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Baixar versão em PDF Campinas, 09 de novembro de 2015 a 15 de novembro de 2015 – ANO 2015 – Nº 643Estudo analisa rede que sustenta protecionismo agrícola nos EUA
Pesquisa foi contemplada com Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações InternacionaisO professor Thiago Lima da Silva é autor da pesquisa vencedora do Prêmio Capes de Tese 2015 na área de Ciências Políticas e Relações Internacionais, que ele receberá em cerimônia marcada para dezembro. Trata-se de uma análise do protecionismo agrícola nos EUA feita a partir de uma perspectiva que vai além das relações entre grupos de interesse e legisladores, assim como os ambientes institucionais nos quais a legislação agrícola é elaborada. “Embora essas relações sejam da maior importância, a política agrícola [não só a estadunidense] deve ser examinada num contexto maior e mais complexo, posto que a atividade agrícola em si, no interior das fazendas, é apenas uma pequena parte da produção de alimentos e fibras”, sustenta o pesquisador.
A tese de doutorado é intitulada “A resiliência da política de subsídios agrícolas nos Estados Unidos” e foi orientada pelo professor Sebastião Carlos Velasco e Cruz, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). “A escolha do tema decorreu de uma conversa com meu orientador, algum tempo após a banca do meu mestrado, da qual ele participou. Na dissertação eu examinei a questão do protecionismo via subsídio agrícola pelas relações entre grupos de interesse de produtores agrícolas e os políticos. Mas o professor Sebastião Cruz me disse: ‘Quando vamos ao mercado, vemos muita comida industrializada. É provável que os setores industriais e as cadeias produtivas tenham algo a ver com isso’. E aí decidimos que eu faria um projeto de doutorado sobre isso”, explica o autor da tese.
Thiago Lima da Silva é professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI). Atua também como pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Sobre o Prêmio Capes, afirma: “Só não fiquei mais feliz do que surpreso! Não tinha a mínima expectativa de vencer. Já considerava a indicação do Programa de Ciência Política como o prêmio máximo. Enfim, fiquei muito contente e muito grato a todas as pessoas e instituições que me apoiaram desde a graduação.”
Abaixo, uma entrevista com o autor da tese, concedida por e-mail.
Jornal da Unicamp – Quais são os principais mecanismos de proteção agrícola nos EUA? Quanto eles custam ao governo americano?
Thiago Lima da Silva – Tradicionalmente os EUA recorrem a cotas, medidas de defesa comercial com critérios algumas vezes questionáveis, como o antidumping, além de diversos tipos de subsídios de apoio à produção e comercialização. Não posso dar uma resposta mais precisa no momento, pois o marco temporal da minha tese avança até 2008 e em 2014 os EUA aprovaram uma nova lei agrícola, que não analisei. Essa lei traz mudanças relevantes na política de subsídios. Uma breve descrição das mudanças pode ser lida no relatório da OMC denominado “Trade Policy Review – United States”, disponível em https://www.wto.org/english/tratop_e/tpr_e/s307_e.pdf.
No caso específico dos subsídios, calcular o custo para o governo é extremamente difícil, pois há subsídios de diversos tipos e agregar isso é bastante complexo, até mesmo para o próprio governo dos EUA. Além disso, muitos subsídios são (ou eram) contra-cíclicos em relação aos preços de mercado, isto é, variam ano a ano, em função do mercado de commodities. A questão pode se complicar ainda mais se o termo ‘proteção’ for reservado aos mecanismos considerados ilegais perante a Organização Mundial do Comércio, ou se for atribuído a barreiras consideradas injustas. Por exemplo, muitos países consideram justo proteger uma parcela da agricultura familiar da competição das grandes corporações do agronegócio.
Dito isso, a OCDE realiza algumas estimativas do custo da proteção. Uma delas é o Producer Support Estime, que somou os gastos do governo estadunidense em apoio aos seus produtores agrícolas em USD 28.821 bi em 2013 e USD 41.461 em 2014. Para efeito de comparação, o Brasil somou USD 13.366 e 20.522 para os mesmos períodos. Esses dados podem ser acessados em https://www.oecd.org/tad/agricultural-policies/producerandconsumersupportestimatesdatabase.htm.
JU – De que forma o Brasil, particularmente, é afetado? Quais as principais commodities envolvidas?
Thiago Lima da Silva – Os produtores de commodities do Brasil, assim como os de outros países, são afetados porque competem com fazendeiros que não precisam garantir sua solvência pelas suas vendas no mercado. Em outras palavras, competem com produtores que podem continuar aumentando a sofisticação e a inovação da sua produção, por meio da aquisição de pacotes tecnológicos cada vez mais avançados e caros, e que contam com a segurança do Tesouro dos Estados Unidos. Se os seus custos de produção forem mais altos do que a renda decorrente das vendas no mercado, o Estado pagará a diferença.
JU – Qual o peso da agricultura, por si, na economia americana? Quais são as principais culturas e quanto de terras ocupam?
