A emergência climática é um problema extraordinário em diversos sentidos. Em primeiro lugar, devido a sua amplitude, sua gravidade e seus efeitos definitivos, potencialmente deletérios da presença humana na Terra caso não sejam realizadas ações que detenham o ritmo das transformações físicas do planeta. Em segundo lugar, devido a sua originalidade. A humanidade nunca enfrentou um desafio dessa natureza e em tal escala. Estamos acostumados a lidar com problemas políticos, econômicos, pessoais, mas não com catástrofes físicas de ordem planetária. Na vida em sociedade, legamos essa percepção do mundo para alguns especialistas, ficando desabilitados para compreender questões cruciais para nossa existência como seres naturais e para reagir a elas. Por fim, trata-se de um problema extraordinário também porque, a despeito de sua magnitude, ele tem solução. Hoje, as ciências da natureza e da sociedade nos orientam com grande precisão e segurança sobre como superá-lo. A eficácia das respostas à emergência, no entanto, depende da rapidez de sua implementação. Quanto mais demoramos para tomar decisões, mais nos distanciamos dos melhores resultados, que não criariam novos problemas de difícil – ou impossível – solução, passando a depender de saídas menos ponderadas, garantidas e seguras.
O cenário atual de discussões lentas, decisões morosas, de espera por uma solução bem ajustada à lógica social e econômica capitalista (a mesma que engendra a catástrofe!) ou por uma saída tecnológica emergida de alguma mente genial única que ninguém sabe onde está ou se existe exibem os limites das capacidades cognitivas, culturais e políticas de parte significativa da comunidade mundial para lidar com os riscos em questão. Paralelamente, os fatos da emergência climática têm entrado em nosso cotidiano através tanto da experiência direta quanto por meio da imprensa. Juntas, essas duas dimensões têm permitido, por um lado, que as pessoas sejam levadas a estabelecer correlações importantes entre mudanças climáticas, dados científicos, interferência humana sobre o meio ambiente e escassez e carestia de água e alimentos. Esse processo de comunicação, vital para o avanço das decisões, no entanto, é lento, intermitente e, desse modo, hesitante e incipiente. As dificuldades da comunicação de dados tão originais, drásticos e exigentes também envolvem o risco da rejeição e da apatia, naturais devido à enormidade do problema.
Diante de sua importância e da especificidade e urgência de seus objetivos, a comunicação da emergência climática se estabeleceu como um problema em diferentes áreas de pesquisa, passando a fazer parte de uma das vertentes da ciência das mudanças ambientais. Mesmo no Brasil, que ainda não conta com uma tradição de grupos dedicados ao tema, o estudo da comunicação da emergência climática parece apto à função estratégica dentro das ciências das mudanças ambientais. É o que mostrou o evento sobre a temática realizado pela Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (CAMEJA) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH) da Unicamp em junho deste ano, que reuniu quase 1900 pessoas, com um alcance e capilaridade de pessoas de todos os estados brasileiros e mais de 12 países das Américas (Sul, Central e Norte), África e Europa. O encontro pretendeu apoiar o aprimoramento de quatro dimensões fundamentais da comunicação da emergência climática: os inventários dos desafios e bons resultados da comunicação realizada por ativistas e cientistas; as demandas da comunicação de massa realizada pela imprensa, a educação formal e a informação por meio eletrônico e, por fim, os limites cognitivos a serem enfrentados notadamente face à ansiedade e ao estresse psicológico causado pelo problema, tendo em vista padrões sociais evidenciados em situações de crise e risco.
O diagnóstico da situação do planeta deixa claro que às pautas da política tradicional (educação, saúde, trabalho) devem se somar as políticas do clima. Para isso, a constituição de uma comunidade local e planetária consciente, bem-informada e atuante é crucial, e os profissionais da comunicação têm um papel estratégico a desempenhar nessa tarefa de interesse comum. O webinário realizado na Unicamp reuniu um grande espectro de profissionais (biólogos, físicos, historiadores, antropólogos, psicólogos, engenheiros etc.) e ativistas de diferentes partes do mundo com três objetivos: chamar a atenção para essa nova área de pesquisa e suas diferentes dimensões, oferecer ferramentas àqueles que se dedicam de alguma forma à comunicação de dados climáticos e apoiar os profissionais do jornalismo – especializado ou não.
