Audiodescrição: Imagem colorida de uma gota de água projetando uma planta no fundo.

A coluna Ambiente e Sociedade é um espaço de discussão crítica e analítica sobre as questões ambientais contemporâneas, dando ênfase às problemáticas concernentes às transformações para sociedades sustentáveis. Dentre outros, são abordados temas como mudanças climáticas, políticas públicas ambientais, biodiversidade, degradação ambiental urbana e rural, energia e ambiente, Antropoceno, movimentos ambientalistas, desenvolvimento e sustentabilidade, agricultura sustentável e formação de quadros na área.

Mudanças Climáticas, Sustentabilidade, Ciência Transformadora: uma pesquisa sobre garimpos de ouro em Florestas Tropicais

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Por Lúcia da Costa Ferreira e Jorge Calvimontes *

No momento do lançamento mundial das contribuições do Grupo de Trabalho sobre as bases físicas das ciências do clima para o Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), é oportuno realçar sua importância para nossa vida no planeta, onde as mudanças climáticas mudaram tudo. Mas vale lembrar que as transformações das bases físicas que a sociedade humana produz nos aponta à inevitabilidade de se pensar a sociedade e os riscos que enfrenta e fabrica.

Caminhando mais além vivemos hoje uma condição antropológica geral da sociedade atual em que “a sensação de perder o mundo agora é coletiva”. Essa frase de Bruno Latour em Down to Earth. Politics in the New Climatic Regime aponta o sentimento difuso de não se ter mais uma casa para voltar. Esse sentimento coletivo produz o que Ulrich Beck chamou em Risk Society, um choque antropológico, que impõe um horizonte político-normativo a toda a sociedade. Diante desta condição a transformação, a autocrítica individual, coletiva e institucional é inevitável: repensar e se reinventar como sociedade, cujas condições estarão sob novos alicerces.

Proponho neste pequeno espaço circunscrever nossa discussão a uma condição antropológica geral da sociedade de hoje. O momento de adequação social e coletiva ao desenvolvimento sustentável já passou, não há mais tempo. O país precisa se preparar para outra geopolítica e para isso precisa pensar uma narrativa e um projeto político e científico com força suficiente para produzir o tal choque antropológico, que nos livre desta angústia silenciosa que habita o cotidiano atual.

É urgente discutir mudanças climáticas, sociedades sustentáveis, equitativas, justas e conflitos pelo uso e posse da Terra e de Recursos Comuns, em um contexto que exige a produção de conhecimento para a emergência de uma ciência e uma sociedade transformadoras.

O projeto Sustainability Transformations in Artisanal and Small-scale Gold Mining: A Multi-Actor and Trans-Regional Perspective” do Belmont Forum and NORFACE
Transformations to Sustainability Programme
se filia a esta demanda mais ampla da sociedade.

O projeto, que no Brasil é apoiado pela FAPESP examina se são possíveis transformações que conduzam a um futuro sustentável para a mineração de ouro em pequena escala; e analisa a forma como essas transformações poderiam acontecer de modo a combater a destruição ambiental, doença e pobreza subjacentes às lavras implantadas.

Pesquisadores de distintas disciplinas, artistas e profissionais do desenvolvimento comunitário de diversas origens e bagagens formam a equipe do projeto e realizam investigação empírica em Suriname, Guiana Francesa, Brasil, Uganda, Gana, Burkina Faso e Guiné. Em cada uma dessas regiões, mineradores, membros de cooperativas e associações, lideranças locais e indígenas, além de gestores discutem com os membros do projeto sobre os futuros possíveis para a atividade e juntos expressam suas posições e desejos.

Os cientistas do projeto buscam a ocasião para apresentar e discutir criticamente as abordagens conceituais e metodológicas emergentes na pesquisa para a sustentabilidade. Colaboradores do programa Belmont Forum – NORFACE Transformations to Sustainability veem refletindo sobre o que se desenha como agência transformadora e como essas experiências e comportamentos individuais e coletivos podem servir para informar uma ação mais ampla e abrangente.

O garimpo de ouro, está historicamente relacionado aos processos de ocupação do território, de construção da relação entre a sociedade nacional e os recursos naturais e de discussão sobre as condições de trabalho dos grupos sociais mais vulneráveis. Hoje, representa uma oportunidade de emprego e renda para grupos na Amazônia Legal. Por outro lado, tem produzido intensos e dramáticos conflitos em lugares onde as lavras alcançam, desde terras indígenas, até em áreas protegidas para a proteção da biodiversidade e de áreas florestadas, tão importantes para enfrentar as mudanças climáticas, a geração verde de renda, a diminuição da pobreza e o bem-estar dos povos. 

Eleanor Fisher e colaboradores de nosso projeto tem mostrado através de nossos resultados que precisamos de abordagens inovadoras e visionárias para enfrentar esses desafios urgentes. O discurso das transformações implica mudanças profundas nos sistemas, estruturas, valores e práticas sociais e econômicas que perpetuam os problemas contemporâneos. Isso sugere a necessidade de inovação na ciência da sustentabilidade, desafiando estruturas de poder e abrindo espaços para valorizar uma maior diversidade de conhecimentos, fundamentando as ações em direção à sustentabilidade em contextos específicos e aumentando seu potencial para influenciar múltiplos atores locais, além de políticas públicas e acordos multilaterais.

Há um amplo consenso acerca da contribuição vital da Ciência para impulsionar as transformações urgentes na produção material sustentável e justa e na distribuição das riquezas na sociedade. No entanto, até agora o sucesso foi tímido e limitado para apoiar os esforços para abordar as barreiras sociopolíticas e culturais à sustentabilidade

Por fim, esta tarefa a meu ver é fruto de coprodução do conhecimento, não apenas por nós especialistas, mas também dos usuários diretos e indiretos da riqueza natural que ainda resta. Basta ficar com os ouvidos atentos e nossa capacidade de vocalização cada vez mais apurada.

 

Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

 


Lucia da Costa Ferreira

Pesquisadora Sênior da UNICAMP. É professora dos Programas de Pós Graduação em Ambiente e Sociedade, Ciências Sociais e Sociologia. Tem experiência em pesquisar e orientar nos temas: conflitos sociais, conservação da biodiversidade, mudanças climáticas, riscos e desastres, especialmente na Amazônia e Mata Atlântica. Coordenadora da “Rede Ibero-americana de Pesquisa em Meio Ambiente e Sociedade: Dimensões humanas do clima e mudanças ambientais em áreas protegidas e vulneráveis”, desde 2011. Foi coordenadora do projeto temático Population growth, vulnerability and adaptation: ecological and social dimensions of climate change on the coast of São Paulo. Atualmente coordena no Brasil o projeto financiado pela FAPESP Sustainability Transformations in Artisanal and Small-scale Gold Mining: A Multi-Actor and Trans-Regional Perspective. Co-Applicant of  Consortium Belmont Forum/NORFACE Transformations to Sustainability T2S -ASGM. Foi coordenadora do Doutorado em Ambiente e Sociedade. Atualmente é Professora Visitante da Universidade de Los Lagos, Osorno, Chile.

Jorge Calvimontes

Biólogo e doutor em Ambiente e Sociedade pela UNICAMP. Atualmente é pesquisador colaborador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) e possui uma bolsa de pós-doutoramento da FAPESP no projeto “Gold Matters: Exploring Transformations to Sustainability in Artisanal and Small-scale Gold Mining”. 

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