Por Wagner Costa Ribeiro*
Desde janeiro de 2019 observa-se uma série de ações desenvolvidas pelo Governo Federal que ameaçam o legado socioambiental do Brasil. Consagrado na Constituição Federal de 1988, o direito ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, está ameaçado. Ao mesmo tempo, verifica-se o descumprimento de um dever do Poder Público que consiste em preservar o ambiente para as gerações atuais e futuras, como muito bem ficou estabelecido no artigo 225.
Muitas evidências poderiam ser elencadas para indicar o desmonte do aparato institucional construído para proteger o meio ambiente no Brasil. Entre outras, destacam-se: a redução drástica do orçamento do IBAMA e do ICMBio; a mudança da posição institucional da ANA, que saiu do Ministério do Meio Ambiente para ser alocada no Ministério do Desenvolvimento Regional; o deslocamento de técnicos com importante atuação no combate ao desmatamento ilegal; os elevados indicadores do avanço do desmatamento e as falhas de controle de incêndios na Amazônia e no Pantanal; a ineficácia em conter manchas de óleo no litoral brasileiro, cuja origem ainda não foi explicada, nem suas consequências para a população caiçara. A frase “passar a boiada”, dita em reunião ministerial, sintetiza estas ações.
A perda da biodiversidade acarreta problemas para a população que vive no entorno das áreas protegidas, ou mesmo em seu interior. O desmatamento avançou também em terras indígenas, o que afeta diretamente o gênero de vida de povos que nelas vivem. Além disso, o volume de gases de efeito-estufa lançado na atmosfera a partir da queima de vegetação torna o Brasil um dos maiores emissores do mundo, bem diferente do país que reduziu o desmatamento por meio de acordos com setores produtivos e comerciais há pouco mais de 10 anos, com enorme repercussão positiva junto à comunidade internacional.
Este quadro impacta o presente e o futuro do país.
No Brasil encontram-se comunidades originárias e tradicionais, que possuem conhecimento sobre como usar recursos naturais sem devastação ambiental. Também estão presentes no território brasileiro os maiores estoques de informação genética do mundo preservados em formações vegetais tropicais. No processo de transição tecnológica em curso, que busca produzir energia, materiais, remédios e alimentos de fontes renováveis, esta rara combinação poderia posicionar o país entre as novas potências mundiais. Pesquisadores de diversos campos do conhecimento apontam que a informação obtida a partir do conhecimento de um membro de uma comunidade local podem encurtar a pesquisa de princípios ativos em décadas. O conhecimento associado das comunidades tradicionais foi reconhecido na Convenção sobre a Diversidade Biológica.
Importantes pesquisas mostram também que determinadas práticas agroflorestais já são viáveis em termos econômicos. Elas estão em desenvolvimento em diversos biomas brasileiros, como na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica e no Cerrado. No Pantanal, existem iniciativas que procuram conciliar a atividade turística com a conservação ambiental que mostram que este tipo de intervenção, se controlada, pode manter as condições socioambientais de uma das áreas mais frágeis do planeta. E na Caatinga, a introdução de cisternas para coleta de água de chuvas permitiu o florescimento de práticas agrícolas voltadas para a produção de alimentos orgânicos, como no Cariri cearense.
Infelizmente estes projetos estão em risco. O desmonte ambiental pode inviabilizar estas iniciativas, além de enfraquecer a posição do Brasil no cenário internacional. O país com a maior combinação de sociodiversidade com biodiversidade, que poderia fornecer conhecimento associado à informação genética para solucionar problemas mundiais de modo sustentável, perde seu patrimônio ambiental que ameaça a própria manutenção de comunidades originárias e tradicionais. Além disso, poderia oferecer experiências bem sucedidas para desenvolver atividade econômica sem afetar os serviços ambientais e ecossistêmicos presentes em países tropicais.
Por isso a pergunta do título deve ser respondida em duas perspectivas. A manter-se o atual cenário devastador, não há o que comemorar. Além dos efeitos à sociedade brasileira, o Brasil perde posições na ordem ambiental internacional, o conjunto de acordos internacionais que busca regular as ações humanas em escala internacional.
Caso a população brasileira esteja alerta aos efeitos catastróficos em curso, que afetam o presente e comprometem o futuro da sociedade do país, a resposta pode ser outra. Mas ela deve ser rápida. É possível reconstruir instituições e orçamento, mas a perda da biodiversidade e seus efeitos junto às comunidades tradicionais não.
Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.
Wagner Costa Ribeiro, Professor Titular do Departamento de Geografia, do Programa de Pós-graduação em Geografia Humana e do Programa de Pós-graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo.