Foto: ReproduçãoCristiane Delfina é mestra em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e master of arts em documentary practice pela Brunel University London, em projeto financiado pelo programa de bolsas britânico Chevening. Realizou documentários no Brasil, Inglaterra e Islândia, participando de festivais nacionais e internacionais, entre os quais a mostra VerCiência e Cannes Short Film Corner, para o qual levou o seu documentário A Mulher Original, sobre a arqueóloga Niède Guidon. Este filme integrou também parte do seu projeto de mestrado no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Foi selecionada, em julho de 2017, pelo edital Capes-IODP, para ser a primeira agente de divulgação brasileira a participar de uma expedição marítima do programa Expedição 369-Australia Cretaceous Climate and Tectonics, tema desta coluna nas próximas oito semanas. Portfolio cristianedelfina.com

Sobre expedições

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Foto: ReproduçãoEu sempre quis uma oportunidade como esta. Uma experiência para vivenciar e poder dividir. Graças a uma trajetória que, conforme eu traçava, não sabia bem onde ia parar, cheguei até a Expedição 369, uma incursão marítima científica de dois meses, partindo de Hobart, na Tasmânia, e subindo até Perth, no continente australiano.

A Expedição 369 – Australia Cretaceous Climate and Tectonics é mais uma viagem de pesquisas e coleta de dados realizada pelo programa IODP (International Ocean Discovery Program), uma colaboração de 23 países para a realização de pesquisas no oceano e no subsolo oceânico, seguindo um plano científico de dez anos chamado “Iluminating Earth’s Past, Present and Future" (Iluminando o Passado, Presente e Futuro da Terra). O Brasil é um dos países colaboradores, via Capes e, por meio de um edital de seleção de agente de divulgação da expedição, fui a escolhida.

Expedições de perfuração acontecem desde o final dos anos 50, quando o Projeto Mohole penetrou a crosta terrestre com a intenção de atingir o manto. Este projeto provou que perfurações do subsolo oceânico seriam possíveis. Em seguida, o navio Glomar Challenger, navegando 96 léguas e perfurando 624 sites, permitiu a verificação da teoria das placas tectônicas, a descoberta de que a Antártida é coberta de gelo há 20 milhões de anos e que o Mar Mediterrâneo secou entre 5 milhões e 12 milhões de anos atrás.

Foto: Reprodução
Ilustração: Cristiane Delfina

Desde 1983, o navio JOIDES Resolution navega com pesquisadores do mundo todo para estudar as dinâmicas passadas do planeta através de perfurações profundas nos subsolos oceânicos. As expedições já permitiram a coleta das primeiras evidências oceânicas do limite Cretáceo-Paleogeno (momento em que o meteoro responsável pela extinção dos dinossauros atingiu o planeta) e também a definição do mais longo registro de variações climáticas naturais. O navio possui laboratórios e máquinas especiais para processar as amostras coletadas, permitindo análises que podem trazer respostas sobre o clima, as atividades vulcânicas, as placas tectônicas e os movimentos das águas, há milhões de anos.

A bordo do grande navio – com 144 metros de comprimento, para ser precisa –, navegarei com 33 cientistas e uma tripulação de aproximadamente 90 pessoas. Acompanharei os estudos, as rotinas de trabalho e a vida de pesquisadores que tiveram diferentes motivações para estar aqui e que agora compartilham intensamente a experiência de viver por dois meses em alto mar.

Talvez nem todos tenham embarcado nesta viagem em busca somente de amostras do passado para analisar, conforme suas áreas de atuação. Todos tivemos que dar uma espécie de pausa em nossas vidas, presentes e estáveis, para acordar todos os dias vislumbrando um mar infinito, rodeados por estranhos de diferentes lugares do mundo, com foco total no passado, cujas memórias estão decodificadas em microorganismos, elementos orgânicos e inorgânicos, texturas, composições e outros sinais que olhos leigos não enxergam.

Ficamos alguns dias aportados em Hobart antes da partida. Começamos a conhecer a equipe e nos preparar para as oito semanas de navegação.

Algumas pessoas se agitaram para formar um bom suprimento de biscoitos e chocolates; outras, de shampoos e pasta de dentes... A falta de um cabo – ou prosaicas pilhas –poderia arruinar todos os planos. Veio, aí, a constatação de que, uma vez embarcados, deveríamos todos confiar uns nos outros, até por tratar-se de um trajeto imprevisível e sem volta.

Todos esses preparativos me fizeram pensar sobre o que realmente precisamos, sobre medos e expectativas, desligamentos e ambições – e sobre a terra e o mar.

Entramos agora imersos em um mundo agitado, que o homem explora há milhares de anos, mas nunca dominou e dificilmente dominará por completo. Existem seres passeando sob nossos pés e o vento pode ser nosso aliado ou grande inimigo. Quase ninguém aqui ao meu redor parece ter aquele espírito aventureiro ou ser amante do perigo, mas, sim, vejo algo em comum em todos: uma curiosidade latente, que leva a grandes descobertas e que é, em última instância, a essência da Ciência.

 

Foto: Cristiane Delfina
O navio JOIDES Resolution | Foto: Cristiane Delfina

 

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