Thiago Lima da Silva – O peso de setor agrícola, considerado de forma isolada, isto é, medido exclusivamente por aquilo que sai das fazendas, não chega a 1% do PIB dos EUA. O problema é que esse dado estatístico não é muito preciso, pois a atividade dentro das fazendas é altamente interdependente dos setores industrial e de serviços. O melhor seria saber o peso do complexo agroindustrial. Contudo, realizar uma medição que leve em conta esse agregado também é bastante complexo e dificilmente se encontra dados consensuais a esse respeito.
Quanto à produção, os EUA são, no geral, o maior produtor agropecuário do mundo. Suas principais culturas são arroz, milho, trigo, soja, sorgo, algodão, cevada e sementes oleaginosas.
Quanto às propriedades, é interessante notar que tem havido concentração de terra nos EUA, década após década. Uma explicação relevante para isso é o crescente custo da produção, aliada a necessidade constante de aumento de escala para viabilizá-la.
JU – Que agentes formam o complexo agroindustrial?
Thiago Lima da Silva – Os complexos agroindustriais são formados pelos diversos setores que se relacionam com a produção dentro das fazendas. Daí, inclusive, a dificuldade de mensuração estatística. São setores industriais, de serviços e o próprio Estado, além do agrícola. São, em geral, os setores de 1) máquinas e equipamentos; 2) produtos químicos; 3) biotecnologia; 4) indústria alimentícia; 5) comerciantes de commodities; 6) empresas de logística; 7) supermercados; 8) setor imobiliário; 9) bancos; 10) seguradoras; 11) centros de pesquisa; 12) legisladores; e 13) burocratas etc. Enfim, quando a produção agrícola ocorre em larga escala e com uso intensivo de alta tecnologia, muitos outros setores da sociedade participam do processo.
JU – Pode discorrer um pouco sobre esta lógica entre subsídios, funcionamento das fazendas e outros segmentos? Explica-se porque as fazendas são deficitárias?
Thiago Lima da Silva – Existem diversos tipos de subsídios nos EUA, assim como em outros países. No caso dos EUA, três tipos de subsídios eram muito importantes: o Direct Payments, o Marketing Loan Assistance e o Counter-Cyclical Program. Esses subsídios garantiam aos fazendeiros uma soma de dinheiro que permitia, basicamente, duas coisas: 1) vender produtos abaixo do preço de mercado, pois os subsídios cobriam a diferença entre a renda das vendas e o custo da produção; 2) sabendo disso, as fazendas mantêm sua capacidade de contrair empréstimos e investir em novas tecnologias, mesmo quando as vendas no mercado não geravam lucro.
Deste modo, as fazendas permanecem artificialmente solventes – ou seja, com a intervenção do Estado –, e assim, apesar do mercado, os fornecedores de insumos agrícolas continuam a vender seus produtos; a indústria alimentícia e de fibras continua a ter matéria-prima sofisticada, e sem depender do comércio internacional; os proprietários de terra não sofrem desvalorizações, pois as terras não ficam ociosas; os bancos continuam realizando novos empréstimos a cada temporada; e o Estado (em seus diversos níveis), continua recolhendo impostos das fazendas e das indústrias e serviços a elas atrelados.
As fazendas são deficitárias porque os preços de mercado geram renda mais baixa do que os custos da produção. O mercado de commodities é internacional, então o preço dos produtos também é determinado pela oferta/demanda de outros países. Mas o fato mais importante é que, sabedores de que poderão contar com subsídios do governo, os fazendeiros americanos investem além daquilo que o mercado os remuneraria. Esse é o ponto. Sem os subsídios, provavelmente as fazendas adotariam métodos de produção mais econômicos, mas aí as grandes corporações perderiam um cliente premium, que tem como fiador o Tesouro dos Estados Unidos.
JU – É compreensível a contestação estrangeira a este protecionismo, mas por que a contestação interna?
Thiago Lima da Silva – A contestação interna é bastante variada. Vou dar três exemplos: ambientalistas, defensores da pequena propriedade, contribuintes. Para os ambientalistas, os subsídios inserem as fazendas na lógica dos constantes investimentos em insumos altamente sofisticados que aumentam a produtividade. Esses insumos também podem ser chamados de pacotes tecnológicos, pois determinados fertilizantes, herbicidas, pesticidas etc. só funcionam corretamente em determinadas sementes, que vão gerar uma plantação uniforme em sabor, textura e também em tamanho. Certos tratores e colheitadeiras só funcionam em plantas de tamanho específico. E assim por diante. Essa produção altamente tecnológica, segundo os ambientalistas, gera contaminação do solo, redução das variedades nativas e uso intensivo de combustível fóssil, entre outras coisas.
Os subsídios são criticados pelos defensores da pequena propriedade porque eles acabam estimulando a concentração de terras. As novas tecnologias, sempre mais caras do que a geração anterior, demandam o aumento da área plantada para gerar ganhos de escala capazes de resultar numa remuneração maior. A tecnologia busca diminuir os custos unitários, mas exige maiores ingressos para cobrir seus custos e, como o aumento da oferta diminui o preço, é preciso vender mais quantidade.
