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Parceria entre MPT e Unicamp resulta em nova edição de dois atlas sobre migrações

Para procuradora, compreensão das características dos fluxos de refugiados é importante no combate ao trabalho escravo

 

A procuradora Catarina Von Zuben, titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo: “Queremos que não haja desconfiança com relação ao migrante, mas sim acolhimento”
A procuradora Catarina Von Zuben, titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo: “Queremos que não haja desconfiança com relação ao migrante, mas sim acolhimento”

            Motivado pela necessidade de entender as características dos fluxos recentes de estrangeiros para o Brasil e pelo desejo de contribuir para que a população brasileira não enxergue o imigrante como um inimigo, mas sim como um igual, o Ministério Público do Trabalho (MPT) decidiu custear a impressão de mais 1.000 exemplares, no total, dos atlas das migrações internacionais e da migração refugiada lançados pela Unicamp no primeiro semestre deste ano. Os dois atlas foram produzidos no âmbito do projeto temático Observatório das Migrações em São Paulo, que tem como sede o Núcleo de Estudos de População "Elza Berquó" (Nepo) da Unicamp. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

                Os novos exemplares dos atlas – 500 de cada um – contêm dados bastante atuais a respeito da vinda de estrangeiros para o Brasil. Enquanto as versões originais de ambas as publicações abrangiam o período de 2000 a 2015, estas custeadas pelo MPT se estendem até julho de 2018. "O mapeamento dos fluxos migratórios é muito importante para nós", afirmou na sexta-feira passada (23) ao Jornal da Unicamp a procuradora Catarina Von Zuben, titular da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete) do MPT. "Nossa ideia é entender as características desses fluxos para atuarmos de forma preventiva."

                Catarina esteve na Unicamp para entregar os atlas atualizados, de forma simbólica, ao Museu da Imigração e ao Centro Paula Souza, que administra as Escolas Técnicas (Etecs) e as Faculdades de Tecnologia (Fatecs) do Estado de São Paulo. A entrega foi feita na Reitoria da Universidade, na presença do reitor Marcelo Knobel. A pesquisadora Angélica Beghini agradeceu em nome do Museu da Imigração os 700 exemplares destinados à instituição. O Centro Paula Souza, que ficou com os 300 exemplares restantes, foi representado por seu coordenador de Projetos, Davi Gutierrez.

                O MPT não escolheu por acaso as duas intuições beneficiadas com a doação. Conforme explicou ao JU a professora Rosana Baeninger, coordenadora do projeto Observatório das Migrações, o Centro Paula Souza solicitou no início do ano o apoio da Cátedra de Refugiados "Sérgio Vieira de Mello", também coordenada por ela, para capacitação de professores das Etecs nessa área. As aulas para os professores foram ministradas nas dependências do Museu da Imigração, que é, por sua vez, parceiro da Unicamp na cátedra.

                O Centro Paula Souza distribuirá os atlas recebidos do MPT entre as suas 223 Etecs, em uma ação que beneficiará mais de 330 mil alunos de todas as regiões do Estado. Já o Museu da Imigração entregará os exemplares que lhe foram destinados a professores que organizarem visitas educativas à instituição.

                "Para nós, é muito importante levar o conhecimento para quem está sendo formado de que o migrante, o refugiado, é uma pessoa", destacou a procurado Catarina Von Zuben em seu breve pronunciamento durante ato realizado na Reitoria da Unicamp. O reitor Marcelo Knobel reforçou a declaração da procuradora: "Estamos tentando atuar pelo bem comum", afirmou. "Só conseguiremos alcançá-lo por meio do diálogo, com muita ênfase na educação. Não vejo outro caminho."

                Knobel fez questão de ressaltar que os dados contidos nas versões atualizadas dos dois atlas podem ser consultados por toda a sociedade pelo site do Nepo. "É impressionante já haver dados de julho de 2018 disponíveis. É possível escolher um bairro e ver quantos imigrantes vivem ali."

                Leia, abaixo, a íntegra da conversa do JU com a procuradora Catarina Von Zuben:

Jornal da Unicamp – Por que o MPT se interessou em reimprimir os atlas de migrações produzidos pelo Nepo?

