Estudo investiga fatores que podem resultar em crescimento econômico inclusivo
![Tese coloca em evidência a eficácia da combinação de políticas estatais redistributivas com medidas de regulamentação do mercado de trabalho](/unicamp/sites/default/files/inline-images/20231002_JU-695_pag11_DSC_7157-INTERNA1.jpg)
Em um doutorado realizado no Instituto de Economia (IE) da Unicamp, Lilian Rolim desenvolveu um novo modelo econômico, baseado em agentes e com características kaleckianas (do economista polonês Michael Kalecki), enquanto investigava a relação entre a estrutura econômica e a distribuição de renda para estudar possibilidades de se chegar a um crescimento econômico inclusivo. Contemplado com a Menção Honrosa do Prêmio Capes de Tese (edição 2023), seu trabalho explicita a complexidade da relação entre as duas questões e evidencia a eficácia da combinação de políticas estatais redistributivas com medidas de regulamentação do mercado de trabalho como instrumento para conquistar um maior equilíbrio entre distribuição de renda e crescimento.
“Sua tese fornece subsídios para a discussão de estratégias que visem a uma distribuição da renda mais igualitária. Essa temática é muito importante, porque se tornou um problema real e crescente no mundo, tanto para os países ricos como para os periféricos. Por mais que seja uma proposta teórica e pensada em uma economia abstrata, seu trabalho pode ter efeitos concretos na política”, avalia Carolina Baltar, professora do IE que orientou o doutorado em parceria com o professor Gilberto Lima, da Universidade de São Paulo (USP).
Recém-contratada como docente no IE, Rolim partiu da análise da interação entre poder de barganha dos trabalhadores e crescimento da produtividade para estudar as influências dessas variáveis na relação entre distribuição de renda e crescimento econômico. Porém, logo notou que seria necessário explorar primeiro – e de forma aprofundada – a influência da distribuição funcional de renda na distribuição pessoal de renda. A questão já havia se apresentado em seu mestrado, quando se debruçou sobre a literatura kaleckiana (que se concentra na macroeconomia) para analisar o processo no qual o Brasil, entre 2003 e 2015, conjugou crescimento econômico com redistribuição de renda.
Historicamente abordado de forma superficial – embora venha ganhando espaço recentemente, ressalta a pesquisadora –, o estudo teórico dos fatores envolvidos no processo das distribuições pessoal e funcional de renda (e em suas interações) tornou-se, concluiu, premente para seu trabalho. Portanto, em seu doutorado, Rolim associou características da teoria kaleckiana com modelagens baseadas em agentes para tratar, com mais precisão, dessa complexidade. “Minha hipótese era a de que seria importante conseguir um diagnóstico mais preciso sobre quais são os instrumentos capazes de serem usados para redistribuir renda. E isso sem cair em uma trivialidade de achar que a relação entre distribuição de renda e crescimento econômico seja necessariamente positiva, pois considerar que o resultado dessa interação possa não ser favorável permite justamente lidar com a situação como ela é”, argumenta a autora da tese.
“Embora a distribuição de renda não seja algo dado, muitas vezes, na literatura kaleckiana, ela é abordada como se fosse. Portanto, suas mudanças são tratadas sem mostrar como fazê-las. Também existe uma ideia de que, se a distribuição funcional está evoluindo – no sentido de aumentar a parcela salarial –, a distribuição pessoal caminhará na mesma direção”, esclarece Baltar.
![Lilian Rolim, autora da tese: modelo foi testado em dois cenários diferentes](/unicamp/sites/default/files/inline-images/20231002_JU-695_pag11_scarpa_AJS_5190-INTERNA2.jpg)
Já o modelo baseado em agentes, compara a orientadora, consegue investigar comportamentos e mudanças que explicam a distribuição – além de sua evolução em determinada direção. “A pesquisa que a Lilian realizou é muito rica ao mostrar que o funcionamento das relações entre crescimento e distribuição é muito mais complexo. Nem sempre o resultado vai ser o que se espera, e o desafio foi entender o porquê. Às vezes, a distribuição funcional tem um efeito na atividade econômica. Pode haver grandes alterações distributivas, e a parcela salarial pode se manter a mesma. Nesse sentido, outros fatores têm um impacto muito grande.”
