Em 1992, quando a Convenção sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) foram assinadas no Rio de Janeiro, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC da sigla em inglês), criado em 1988, assumiu o papel de produzir sínteses do conhecimento científico para as tomadas de decisão sobre as mudanças climáticas. Na CDB este papel foi atribuído ao Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA da sigla em inglês), dentro da própria convenção.
Dez anos depois, na RIO+10 em Joanesburgo, África do Sul, os países chegaram à conclusão de que era imprescindível criar para a Biodiversidade um órgão semelhante ao IPCC. Começava ali um longo caminho que passou por diferentes propostas, até chegar finalmente na estruturação da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES da sigla em inglês) em um processo coordenado pelo PNUMA (atual ONU Meio Ambiente). Este processo foi concluído em 21 de abril de 2012, no Panamá, com a criação da IPBES. Vinculada à ONU, a IPBES segue as duas regras de ouro da organização: cada país, um voto; decisões são tomadas por consenso.
Desde sua criação, a IPBES adotou como objetivo maior o bem-estar humano, ou seja, entender como a conservação, restauração e o uso sustentável da biodiversidade e serviços ecossistêmicos podem contribuir para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Sua missão é fortalecer as bases do conhecimento para melhorar políticas e tomada de decisão através da ciência visando o desenvolvimento sustentável a longo prazo. Para tanto, as equipes de especialistas envolvidos nos diagnósticos da IPBES exigem, por princípio, a participação de profissionais das ciências naturais, das ciências sociais e economia. Outra característica que distingue a atuação da IPBES em relação ao IPCC é o fato desta valorizar e incorporar o conhecimento tradicional e indígena em seus diagnósticos, razão pela qual as equipes precisavam também incorporar estudiosos e detentores destes conhecimentos ancestrais das relações do ser humano com a natureza.
Desde sua criação a IPBES já produziu três diagnósticos temáticos - Polinização e Polinizadores (2016), Modelos e Cenários (2016) e Degradação e Restauração (2018), além de quatro diagnósticos regionais (África, Américas, Europa e Ásia Central, e Ásia-Pacífico - todos em 2018), e um diagnóstico global (2019). Os achados destes relatórios evidenciaram, mais do que nunca, como o bem-estar da humanidade depende da biodiversidade e dos processos ecológicos que geram os serviços ecossistêmicos; e mais ainda, como muitas atividades humanas têm degradado tais processos e contribuído para o que está sendo considerada a sexta extinção em massa da biodiversidade.
A pandemia gerada pelo Covid 19 salientou ainda mais este quadro. De fato, o surgimento de novas doenças, as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade são várias facetas de uma mesma crise sistêmica e estrutural calcada no modelo de desenvolvimento que perdurou no último século na maioria das nações. Neste contexto, a IPBES tem mostrado, através de seus diagnósticos, que há caminhos alternativos para o desenvolvimento com vista à sustentabilidade pautados em soluções baseadas na natureza. Tem também elucidado as interrelações entre as diversas facetas da crise a exemplo do recém publicado Relatório sobre o Workshop Biodiversidade e Pandemias.
Por seus esforços em sintetizar o conhecimento científico sobre as causas e consequências da perda de biodiversidade, a IPBES foi nomeada ao Prêmio Nobel da Paz em 2020. Mesmo não sendo contemplada com o prêmio, sua nomeação indica a importância de sua atuação na interface ciência e política, para promover o bem estar humano e a conservação, restauração e uso sustentável da biodiversidade e serviços ecossistêmicos.
Em um período crítico de nossa história nacional, em que a ciência, a educação, o meio ambiente e os povos indígenas e tradicionais estão sendo constantemente atacados e desvalorizados pelo governo federal, a participação de mais de 40 cientistas brasileiros na IPBES vem mostrar o valor e qualidade de nossa ciência.
O Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Unicamp se orgulha de ter em seu quadro, pesquisadores, docentes do programa de Doutorado Interdisciplinar em Ambiente & Sociedade, e ex-alunos, que contribuíram e contribuem ativamente com a IPBES: Carlos Joly (docente), co-coordenou o 1o Painel Multidisciplinar de Especialista, além de atuar na Força Tarefa de Capacitação. Cristiana Seixas (pesquisadora) co-coordenou o 1o Diagnóstico Regional das Américas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, em que participaram também Jean Ometto (docente-colaborador) e Juliana Farinaci (ex-aluna). Eduardo Brondízio (docente-colaborador) co-coordenou o 1o Diagnóstico Global da IPBES. Debora Drucker (ex-aluna) é membro da Força Tarefa de Dados e Conhecimentos, e Camila Islas (ex-aluna) participa do Diagnóstico sobre Uso Sustentável de Espécies Selvagens (em elaboração), o qual conta ainda com Seixas e Brondizio como editores de revisão dos capítulos.
Esperamos que a indicação da IPBES ao Prêmio Nobel da Paz inspire cada vez mais jovens cientistas a atuarem na interface Ciência e Política para a Natureza e as Pessoas!
Carlos Alfredo Joly é Professor Titular aposentado do Instituto de Biologia da Unicamp; membro titular da Academia Brasileira de Ciências, coordenador do Programa Biota-FAPESP e da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). Foi co-coordenador do Painel Multidisciplinar de Especialistas da Plataforma Integovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).
Cristiana Simão Seixas é Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM) da Unicamp e membro da coordenação da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). Foi co-coordenadora do 1o Diagnóstico Regional das Américas da Plataforma Integovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES).