a salvaguarda de direitos.”

As HD, portanto, permitem o desenvolvimento de novas análises. O pesquisador usa como exemplo o acervo do Arquivo Público de São Paulo, que contém documentos censitários de São Paulo, desde 1765 até o fim do século XIX, por ano e por cidade. “São dados das famílias que tinham posse, mas também das famílias escravas negras e escravas indígenas que estavam associadas a essas famílias. Então é possível entender, por exemplo, para onde foram os escravos na medida em que eles se libertaram.” No Centro de Humanidades Digitais da Unicamp, o trabalho está concentrado, atualmente, na preservação das informações da pandemia de covid-19.

Humanidades Digitais e ensino

Discussões sobre a contribuição das Humanidades Digitais para o ensino pré-universitário e universitário também integraram a programação. Para Francisco González, diretor do Seminário de História Social da População da Universidad Castilla-La Mancha, as plataformas digitais possibilitam a renovação da educação, levando o resultado das pesquisas atuais às salas de aula. González apresentou o projeto Modernalia, do qual também é diretor, que objetiva oferecer recursos digitais sobre a história moderna para a comunidade educativa.

O professor argumentou que há uma desconexão entre os currículos atuais e os resultados das pesquisas modernas em demografia histórica e história social da população. “Normalmente, o que se ensina tem relação com tópicos muito clássicos, como pirâmides populacionais e a classificação de ofícios e profissões. Questões como a família e a velhice, toda a história social da população, não fazem parte dos planos de ensino.”

Esse tema também foi foco de uma atividade extensionista inserida no simpósio: um minicurso de “Alfabetização em História e o uso de tecnologias digitais no ensino de História”, que teve como público-alvo professores da educação básica e alunos de cursos de licenciatura.

Foto de capa:

O simpósio teve como tema "Demografia Histórica e História das Populações na Era das Humanidades Digitais"
O simpósio teve como tema “Demografia Histórica e História das Populações na Era das Humanidades Digitais”

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