Catarina Von Zuben  – O MPT possui uma coordenadoria própria, a Conaet, que cuida especificamente da erradicação do trabalho escravo. A população migrante é uma das que mais se submetem a esse tipo de trabalho, justamente por sua vulnerabilidade. Estamos recebendo levas de refugiados, mas o país não tem estrutura, principalmente no que se refere a políticas públicas, para promover a inserção dessas pessoas no mercado de trabalho. O mapeamento dos fluxos migratórios é essencial para nós, porque nos ajuda a entender como eles acontecem e quais são as tendências para as próximas décadas. Uma das funções do Ministério Público, além da repressiva, que a maioria das pessoas conhecesse, é a preventiva. Descobrir para onde as pessoas estão migrando nos permite antecipar eventuais submissões ao trabalho escravo. Prevenir o ilícito é, para nós, muito importante.

JU – Que conhecimento o MPT já extraiu dos dois atlas?

Catarina Von Zuben  – Entendemos que o Brasil não é o país de destino desses trabalhadores [estrangeiros que se submetem ao trabalho escravo]. Não é o "país-sonho", pois não tem estrutura para recebê-los. É um "país-ponte". Os migrantes que vêm para cá ficam aqui por um tempo; depois, ou voltam para seu país de origem, ou vão para outros países. Também descobrimos que há muita migração Sul-Sul, partindo do continente africano e da própria América Latina. E entendemos que não há um fluxo específico. Há migrantes de várias etnias, de várias religiões, que vêm para cá, para depois retornar ou para seguir daqui com destino aos Estados Unidos ou a Europa, porque existe algum problema em seu país de origem. O Sudeste ainda é uma região de sonho, principalmente São Paulo, e temos migrantes do mundo inteiro, principalmente do Sul do planeta.

Os migrantes que acabam se submetendo ao trabalho escravo no Brasil vão, principalmente, para que tipo de atividade?

Catarina Von Zuben – Depende. Tivemos os fluxos de haitianos, dos quais muitos foram encontrados na construção civil. Tivemos também o caso dos bolivianos na costura, na confecção, que praticamente toda a população brasileira conhece. Agora, temos a questão da Venezuela. A mão de obra que está vindo da Venezuela é desqualificada. Os venezuelanos com melhor qualificação foram para os Estados Unidos, para outros lugares de melhor acolhimento, que oferecem melhores condições de vida. Esses que mencionei são os principais nichos de submissão de imigrantes ao trabalho escravo. Mas isso depende muito de quais são os em que não há brasileiros trabalhando. Porque o brasileiro, por pior que sejam as suas condições de trabalho, tem uma noção, mesmo que incipiente, da sua cidadania, da legislação brasileira. Os imigrantes não têm essa noção. Eles não entendem a nossa legislação e muitos sequer falam português. São pessoas extremamente vulneráveis. São os clientes perfeitos para o trabalho escravo, infelizmente.

JU – O que o MPT espera com a doação dos atlas ao Museu da Imigração e ao Centro Paula Souza?

Catarina Von Zuben – Esperamos que a população, especialmente na comunidade acadêmica e nas escolas de base, conheça os fluxos migratórios e veja o migrante como um igual. Esperamos que as pessoas entendam que todos nós somos descendentes de imigrantes, que migrar é natural do ser humano e que o brasileiro é fruto da migração. Queremos que não haja desconfiança com relação ao migrante, mas sim acolhimento; que entendam que precisamos conviver com o outro de maneira pacífica. Basicamente, queremos, com os atlas, que a população tenha conhecimento a respeito da questão migratória e que não trate o migrante como alguém que vem roubar o seu emprego.

Imagem de capa JU-online
Audiodescrição: Em sala de reunião, imagem de busto, grupo de dez pessoas sentadas ao redor de uma extensa mesa retangular de madeira, sendo um homem à cabeceira, em imagem frontal, quatro pessoas à esquerda e cinco à direita em imagem em perfil. Sobre a mesa há duas pilhas de livros iguais, com três e dois exemplares, próximos à cabeceira, e um livro mais ao centro da mesa, e também dez taças de vidro com água, à frente de cada pessoa. Ao fundo, há uma grande tv de lcd afixada na parede. Imagem 1 de 1.

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