Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Acesso aberto como política científica institucional

Ilustração: Luis Paulo Silva Muitos de nós temos nossas ideologias. Uma delas tem sido prioritária para o meu cotidiano institucional. A publicação em acesso aberto, objeto de pesquisa e de escolhas práticas na hora de definir onde divulgar os resultados de minhas pesquisas.

Em tempos em que as citações e o fator de impacto, infelizmente, ainda falam mais alto em nossa política científica, é tentador pensar em guardar um bom paper para aquela revista que vai nos trazer mais visibilidade, prestígio, leitores e, quem sabe, citações. A maior parte delas, no entanto, tem o acesso restrito apenas a assinantes, ou oferecem opções de acesso aberto com altas taxas de publicação (APC - article processing charges). Mas há boas opções.

O acesso aberto (AA) determina que qualquer pessoa possa ler o material (neste caso artigos científicos) sem ter que pagar por isso. Parece óbvio, mas no mundo da ciência, as revistas científicas consideradas de maior prestígio e visibilidade são, geralmente, as de acesso restrito a assinantes, geralmente nossas instituições de ensino e pesquisa.

A Simon Fraser University (SFU), instituição que me acolhe neste ano de pesquisa de pós-doutorado, lançou sua política de acesso aberto em janeiro passado. As universidades estaduais paulistas ainda não lançaram sua política institucional de acesso aberto, mas já sinalizaram um caminho nesta direção quando lançaram o repositório de publicações em 2013. Os repositórios têm a missão de preservar o patrimônio documental da instituição e também disponibilizar os frutos de seu trabalho para qualquer interessado.

Foto: Divulgação
Mesa de trabalho de Germana Barata: pesquisa e prática pelo acesso aberto. Crédito: Arquivo pessoal G. Barata.

“Embora acreditemos que a disseminação aberta da pesquisa seja um imperativo ético, também reconhecemos que os autores universitários mantêm o controle total de sua propriedade intelectual e, em alguns casos, podem não ser capazes de compartilhar seu trabalho em um repositório de acesso aberto, nesses casos os autores universitários individuais podem obter uma dispensa”, afirma a recém lançada política da SFU. Essa política complementa outra estabelecida pelas três principais agências de fomento do Canadá, a NSERC, CIHC e a SSHRC, a partir de 2015, e que estabelece a publicação em acesso aberto de pesquisas financiadas com recursos destas agências em período de até 12 meses.

Políticas como estas são um importante passo para incentivar publicações de acesso aberto, ao mesmo tempo em que permitem que os autores tenham liberdade de escolher a revista que melhor satisfaça suas necessidades, por exemplo aquelas com política de embargo, ou seja, vetam ou só permitem a inserção do artigo em repositório depois de um período pós-publicação.

Mas as políticas científicas continuam incentivando o caminho contrário: publicar e prestigiar aqueles que publicam em revistas com alto fator de impacto (um número restrito que pertence ao Journal Citation Reports) e, normalmente, de acesso restrito.

Internet e acesso democrático?

Em 1995, a revista Forbes previu o colapso de grandes editoras científicas como a Elsevier com a multiplicação das publicações digitais (The internet’s first victim?) que, já naquela época, cobravam preços exorbitantes para o acesso aos artigos científicos. A previsão não apenas não se consumou, mas a Elsevier é hoje a maior editora científica do mundo, e faz parte de um oligopólio junto com outras 4 (Springer, Willey-Blackwell, Taylor & Francis e Sociedade Americana de Química - na área de ciências exatas - ou a Sage - nas humanidades) foram responsáveis por mais de 50% de todos os artigos indexados no Web of Science, como concluiu Vincent Larivière e co-autores em artigo.

Larivière, professor da Universidade de Montreal, proferiu palestra na SFU no último dia 10 de abril e afirmou que a situação se agravou nestes 20 anos, já que a margem de lucro cresceu: “nunca é menor do que 30%”. Uma das explicações para este cenário, acredita ele, é que as grandes editoras fornecem capital simbólico como moeda de troca para os autores, ou seja, prestígio e mais acesso a financiamentos, por exemplo.

Kyle Siler, meu colega pós-doutorando que também trabalha com a questão do acesso aberto, lembra que se você está em busca de um emprego na academia, dificilmente conseguirá escapar de publicar em revistas de prestígio ou com alto fator de impacto, geralmente de acesso restrito, para se manter competitivo.

