Por Néri de Barros Almeida*
A resposta rápida e articulada que a ciência apresentou à pandemia de Covid 19 tem sido extraordinária e ajudou a resgatar um pouco do prestígio da ciência desgastado nos últimos anos por uma onda de opiniões negacionistas. Algo tão significativo quanto essa resposta da comunidade científica está acontecendo em relação às mudanças ambientais globais (emergência climática, perda da biodiversidade e contaminação do meio ambiente por dejetos industriais, urbanos e agrotóxicos). No entanto, o impacto social desse trabalho tende a não atingir as mesmas proporções uma vez que a maioria das pessoas ainda tem a falsa impressão de que a crise ambiental é uma questão do futuro e também devido à complexidade e originalidade do problema que tornam sua compreensão muito mais difícil. A lentidão e, mesmo, desinteresse de governos em assumir suas obrigações com presteza e rigor técnico, transfere à voz dos cientistas uma responsabilidade nova sobre o destino do planeta. De modo geral, face à gravidade da situação, às dificuldades para a percepção social do problema e à hesitação dos poderes públicos, resta aos cientistas, como categoria comprometida com o bem comum, reafirmar de forma clara e inequívoca sua posição em defesa da vida e da sociedade. Hoje, isso representa o envolvimento da ciência e dos cientistas, com novos horizontes de ordem ética e política.
Os ambientes de pesquisa precisam dar à emergência climática a posição de destaque que os fatos exigem. Precisam desenvolver planos e ações que reflitam o reconhecimento de que o diagnóstico científico da situação planetária exige envolvimento coordenado de todas as áreas do saber (física, matemática, química, biologia, medicina, psicologia, computação, sociologia, educação, história, antropologia, engenharia, arquitetura, etc). A atenção não pode mais ficar restrita ao desenvolvimento de soluções. Ela precisa envolver-se mais com a sua segurança para que as respostas sejam coordenadas, não acarretem danos futuros, nem gerem ou fomentem desigualdade e exclusão social. A natureza estrutural do problema demanda que os centros de produção de conhecimento estejam abertos à transformação, compreendendo a natureza estrutural das mudanças necessárias e fortalecendo, bem como, agilizando a produção de consensos. Por fim, as convicções da ciência precisam ocupar a cena pública. A comunicação das certezas científicas precisa se intensificar a fim de que o espaço do negacionismo seja restringido e aquele da consciência cidadã seja ampliado.
Publicado no início de agosto, o mais recente relatório do grupo de trabalho I do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas/IPCC, pode finalmente afirmar que a ação humana é, inequivocamente, a responsável pelo aquecimento global. O relatório também mostrou com veemente clareza o caráter agudo dessas mudanças – algumas das quais irreversíveis – e sua crescente aceleração que antecipou para 2040 prognósticos de aumento médio da temperatura global em 1,5 graus célsius em relação à era pré-industrial. A questão ambiental e, notadamente a climática, tem assim dois ritmos, um natural e avassalador e outro sociológico definido por experiências de reação a crises forjadas em situações muito diferentes daquelas que estamos começando a enfrentar. A espera por soluções espontâneas ou mercantilizáveis ou puramente tecnológicas ou unilaterais pesa sobre a resolução de um problema que demanda colaboração generalizada sustentada por uma profunda mudança cultural. As universidades são instituições de pesquisa particularmente importantes nesse cenário. Seu compromisso com o ensino e a extensão e, em consequência disso, sua diversidade social que acelera o circuito de trocas entre a sociedade e a produção do saber, podem desempenhar um papel decisivo no apoio às transformações necessárias.
Tendo essas realidades, demandas e possibilidades em seu horizonte, a Diretoria Executiva de Direitos Humanos encaminhou ao Conselho Universitário em setembro de 2020 a proposta de criação de sua sétima frente de atuação, a Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental. A comissão que começou a elaborar seu plano de trabalho em agosto, é constituída por pesquisadores docentes e não docentes de todas as áreas do saber, estudantes de graduação e de pós-graduação, funcionários técnico administrativos e representantes da sociedade civil, entre os quais contam-se cientistas, gestores e lideranças comunitárias. A comissão pretende contribuir com as iniciativas que a universidade já desenvolve sendo espaço de referência de informações, apoiando o aumento desse envolvimento. Caberá a ela também promover o fortalecimento interinstitucional dessa pauta e propor políticas para o favorecimento da ciência das mudanças ambientais e para a promoção de mudanças atitudinais e culturais coerentes com ela.
A Diretoria Executiva de Direitos Humanos tem atuado em duas direções complementares. A atenção a demandas históricas por uma universidade mais inclusiva e comprometida com políticas de equidade. E a promoção de uma cultura dos direitos dentro da lógica da cultura de paz apta a apoiar políticas de inclusão e equidade tornando cada membro da universidade um multiplicador da cultura dos direitos no desenvolvimento das atividades fim da universidade bem como na vida social. A nova Comissão da Diretoria Executiva de Direitos Humanos está estrategicamente vinculada à preocupação com o futuro dos direitos humanos face às mudanças ambientais globais. Cabe a ela promover discussões sobre as mudanças que se fazem necessárias nas relações entre seres humanos, mundo natural e tecnologia tendo em vista não apenas conter retrocessos, mas promover avanços, considerando que a ciência da natureza precisa se desenvolver junto com uma profunda vontade de reconhecimento do direito à existência.
Caso você queira saber mais sobre o trabalho da comissão ou deseje apoiá-la com sugestões e informações, escreva para o email: direitoshumanos@dedh.unicamp.br
Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.
Néri de Barros Almeida
Néri de Barros Almeida é historiadora especialista em sociedades pré-antropocênicas do ocidente do continente europeu entre os séculos IV e XVI. Professora titular da Unicamp, entre 2019 e 2021 foi responsável pela implantação da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DeDH), órgão da administração central da universidade. É presidente indicada da Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental da DeDH.