No primeiro texto, apontamos que os parques de tecnologia e inovação de hoje parecem estar se tornando cada vez mais urbanos. No entanto, os parques de ciência e inovação brasileiros seguem um modelo urbanístico que não potencializa a interação adequada. Seria possível implementar um polo tecnológico de 3a geração no Brasil e, mais especificamente, em Campinas?
A resposta para a esta pergunta não é simples, uma vez que os exemplos existentes no exterior foram realizados em contextos em que o processo de produção da cidade e a decisão sobre o direcionamento dos investimentos públicos diferem em muito do caso brasileiro.
O Polo de Alta Tecnologia de Campinas começou a ser criado nos anos 1980, destinado à instalação de instituições públicas e privadas de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, com o intuito de se tornar um importante centro de desenvolvimento tecnológico para o país. Nos anos 1990, a área passou a ser gerida pela CIATEC, empresa de economia mista também responsável pela gestão do Polo I. Devido a diversos fatores, nenhuma das duas áreas chegou a ser totalmente ocupada, ainda que no Polo II tenham se instalado importantes instituições de Ciência e Tecnologia, destacando-se o CPQD e o CNPEM, hoje com o acelerador sincrotron Sirius, um dos mais avançados equipamentos no mundo em sua categoria. A área possui, portanto, as características de um distrito (tal como definido pelo Novo Urbanismo) e não de um bairro qualquer, com uma clara vocação para a pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico. Mas em um distrito as funções de habitação, comércio e serviços não precisam necessariamente ser excluídas. Pelo contrário, elas devem existir para dar suporte às atividades-fim da região.
Discutida há mais de 30 anos, a proposta de ocupação e uso do solo do Polo II do CIATEC implementava originalmente uma lógica na qual ainda não existia uma ampla compreensão das consequências de determinadas soluções urbanísticas. Dentre elas, destacam-se a distância do Polo em relação ao centro de Campinas ou a qualquer centralidade; a suposição de que o acesso à área seria feito majoritariamente por veículos particulares e a falta de planejamento de meios de transporte de massa; a adoção de um baixo Coeficiente de Aproveitamento, resultando em uma baixíssima densidade e consequentemente em maiores deslocamentos; a não previsão de espaços abertos públicos de convívio social, e a falta de preocupação com as áreas de vulnerabilidade ambiental, como nascentes e córregos. É preciso reconhecer, contudo, que a lei de uso e ocupação do solo originalmente definida para a área permitia os usos industrial, comercial, de serviços e habitacional unifamiliar e multifamiliar em 20 a 40% da área das glebas do Polo II, dependendo de seu tamanho. Contudo, a tipologia habitacional permitida era apenas a horizontal de baixa densidade, algo que, em nosso contexto, pode facilmente ser direcionado à implantação de condomínios horizontais fechados, que acabam criando grandes enclaves e barreiras à circulação e resultando em ruas desertas em seu entorno murado.
O Plano Local de Gestão Urbana de Barão Geraldo de 1996 estabelecia como diretriz de uso do solo, para viabilizar o desenvolvimento do Polo II do CIATEC, a “constituição de um centro urbano com usos residenciais, de comércio e serviços, de forma a dar suporte às atividades geradas a partir da UNICAMP e do setor hospitalar, em consonância com o aproveitamento industrial da área, como polo de alta tecnologia”. Contudo, essas funções não estavam suficientemente integradas ou a uma distância caminhável.
O Plano Diretor de Campinas começou a ser revisto em 2014. Nessa ocasião, houve uma tentativa de alteração da legislação para a área, por meio de uma proposta urbanística baseada no conceito DOT (desenvolvimento orientado ao transporte), que criava uma faixa de maior adensamento e uso misto ao longo do principal eixo viário que cortaria a área. Contudo, após fortes manifestações contrárias a esse plano por parte da população de Barão Geraldo, a versão do Plano Diretor aprovada em janeiro de 2018 propôs a “definição de áreas destinadas exclusivamente a atividades econômicas na área de influência direta da estrutura macro metropolitana, ao longo das rodovias, no entorno dos aeroportos e no Polo de Desenvolvimento - Unicamp/Polo II CIATEC”. A Lei Complementar 208 estabelece a ZAE - A para a maior parte do Polo II do CIATEC, com coeficiente de aproveitamento (CA) máximo de 2. A Prefeitura de Campinas reconhece que essa medida restritiva havia sido adotada provisoriamente e desenvolve agora uma nova proposta para a região, que adquiriu uma outra dinâmica após a aquisição da Fazenda Argentina pela Unicamp e a proposição do HIDS. No entanto, a complexidade do Polo II do CIATEC em termos ambientais e seu potencial de contribuição para o desenvolvimento econômico da região demandam estudos mais aprofundados que levem a um cenário urbano que efetivamente propicie um ambiente de inovação. Entendemos ser esta uma oportunidade para a aplicação de resultados de pesquisas científicas e a criação de um novo paradigma de urbanização que poderá servir de modelo a novos polos de desenvolvimento tecnológico que estão surgindo em inúmeras cidades brasileiras.
Um importante dado a ser considerado é o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para esses estudos, com o investimento, a fundo perdido, de um milhão de dólares. Esse valor será empregado na contratação de uma empresa sul-coreana (Korean Reasearch Institute for Human Settlements - KRIHS), que desenvolverá uma proposta de aplicação do conceito de Smart City para o HIDS. A Coreia do Sul tem direcionado boa parte de suas atividades de tecnologia para esse setor e tem investido pesadamente na criação de cidades inteligentes (como Sejong and Busan) que possam servir de benchmarks para o resto do mundo.
A Unicamp e a PUC Campinas, por sua vez, também participam desses estudos, mobilizando seus professores e pesquisadores, por meio de um programa de pós-graduação lato sensu na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) criado especialmente para estudar esse assunto. A atividades da equipe incluem o benchmarking, o estudo aprofundado da área, a condução do processo participativo junto aos stakeholders e a comunidade, e a formulação de um projeto que combine os anseios da comunidade e dos órgãos públicos, as propostas conduzidas pelo BID, as melhores práticas identificadas ao redor do mundo e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ONU, 2015). A metodologia de trabalho para essa última etapa consistirá na geração de cenários possíveis, que serão apresentados e discutidos com a comunidade, os stakeholders e os órgãos públicos.
A despeito desses esforços resta ainda, como um dos principais desafios impostos pelo projeto do HIDS, sua inserção no modelo de planejamento e gestão adotado pela administração municipal, responsável pelo ordenamento do território do município de Campinas. Esse será o assunto do próximo texto.
Por Maria Gabriela Caffarena Celani (FEC Unicamp), Carlos Eduardo Verzola Vaz (UFSC) e Sidney Piochi Bernardini (FEC Unicamp)