Essa demanda pelo acesso restrito é também visível nas bibliotecas universitárias. O custo com revistas científicas cresceu três vezes, bem como a quantidade de conteúdo, conta Larivière. As bibliotecas, que antes assinavam revistas, passaram também a assinar pacotes com editoras acadêmicas, os chamados bundles. E como deve ocorrer nas TVs por assinatura, a análise mostrou que 30% dos títulos nunca foram acessados e 60% tiveram um ou nenhum download no período de 2011 a 2015. O acesso a revistas canadenses, no entanto, foi considerado alto, indicando a relevância das revistas nacionais. Mas seus conteúdos estão cada vez mais em inglês e menos em francês, contou Larivière.

Foto: Reprodução
Revistas que utilizam o OJS, software que melhora editoração de revistas de acesso aberto, com maior uso na América Latina, sob liderança do Brasil. Crédito: PKP

O Canadá hospeda o Public Knowledge Project (PKP) projeto multi-institucional que desenvolveu o OJS (Open Journal System), software para o desenvolvimento e publicação de conteúdos em acesso aberto. O Brasil é seu maior usuário, com 1.934 revistas, e o Canadá tem 300 revistas. O OJS permite melhoria na qualidade, no acesso às informações e na gestão de submissões de artigos. Já foi traduzido para 32 línguas e hoje possui sistemas de acesso aberto também para monografias e conferências. No ano passado, foi lançado a versão mais atual OJS 3.0, mais amigável, e o PKP Index.

Kevin Stranack, bibliotecário e diretor associado para o engajamento e aprendizado da comunidade do PKP, acredita que a transição para as revistas de acesso aberto é ainda uma dificuldade para a academia que é bastante conservadora.

No Canadá ainda não existe uma base de dados que reúna as revistas nacionais e/ou de acesso aberto, como maneira de fortalecer os esforços, a exemplo do SciELO no Brasil. Mas há iniciativas nesta direção. Stranack faz parte do Canadian Journals Project que deverá agregar, em uma base de dados, 450 revistas canadenses. Atualmente mais de 85% delas são de acesso aberto.

O bibliotecário lembrou do Érudit, plataforma criada para valorizar a produção francofônica. Atualmente reúne 129 revistas de ciências humanas e sociais, com 90% de conteúdos em francês, embora nem tudo esteja em acesso aberto.

 

Por mais acesso aberto

Nestes 15 anos desde a publicação da Iniciativa de Budapeste em Acesso Aberto, considerada o marco inicial do movimento pelo acesso aberto, é possível constatar inúmeros sucessos em prol de uma crescente institucionalização e fortalecimento do acesso aberto.

Outros avanços passam pela priorização e valorização do acesso aberto na carreira científica e por efetivas mudanças nas nossas práticas diárias. Como comentou Juan Pablo Alperin, professor da SFU, durante o seminário “The failure of access: rethinking open education” , “precisamos reformular nossas ações”.

Uma vez conscientes da relevância de um acesso mais amplo e livre ao conhecimento científico é possível escolher boas revistas que publiquem 100% em acesso aberto, negociar taxas de submissão (APCs) mais baixas – no caso de revistas de acesso restrito –, negociar que o artigo seja depositado no repositório de sua instituição assim que publicado ou em curto período, ou até mesmo depositar o artigo pre-print (versão submetida, mas não avaliada). Outras práticas passam por cobrar políticas de acesso aberto de nossas instituições, para fortalecermos a valorização de tornar nossos resultados públicos (no sentido de torná-lo público) e minimizar o peso dos indicadores bibliométricos que passaram a reger nossa prática.

Em tempos de crise econômica profunda é preciso que usemos os recursos financeiros escassos com sagacidade. Escolher uma revista de acesso aberto com indexação que permita a localização do artigo em bancos de dados (indexadores) internacionais pode ser uma boa alternativa sem deixar de lado três pontos chave: a internacionalização, a visibilidade do artigo e o uso racional de nossos recursos.

Para encontrar uma boa opção de revistas científicas em acesso aberto

 

SciELO, Scientific Electronic Library Online, a base de revistas científicas mais importante do Brasil e América Latina, uma das mais importantes em acesso aberto do mundo.

DOAJ, Diretório de Revistas em Acesso Aberto com quase 10 mil revistas científicas em acesso aberto.

arXiv, banco de artigos em pre-print (antes da submissão em revista científica) forte para a área de física, mas inclui áreas de ciências exatas.

PubMed, importante arquivo de artigos da área biomédica. Para encontrar uma revista ou artigos de acesso aberto use na busca o filtro: open access[filter].

Science Open, rede que agrega artigos de revistas em acesso aberto e permite que leitores possam também revisar artigos, postar comentários e se manter atualizados sobre o debate sobre o acesso aberto no blog.

 

 

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