Foto: ReproduçãoCristiane Delfina é mestra em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e master of arts em documentary practice pela Brunel University London, em projeto financiado pelo programa de bolsas britânico Chevening. Realizou documentários no Brasil, Inglaterra e Islândia, participando de festivais nacionais e internacionais, entre os quais a mostra VerCiência e Cannes Short Film Corner, para o qual levou o seu documentário A Mulher Original, sobre a arqueóloga Niède Guidon. Este filme integrou também parte do seu projeto de mestrado no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Foi selecionada, em julho de 2017, pelo edital Capes-IODP, para ser a primeira agente de divulgação brasileira a participar de uma expedição marítima do programa Expedição 369-Australia Cretaceous Climate and Tectonics, tema desta coluna nas próximas oito semanas. Portfolio cristianedelfina.com

Sobre testemunhos

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Foto: ReproduçãoO que aqui é chamado core, no Brasil é testemunho. Testemunhos são os sedimentos recuperados nos tubos de perfuração e cortados na transversal para as análises físicas. Aos olhos de não geólogos, paleontólogos e outros especialistas, não vemos muitas coisas além de tubos de solo coloridos. Compartilho então a tradução de uma carta (foi um email; para enviar uma carta daqui, só amarrando na perna de um albatroz...) escrita por nosso co-chefe de expedição, Brian Huber, micro-paleontólogo especialista em foraminíferas, curador do Smithsonian, nos Estados Unidos. Ele escreveu aos seus amigos e familiares, também não cientistas, expressando seu entusiasmo e explicando o que as cores e texturas dessas amostras revelam.


“Identificamos ontem um intervalo representativo da teoria da relatividade espaço x tempo de Einstein, ao abrir o testemunho e encontrar este belo e intacto contato entre sedimentos do final do Mioceno (aproximadamente 12 milhões de anos atrás) sobre uma rocha dura que foi depositado há aproximadamente 82 milhões de anos. Usem a matemática: são 70 milhões de anos de depósito de sedimentos faltando! Tivemos outros testemunhos com o mesmo intervalo na primeira perfuração deste site, mas estava na ponta do testemunho e incompleto, assim decidimos nos afastar aproximadamente 20 metros e perfurar mais fundo. Conseguimos o intervalo exatamente onde queríamos, no meio do testemunho. Esta sobreposição é importante porque demonstra a fase inicial de uma corrente que foi tão forte que erodiu uma imensa quantidade de sedimento. Acreditamos que essa erosão ocorreu quando a Antártida tornou-se completamente congelada há 15 milhões de anos, e as correntes frias causaram uma corrente fria no fundo do mar.

Existe muita história nestes sedimentos coloridos que queremos revelar. Já conseguimos completar as informações da história das correntes com os sedimentos de 12 milhões de anos sobre a rocha dura.

Foto: Divulgação
Amostra de sedimento: falhas entre os segmentos e mudança angular

Existem também muitas histórias legais no testemunho em que meus amigos Ken Macleod e Maria Rose Petrizzo estão trabalhando. A amostra tem aproximadamente 96 milhões de anos e as camadas pretas são de tempos em que o oxigênio no solo oceânico estava quase esgotado, permitindo a preservação de matéria orgânica de plânctons e de erosões de partes de plantas do continente australiano, que está a aproximadamente 150 quilômetros daqui. O oceano era muito quente naquela época, e um pequeno aumento na temperatura e mudança na produção de plânctons poderia desencadear um evento anóxico (sem oxigênio). A preservação dos meus fósseis favoritos, foraminíferas, é excelente nessas amostras, o que significa que teremos estimativas de temperatura muito boas da transição das partes claras para as escuras para saber o que ocorria com a temperatura e como os plânctons respondiam.

Incluí também a foto de uma amostra com falhas entre os segmentos e uma mudança angular do sedimento claro para escuro. Essa mudança ocorreu por causa das tectônicas regionais (um terremoto em algum lugar?), então o sedimento em um ponto deslocou-se para o outro lado. Vocês também conseguem ver linhas escuras e “bolhas” de cores diferentes na parte mais clara. Isso é chamado de “icnofósseis”, que são evidências de algum organismo que se movia entre o sedimento logo que este depositou-se, permitindo que partes do sedimento escuro que veio em seguida se depositasse nestes “túneis”.

Foto: Divulgação
Ken Macleod e Maria Rose Petrizzo, integrantes da expedição: análise de amostras de 96 milhões de anos

Estamos cavando agora um terceiro furo e vamos mais fundo. Mudamos a ponta da perfuradora para que penetre sedimentos ainda mais duros. Queremos retirar amostras de basalto (rochas vulcânicas) para determinar quando o solo se abriu em erupção acima do oceano. Temos ainda vários dias de perfuração.

Tudo vai bem. Temos reuniões e palestras a cada 12 horas quando trocamos os turnos. É uma oportunidade de trocar ideias e experiências e de contar o que ocorreu no turno anterior. Estamos entusiasmados com os dados que coletamos até o momento e existe muita troca e participação de todos.

Um dos cientistas trouxe um drone e o clima estava calmo o bastante para tirarmos fotos do navio.

O tempo passa rápido. A comida é boa e parece que agora até as voltas na pista de pouso parecem ser mais rápidas. Sinto falta de casa, mas ao menos tem bastante trabalho para me manter ocupado e empolgado com os testemunhos que já encontramos e os que estão por vir”. Brian T. Huber, 25/10/2017

 

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