Esforço redobrado no combate à fome

Edição de imagem

Estamos no meio do caminho rumo ao cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) e das 169 metas conhecidas como a Agenda 2030, firmada por 195 países em 2015. No caso do combate à fome, naquela ocasião, os líderes mundiais foram radicais e dobraram a aposta firmando o compromisso de erradicar a fome e todas as formas de desnutrição. Nas cúpulas anteriores, a proposta era de reduzir pela metade a proporção de pessoas em estado de subnutrição e depois, de forma mais modesta, reduzir pela metade o número de pessoas subnutridas em relação ao ano-base de 1992. Uma meta que ignorava a outra metade condenada a continuar com fome! 

A partir de 2015, diversos fatores contribuíram para o fracasso desses compromissos. Ao contrário do que supunha a declaração daquele ano, propugnando “uma parceria global revitalizada”, novos conflitos armados e disputas comerciais afastaram os países de uma ação coordenada. Porém, mais do que isso, o mundo viveu uma verdadeira convulsão provocada pela pandemia da covid-19, que arrastou os países em desenvolvimento para uma crise ainda mais profunda. A partir dos relatórios anuais da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) dando conta de que o número de pessoas desnutridas estaria aumentando, ao invés de diminuir, o secretário-geral da ONU, António Guterres, convocou em 2021 uma Cúpula dos Sistemas Alimentares e reconheceu que o mundo estava totalmente fora do caminho para atingir os objetivos anteriormente acertados.

A abertura das sessões da Assembleia Geral neste ano trouxe novos desafios para a segurança alimentar global. Nos discursos dos chefes de Estado agregou-se, como prioridade, à erradicação da pobreza extrema a questão da desigualdade social. A questão climática avançou também algumas casas com o reconhecimento de que já ultrapassamos a marca de aquecimento global estabelecida em Paris, igualmente em 2015. Há um reconhecimento geral de que tanto a desigualdade de renda como as mudanças climáticas estão impactando diretamente as questões envolvendo o acesso aos alimentos.

Embora o nosso planeta produza uma quantidade suficiente de comida para alimentar toda a sua população, o acesso a essa comida mostra-se muitas vezes incerto. Hoje, não só um contingente de aproximadamente 670 milhões de pessoas vive na extrema pobreza como, pela primeira vez em 30 anos, a riqueza extrema e a pobreza extrema cresceram simultaneamente, segundo relatório da Oxfam International. O 1% mais rico do mundo já acumula dois terços da riqueza produzida desde 2020. Essa situação de pobreza e desigualdade interfere diretamente na quantidade e qualidade dos alimentos consumidos, impondo aos mais pobres uma dieta calórica vazia, o que, por sua vez, favorece o aparecimento de quadros de sobrepeso e obesidade.

A emergência climática e os desastres naturais são hoje os principais focos da ajuda humanitária global e têm implicações diretas no preço dos alimentos. Nos anos recentes, milhões de pessoas foram deslocadas de suas casas em função de conflitos e eventos extremos, e a ajuda humanitária internacional não foi suficiente para alimentar todos os desabrigados. Dado mais grave ainda, nos 15 países mais vulneráveis à crise do clima, o investimento na mitigação de seus efeitos foi de apenas 6% de toda a ajuda internacional voltada para a adaptação às novas condições, segundo a avaliação de 2022 do Global Humanitarian Overview, da ONU. No caso dos alimentos, passada a fase aguda da crise de abastecimento provocada pela guerra na Ucrânia, seus preços permanecem ainda em patamares elevados.

No 16 de outubro, celebra-se o Dia Mundial da Alimentação, pois em 1945, nesse dia – antes mesmo do final da Segunda Guerra Mundial – foi criada a FAO, com a missão de conectar nutrição e produção. O mandato do órgão incorporou, na época, uma visão sobre um sistema alimentar global que refletia o otimismo geral do pós-guerra, uma visão segundo a qual os problemas globais poderiam ser resolvidos por meio da cooperação internacional.

No meio do caminho para 2030, encontramo-nos em uma encruzilhada. A saída do Brasil, maior país da América Latina, do Mapa da Fome da ONU em 2013, com programas como o Fome Zero, apontou o caminho. Mas a conquista foi perdida. Agora, as dificuldades são enormes, mas o Brasil ainda pode mostrar ao resto do mundo que é possível sair novamente do Mapa da Fome.

José Graziano da Silva e Walter Belik são diretores do Instituto Fome Zero e professores do Instituto de Economia da Unicamp.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

    twitter_icofacebook_ico