Experimentos revelam que treino moderado diminui o acúmulo de gordura no fígado e torna o órgão mais sensível à insulina mesmo antes que ocorra perda de peso corporal
Uma pesquisa feita na Unicamp mostrou que a prática de exercício físico de força, como a musculação, é capaz de reduzir a gordura acumulada no fígado e melhorar o controle da glicemia em indivíduos obesos e diabéticos em um curto período, mesmo antes que ocorra perda de peso significativa.
Por meio de experimentos com camundongos, pesquisadores do Laboratório de Biologia Molecular do Exercício (LaBMEx) da Unicamp observaram que 15 dias de treino moderado foram suficientes para modificar a expressão gênica no tecido hepático, favorecendo a “queima” dos lipídeos armazenados e contribuindo para o tratamento da doença hepática gordurosa não alcoólica. Como consequência, houve melhora na sinalização celular feita pela insulina no tecido e redução na síntese hepática de glicose. Resultados do estudo, apoiado pela FAPESP, foram publicados no Journal of Endocrinology.
“Que a prática de atividade física ajuda a controlar doenças, todo mundo sabe. O que estamos investigando é por meio de quais mecanismos isso ocorre. Se conseguirmos descobrir uma proteína-chave cujos níveis aumentam ou diminuem com o treino, avançamos um passo na criação de fármacos capazes de mimetizar alguns benefícios do exercício físico”, disse Leandro Pereira de Moura, professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp e coordenador da pesquisa.
Como explicou Moura, o excesso de gordura no fígado causa uma inflamação local que torna as células hepáticas menos sensíveis à ação da insulina. Esse quadro pode progredir para cirrose e até causar a falência do órgão.
“Em indivíduos obesos que sofrem de risco cardiometabólico, reduzir a gordura hepática é fundamental para auxiliar o controle do diabetes. Quando a sinalização feita pela insulina fica comprometida no tecido, o fígado – que deveria produzir glicose apenas em situação de jejum – passa a liberar essa substância na corrente sanguínea mesmo após o consumo de carboidratos, quando os níveis de insulina estão altos. E isso aumenta os níveis de glicose no sangue”, disse Moura à Agência FAPESP.
Musculação para camundongos
Para investigar o efeito do exercício físico de força no fígado, experimentos foram feitos com três grupos de camundongos. O controle recebeu ração padrão (com 4% de gordura) e permaneceu magro e sedentário. O segundo grupo foi alimentado com dieta hiperlipídica (35% de gordura) durante 14 semanas – tempo suficiente para os animais ficarem obesos e diabéticos – e também permaneceu sedentário durante o experimento. Já os animais do terceiro grupo receberam a dieta hiperlipídica e, quando já estavam obesos e diabéticos, foram submetidos a um protocolo de exercício de força moderado ao longo de 15 dias.
O treino consistia em subir uma escada com uma carga presa na cauda. Diariamente, os animais foram induzidos a fazer 20 séries, com intervalo de 90 segundos entre elas. Segundo Moura, o intuito foi mimetizar um treino de musculação para humanos.
“Antes de começar o experimento, fizemos testes para determinar a carga máxima que cada animal conseguia suportar. Depois fizemos cálculos para aplicar nas sessões de exercício apenas 70% dessa carga máxima. Isso porque nosso grupo já mostrou que excessos no treinamento podem contribuir de maneira significativa para a instalação da doença hepática gordurosa não alcoólica. Quando não controlado, o exercício exaustivo pode ser mais prejudicial do que benéfico”, disse Moura.
A opção pelo protocolo de curto prazo – somente 15 dias de treino – foi para comprovar que os benefícios observados estavam diretamente ligados ao exercício físico de força, ou seja, não eram efeitos secundários à perda de peso corporal.
De fato, os pesquisadores observaram que os camundongos do grupo treinado ainda estavam obesos no final do protocolo, porém, apresentavam valores normais de glicemia em jejum. Já os obesos sedentários permaneceram diabéticos até o término do experimento.
Ao analisar o tecido hepático, foi possível notar uma redução de 25% a 30% da gordura local no grupo treinado em comparação aos obesos sedentários – fenômeno acompanhado de queda na quantidade de proteínas pró-inflamatórias. Porém, o índice de gordura hepática dos animais treinados ainda era cerca de 150% maior que o do grupo controle.
Gliconeogênese
Na condição de jejum, o fígado é o principal órgão responsável por manter os níveis de glicemia adequados. Mas os indivíduos com diabetes, em decorrência da resistência à insulina, perdem a capacidade de controlar a produção de glicose endógena (gliconeogênese) e tornam-se hiperglicêmicos.
Para avaliar o efeito do exercício de força em controlar a gliconeogênese hepática, os cientistas fizeram um teste de tolerância ao piruvato – o principal substrato usado pelo órgão para produzir glicose.
“O teste basicamente consiste em administrar o piruvato aos animais e avaliar o quanto de glicose é produzida pelo fígado. Observamos que os camundongos treinados produziam menos glicose que os obesos sedentários mesmo recebendo a mesma quantidade do substrato. Isso mostrou que o fígado do animal treinado passou por alterações metabólicas que o tornaram mais sensível à insulina”, disse Moura.
A etapa seguinte foi investigar de que modo o exercício promoveu a diminuição da gordura hepática. Para isso, os pesquisadores analisaram no tecido a expressão de genes envolvidos com a lipogênese (síntese de ácidos graxos e triglicérides, processo que favorece o acúmulo de gordura) e com a lipólise (processo de degradação dos lipídeos, tornando-os disponíveis para serem usados como fonte de energia pelo organismo).
“Comparando os animais obesos sedentários e exercitados, por meio de análises gênicas e proteicas, avaliamos a síntese e a oxidação da gordura hepática. Observamos que os animais sedentários tinham maior facilidade para acumular gordura no fígado, enquanto os submetidos ao exercício físico acumulavam menos gordura no órgão”, disse Moura.
Segundo o pesquisador, uma importante contribuição da pesquisa foi mostrar que o exercício resistido promoveu alterações benéficas em um tecido que não sofre ação direta das contrações musculoesqueléticas.
“Nosso próximo passo será investigar como ocorre essa comunicação entre músculos e fígado. Temos a hipótese de que uma proteína conhecida como clusterina esteja envolvida”, disse.
Caso se comprove que o aumento nos níveis de clusterina induzido pelo exercício físico seja benéfico, o pesquisador não descarta a hipótese de testar tratamentos com alternativas sintéticas.
O artigo Short-term strength training reduces gluconeogenesis and NAFLD in obese mice, de Rodrigo Martins Pereira, Kellen Cristina da Cruz Rodrigues, Chadi Pellegrini Anaruma, Marcella Ramos Sant’Ana, Thaís Dantis Pereira de Campos, Rodrigo Stellzer Gaspar, Raphael dos Santos Canciglieri, Diego Gomes de Melo, Rania A Mekary, Adelino Sanchez Ramos da Silva, Dennys Esper Cintra, Eduardo Rochete Ropelle, José Rodrigo Pauli e Leandro Pereira de Moura, pode ser lido em: https://joe.bioscientifica.com/view/journals/joe/241/1/JOE-18-0567.xml.