Segundo Rolim, trabalhar com textos dedicados ao estudo do comportamento dos agentes (principalmente trabalhadores e firmas heterogêneas) viabilizou a criação de um modelo que dá conta de analisar mais detalhadamente o que acontece no nível microeconômico, que se apresenta compatível com aspectos macroeconômicos da teoria kaleckiana. Olhar para o comportamento daquela distribuição – e para como os agentes envolvidos em suas mudanças fazem com que ela vá para uma direção e não para outra – auxilia no entendimento aprofundado sobre sua estrutura e fornece subsídios para discutir como modificá-la, notou.
O modelo foi testado em dois cenários diferentes, de economia fechada e aberta. No primeiro experimento, em cenário fechado, Rolim se concentrou em investigar a contraposição entre crescimento da produtividade e distribuição de renda, tocando em um dilema comum - ao mesmo tempo que pode levar a um aumento da renda, o crescimento da produtividade pode permitir que as empresas ampliem seus lucros, promovendo, assim, a concentração de renda.
Para esse primeiro cenário, de economia fechada, a pesquisadora considerou o aumento do poder de barganha dos trabalhadores como contraponto para conciliar as duas pontas, partindo do pressuposto de que, em uma situação real, essa situação poderia resultar em aumento salarial e pressionar para baixo a margem de lucro das empresas. “Como consequência, o que se vê é que as companhias tendem a alterar os preços de seus produtos e serviços para compensar suas perdas, desencadeando uma mudança na distribuição funcional que pode impactar também a pessoal”, argumenta. Em seu estudo, Rolim constatou que, na literatura existente, a análise da dinâmica da margem de lucro considerava apenas a competição entre as empresas, sem contemplar a influência do poder de barganha dos trabalhadores. “Poderíamos pensar, então, que o aumento desse poder não afetaria a distribuição funcional. Portanto, foi preciso avançar para poder chegar a uma dinâmica de alguma forma um pouco mais realista.”
![Carolina Baltar, orientadora: “Trabalho pode ter efeitos concretos na política”](/unicamp/sites/default/files/inline-images/20231002_JU-695_pag11_scarpa_AJS_5172-INTERNA3.jpg)
Para ser aplicado em cenário de economia aberta, o modelo construído foi estendido, incorporando aspectos de economias de países emergentes a fim de captar os efeitos econômicos de choques externos – como crises, conflitos bélicos e aumento ou queda na exportação de commodities. “Choques externos afetam muito o comportamento dessas economias. Por isso, buscamos analisar seus impactos na dinâmica da economia doméstica e quais os seus efeitos sobre a distribuição de renda em países periféricos. Por exemplo, na década de 2000, o Brasil passou a exportar muito mais e a preços mais altos, o que favoreceu a balança comercial e seu próprio crescimento”, cita Rolim.
Após testar o modelo ampliado para o contexto de economia aberta, o estudo se voltou para a exploração dos efeitos obtidos quando ações de regulamentação do mercado de trabalho e de minimização da desigualdade de renda são combinadas (com o emprego de políticas estatais voltadas ao salário mínimo e à tributação progressiva). Para tanto, considerou variáveis como desemprego, inflação e atividade econômica. Após simular situações com diferentes combinações de políticas redistributivas e regulações, a pesquisadora constatou a possibilidade de utilização de tais medidas para conciliar um maior crescimento econômico com uma menor desigualdade de renda. “Como um laboratório para uma economia, o modelo se mostrou capaz de detectar alterações em uma mesma estrutura quando diferentes políticas são aplicadas”, concluiu.