No caso dos contribuintes a questão é mais simples: defendem que os impostos não sejam gastos para sustentar fazendas ineficientes, deficitárias. Querem que as fazendas se adaptem aos mercados, permitindo a redução dos gastos governamentais e da cobrança de impostos.
JU – Qual a análise dominante da concessão de subsídios?
Thiago Lima da Silva – A análise dominante é de cunho institucionalista e pluralista. Ela parte das relações entre os poderes Executivo e Legislativo e os grupos de interesse formados por produtores agrícolas. Os grupos de interesse prometem angariar votos e doações para campanha dos políticos e estes, quando eleitos, buscam defender os interesses daqueles. Os políticos que comandam os Comitês de Agricultura da Câmara dos Representantes e do Senado são fundamentais, pois eles controlam toda legislação que se relaciona à política agrícola. Por meio de controles regimentais, eles acabam impedindo outros políticos de eliminarem os subsídios da legislação, assim como negociam acordos com outros grupos que têm interesse na política agrícola, como aqueles relacionados a programas sociais de alimentação, infraestrutura rural, conservação do meio ambiente, entre outros. Assim, devido aos seus vínculos eleitorais, defendem os subsídios de ataques e costuram acordos que os sustentam.
JU – Pode explicar melhor o interesse do Estado americano neste modelo?
Thiago Lima da Silva – Na explicação dominante, o Estado não é um agente. Ele é apenas uma arena onde a disputa política ocorre. Na visão de economia política crítica adotada na tese, o Estado também é um ator, representado por diversos agentes que estão interessados na sua estabilidade e crescimento. Para isso, é importante que a economia não sofra crises ou recessões e que a arrecadação de impostos não diminua. É interesse do Estado, então, que a economia continue girando, após cada colheita, sempre com novos ciclos de investimentos dos diversos setores que compõem os complexos agroindustriais. Para isso, é importante que as fazendas não cheguem à falência. Se falirem, não pagarão os fornecedores, não comprarão novos insumos, não fornecerão matéria-prima para a indústria alimentícia e, pior, não pagarão os bancos. Se o efeito for generalizado, pode haver quebra de bancos, como ocorreu nos anos 1980, quando os subsídios foram ocasionalmente diminuídos. E a quebra generalizada de bancos é um dos piores pesadelos para um Estado capitalista. Portanto, no capitalismo, é interesse do Estado que os atores privados continuem investindo, nem que para isso o governo tenha que sustentar a demanda.
JU – Se 40% das fazendas recebem subsídios, quais segmentos não necessitam deles e por quê?
Thiago Lima da Silva – As commodities que recebem subsídios são aquelas produzidas em altíssimas quantidades e cujas vendas não conseguem cobrir os custos de produção historicamente. Dois motivos são: 1) os custos crescentes da produção, puxados para cima pela necessidade constante de adotar insumos mais sofisticados e caros; e 2) a crescente oferta de commodities agrícolas, resultante da própria adoção de insumos mais sofisticados nos EUA e em outros países, como o Brasil. Portanto, não recebem maiores subsídios aqueles segmentos agrícolas que, em geral, são solventes ou que não estão envolvidos em grandes complexos agroindustriais, como no caso da agroecologia. Mas é preciso ressaltar que a definição de subsídio é amplíssima e, por isso, pode receber algum tipo de subvenção governamental.
JU – Finalmente, que importância atribui à sua tese para os envolvidos no setor agrícola brasileiro?
Thiago Lima da Silva – Creio que a tese traz uma visão mais realista e um pouco mais completa das relações entre a agricultura e a política protecionista dos Estados Unidos. É mais uma mensagem para os políticos e burocratas brasileiros – especialmente aqueles relacionados às negociações internacionais – do que para o setor que produz no campo. Por exemplo, quando o Brasil venceu o contencioso do algodão contra os EUA na OMC, o que a maior parte da academia buscou entender (eu inclusive) era como os produtores de algodão reagiriam para manter sua proteção via subsídios. Deixou-se de lado, nas análises políticas, todo um conjunto de atores que gravitam em torno das fazendas. O setor agrícola brasileiro sabe que ele é altamente interdependente de diversos setores industriais, de serviços, de pesquisa científica etc., e o modelo brasileiro é em grande parte adaptado do estadunidense. Quando a modernização agrícola foi iniciada no Brasil, nos anos 1950, sentavam à mesa para discutir os planos de investimento os latifundiários, os burocratas e os representantes das indústrias de insumos agrícolas. Ou seja, para quem vive o mundo agrícola, o complexo agroindustrial é uma realidade do dia-a-dia, no Brasil e nos EUA. É essa realidade que precisava de uma interlocução maior com a ciência política, na minha opinião.
Publicação
Tese: “A resiliência da política de subsídios agrícolas nos Estados Unidos”
Autor: Thiago Lima da Silva
Orientador: Sebastião Carlos Velasco e Cruz
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)