É evidente que a comunicação da emergência climática ainda não atingiu um grau de maturidade quanto a seus propósitos e natureza. Faz-se importante, por exemplo, que seu caráter de serviço público se consolide entre os profissionais da comunicação, a fim de que a escolha de dados (colhidos junto a fontes científicas balizadas por boas práticas, como a revisão por pares), o tom da notícia (contornando a aversão ao tema) e os seus desdobramentos se integrem ao circuito de soluções. Desse modo, a própria comunicação precisa incorporar o caráter emergencial da notícia. Um exemplo é a superação do princípio da “segunda opinião”, tendo em vista que a emergência climática não se define no campo da opinião, da moral ou do desejo, mas naquele da investigação científica, cujos dados são públicos. Trata-se, portanto, de uma comunicação comprometida com a valorização do direito à vida em base democrática. Isso porque, como disse Alberto Acosta – economista e ex-ministro de Economia e Minas e Presidente da Assembleia Constituinte do Equador – em sua conferência, o colapso provocado pelo capitalismo só será enfrentado se abrirmos mão dos horizontes que absorvem nossas existências em favor de um pensamento capaz de identificar, valorizar e escolher outras formas de sociedade e de economia, baseadas na cooperação e na solidariedade, e não na acumulação. Sociedades assim existem no presente e existiram no passado. O desprestígio que a memória histórica de matriz europeia lançou e lança sobre essas formas sociais desde o século XVI tem cedido. É preciso atenção aos processos culturais que acompanham e apoiam essa perspectiva inclusiva de experiências e possibilidades. Não sabemos ainda que tipo de sociedade resultará se o enfrentamento sério da questão climática vier a acontecer. Sabemos apenas que a mudança é necessária à nossa sobrevivência.
Como tão bem argumentou no webinário a ativista canadense Tzeporah Berman, as pessoas precisam saber com clareza o que estão apoiando e o grau de eficácia local e global de seu engajamento. Uma vez que óleo, gás e carvão são responsáveis por 86% das emissões de CO2, não existe engajamento eficiente sem que a reivindicação do fim da proliferação dos combustíveis fosseis seja considerada. Eles precisam ser encarados como o que são hoje: uma ameaça à segurança planetária. As pesquisas apontam que as pessoas se sentem mais motivadas quando enfrentam dados e realidades que lhes são próximas, inclusive, porque essa vizinhança permite a ação, que se sabe fortemente motivadora. No entanto, cabe à comunicação da emergência climática estabelecer conexões multifatoriais na escala física dos fenômenos climáticos e biológicos e enfrentar os entraves à percepção de risco, a fim de que as políticas e as ações sejam eficazes e seguras.
No plano da comunicação direta e eficaz, profissionais do jornalismo e da psicologia da ansiedade e do estresse climáticos concordam que regras bem conhecidas continuam valendo. É preciso conhecer o público com o qual se fala, em quem ele confia e quais são seus valores. Esse esforço de adequação da narrativa ajudaria o público a encontrar o seu caminho de engajamento. Nesse mesmo caminho, no processo de motivação e de engajamento com a nova realidade, falar das soluções é crucial.
Como ressaltou Sabine Marx, historiadora e diretora de pesquisas do National Center for Disaster Preparedness (NCDP) do The Earth Institute da Universidade de Columbia, é preciso preparar o público para pensar sob lentes diferentes a saúde e a segurança nacional, promovendo a mentalização de um portfólio de ações e de oportunidades, incrementando processos comunitários.
O professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) Enrique Leff destacou a importância da formação de profissionais da comunicação aptos a transmitir bem ideias críticas e capazes de avaliar criticamente os processos de decisão e ação. Segundo o sociólogo, não basta divulgar que há emergência, é preciso saber como conferir sentido à a resposta a ela, uma vez que não se trata de popularizar a ciência climática, mas de comunicar uma crise civilizatória. A este respeito, Ilza Maria Tourinho Girardi, professora de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), lembrou que a prevenção ainda não faz parte do jornalismo, o que torna urgente o desenvolvimento de uma comunicação de risco.
Como bem frisou José Queiroz Pinheiro, psicólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aos limites impostos pela aparente distância física das questões ambientais se somam limites temporais ligados à nossa dificuldade de lidar com questões futuras. Segundo ele, falta uma perspectiva de futuro que favoreça o engajamento para que cheguemos à compreensão do óbvio, citando o escritor e ambientalista Wendell Berry: não herdamos a terra de nossos antepassados, estamos tomando-a emprestada de nossos descendentes.
Além de divulgar uma área de pesquisa inovadora e em ascensão, o webinário resultou em um grupo de orientações importantes para todos aqueles que, individual ou coletivamente, profissionalmente ou em nome da cidadania e do direito à vida gostariam de se envolver na luta pela divulgação do necessário enfrentamento ao maior desafio de nosso tempo. A íntegra das 24 conferências pode ser acessada aqui: https://www.youtube.com/playlist?list=PLPyYxZZei69hGc46EpBgobfIKa06quAx8
*Néri de Barros Almeida é professora do IFCH Unicamp e membro da Cameja/DEDH.
**Sônia Regina da Cal Seixas é pesquisadora e professora do Nepam Unicamp e presidente da Cameja/DEDH.