Faculdade de Odontologia de Piracicaba é a única instituição do país que utiliza equipamento
A destreza exigida dos dentistas durante procedimentos, entre os quais restauração, preparo de coroa e tratamento de canal, é testada, treinada e desenvolvida durante o curso de graduação em dentes de plástico ou extraídos de humanos por indicação clínica e doados, cada vez mais difíceis de obter por questões éticas, para depois ser aperfeiçoada com a assistência de professores nas clínicas mantidas pelas faculdades. E quanto mais amplas e diversificadas forem essas práticas, maiores as possibilidades da formação de profissionais devidamente gabaritados.
As operações mencionadas exigem perfeito controle sobre a caneta odontológica que na ponta utiliza uma broca cirúrgica que gira em um micromotor de alta rotação, conjunto sempre temido pelos pacientes que o chamam de “motorzinho”. É com ela que o dentista realiza no dente as remoções e os desgastes necessários. Nesses procedimentos, ele deve ter sensibilidade para dimensionar a força que deve ser aplicada para que essas operações se deem de modo conservador no limite adequado, não comprometendo o dente além do necessário.
Para aperfeiçoar a destreza dos alunos nessas técnicas, o Laboratório de Realidade Virtual da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da Unicamp dispõe de cinco simuladores (Simodont Dental Trainer – Moog) que reproduzem, em ambiente virtual, os movimentos e forças requeridos para realizá-los. O professor Pablo Agustin Vargas, responsável pelo laboratório e por introduzir essa tecnologia no Brasil, constata que esse tipo de treinamento revela-se muito mais eficiente do que o realizado comumente em dentes de plástico, montados em manequins humanos, com potencial limitado para reproduzir a resiliência dos dentes reais. Além disso, na tela dos simuladores, visualizada através de óculos 3D, o aluno é alertado sobre erros que comete e o professor pode acompanhar seu trabalho em um sistema auxiliar. Como as operações são virtuais, não há gastos materiais, apenas o consumo de energia elétrica.
A Unicamp é a única universidade brasileira equipada com esses simuladores e foi pioneira no seu uso na América Latina. Atualmente há dois simuladores dentários no Chile, um na Universidad de Chile, pública, e outro na Universidad de Los Andes, privada. Existem também dois equipamentos na Universidad Peruana de Ciencias Aplicadas, em Lima, Peru, e outros dois na Universidad de Las Americas, de Quito, Equador, ambas privadas. Até o final deste ano, estas universidades deverão ser suplantadas pela Universidad Cayetano Heredia, de Lima, Peru, que está adquirindo dez desses mesmos simuladores. Professores desta instituição estão na FOP para um período de treinamento no uso dos equipamentos.
Como funciona
Essa nova tecnologia vem sendo utilizada na graduação em odontologia da FOP, na área de pré-clínica, com o emprego do equipamento Simodont Moog, proveniente da Holanda. O equipamento permite simular a realidade virtual de modo tão fidedigno que, ao operar o sistema, o aluno pode sentir as nuances das forças necessárias para desgastar os diferentes tecidos dos dentes, percebendo a necessidade de graduá-las convenientemente quando se trata de remover o esmalte ou a dentina, por exemplo.
Como em um simulador de realidade virtual, usado no treinamento de pilotos de avião e grandes meios de transporte, o estudante manuseia uma caneta odontológica com o mesmo peso da utilizada pelos dentistas, conectada ao aparelho, e acompanha na tela virtualmente, com óculos 3D, o trabalho realizado na região demarcada do dente, sentindo necessidade de aplicar mais ou menos força, conforme a dureza do material, sendo alertado quando atinge ponto indevido.
“Quando o estudante movimenta e pressiona a ‘ferramenta virtual’ no ‘dente virtual’, visualizando a operação em 3D, a sensação desfrutada é muito mais próxima da realidade [dente natural] do que a sentida na manipulação de dentes de plástico. Ele remove a parte ‘cariada’ do dente, conforme indicado na tela e acompanha o trabalho no espelhinho. A ideia não é substituir integralmente os treinamentos em dentes de plástico no laboratório de pré-clínica, mas complementá-lo”, explica Vargas.
O software utilizado no Simodont permite que o aluno desenvolva destreza manual e habilidades psicométricas baseadas em exercícios de visão indireta com o auxílio de espelho virtual intra-bucal, preparos cavitários e de desgaste seletivo de superfícies orientado por métodos muito dinâmicos.
Existe também uma tela sensível ao toque em que o docente pode acompanhar o desempenho do estudante e discutir casos clínicos. O software atualmente utilizado na FOP é o mais avançado e permite o treinamento de preparo de cavidades dentárias em dentes permanentes e decíduos, coroa unitária para dentes anteriores e posteriores e abertura coronária para tratamento de canal.
Início, hoje e futuro
Tudo começou em 2011 quando o docente era coordenador do curso de graduação da FOP, durante a gestão do diretor Jacks Jorge Junior, e foi convidado pela empresa Moog, fabricante de simuladores de voo, a visitar sua sede em Amsterdam, para conhecer o Simodont, que estava sendo lançado. Após a visita à fábrica da Moog, ele e o professor Alan Roger Santos Silva receberam treinamento para manusear este equipamento na Faculdade de Odontologia em Amsterdã, que possui 50 simuladores utilizados no ensino de graduação em odontologia. Nessa mesma época, ele atendeu a um edital relacionado à valorização dos ambientes de ensino de graduação, publicado pela Pró-Reitoria de Graduação, ocupada à época pelo professor Marcelo Knobel, atual reitor. Classificado, recebeu a verba para comprar um aparelho, o primeiro na América Latina.
Já em 2013, ao concorrer ao Prêmio Melhores Universidades, promovido pelo Guia do Estudante da Editora Abril, na categoria Uso de Recursos Tecnológicos, com o projeto “Uso de novas tecnologias no ensino odontológico”, apresenta, entre outras inovações, o emprego do Simodont Moog na área de pré-clínica odontológica. A classificação entre os três finalistas causou grande repercussão. Diante da importância do projeto, o reitor da época, Tadeu Jorge, disponibilizou verba para a compra de mais quatro equipamentos e um servidor, que permite acompanhar os treinamentos.
Esses equipamentos estão sendo usados há quatro anos no curso de graduação. “Primeiramente, os utilizamos para os alunos do quinto ano, agora passamos para os do terceiro ano, em que o emprego é mais indicado, através de revezamentos que permitem o uso de 16 horas por aluno”, esclarece o docente.
Segundo Vargas, para atendimento dos seus 80 ingressantes anuais, o ideal para a FOP seria dispor de 22 aparelhos, o que não é viável de imediato devido aos custos e falta de espaço físico. “O que vamos perseguir é o seu aumento contínuo, o que facilitará progressivamente o atendimento dos alunos, a ampliação das suas horas de treinamento e a diminuição do número de rodízios, garantias para um trabalho mais amplo e eficiente”, conclui.
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