Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Ciência como estratégia de desenvolvimento de nação

Ilustração: Luis Paulo Silva

Depois que Barack Obama saiu do cenário, deixando a tarefa para o inconveniente Donald Trump, o jovem primeiro-ministro do Canadá, o liberal Justin Trudeau, ficou com a tarefa de atrair uma legião de fãs nas mídias e redes sociais como exemplo de bom governante. Com incrível popularidade, Trudeau elevou a visibilidade do Canadá.

Mais aberto a estrangeiros e refugiados, com políticas inclusivas e déficit populacional, o Canadá aceitou cerca de 272 mil novos residentes permanentes em 2016 e aprovou 1,3 milhão de vistos para residentes temporários. Este ano, o governo espera aprovar outros 300 mil residentes permanentes. A previsão do governo é que até metade da população seja composta por imigrantes de primeira geração e filhos em 2036.

Juntem-se a isso as políticas de inclusão social, mobilidade urbana, planos de saúde e educação pública, universidades acessíveis, qualidade de vida, baixo índices de violência e terrorismo, e teremos qualidades suficientes para compensar qualquer possível negatividade que o clima frio – bem severo na maior parte do território – e o alto custo de moradia possam suscitar.

Felizmente, estas são boas surpresas que descobri apenas quando minha opção por meu grupo de pesquisa, na Simon Fraser University, já estava feita.

Foto: http://www.sfu.ca/research-at-sfu.html
Foto da equipe ministerial do primeiro ministro do Canadá Justin Trudeau, em novembro de 2015. Crédito: CBC

Ciência e Tecnologia

No quesito ciência e tecnologia a experiência no exterior é enriquecedora por também nos colocar diante de outras problemáticas na política científica, sobretudo em se tratando de um país desenvolvido.

O Canadá não se destaca entre os países desenvolvidos, mas ocupa posição confortável. É a décima economia do mundo (logo atrás do Brasil), investe cerca de 1,6% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento e ocupa o 7o lugar dentre os países com maior produção de artigos indexados no Scimago - um dos indexadores internacionais de revistas científicas de maior prestígio no mundo.

O país tem níveis invejáveis de performance que revela não ser preciso estar no topo para propiciar bons frutos sociais. Dentre os habitantes de 25 a 64 anos, 55,2% possuem nível superior, e com resultados acima da média em todos as avaliações do exame PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) que mede o desempenho em ciência, matemática e leitura, com destaque para a participação de mulheres (66%). A taxa per capita soma US$44.205 ao ano para os 36 milhões de habitantes e a expectativa de vida chega aos 83 anos, para as mulheres, e 79, para os homens.

No campo da educação superior, são cerca de 98 universidades e colleges cadastrados no site da organização Universities Canada, todos considerados públicos, por receberem parte de financiamento dos governos federal, da província e do município. Para se ter uma ideia do custo por aluno, a Simon Fraser University, instituição na qual desenvolvo minha pesquisa, cobra uma média de US$5.000 a US$7.500 pelo ano letivo na graduação, US$2.500-5.000 na pós-graduação, sendo que estrangeiros pagam 4 vezes mais, pouco mais de US$20 mil. A SFU é um bom exemplo por não estar entre as universidades mais caras ou cobiçadas do país, mas ainda assim detém importantes progressos e desempenho internacional.

As mensalidades de estudantes (sobretudo estrangeiros de graduação) são responsáveis por quase um quarto do investimento das instituições de ensino superior, verba que cresceu de forma inversa ao investimento público. O investimento federal fica em torno de 10% e o governo não-federal ainda é responsável pela maior fatia: 41%. Mas há ainda verba da iniciativa privada, de doações e as mensalidades. Em 2014, as universidades somaram pouco mais de US$26 bilhões em orçamento e 1,7 milhão de estudantes.

Na disputa por atrair estudantes estrangeiros, percebe-se a importância dos rankings internacionais, como ferramenta que ajuda os candidatos a escolherem as instituições para estudar. Até 2022, o governo canadense estabeleceu a meta de dobrar o número de estudantes estrangeiros.

Foto: http://www.sfu.ca/research-at-sfu.html
Cientistas em laboratório da Simon Fraser University

Concorrência na vizinhança

O fato de o Canadá estar na América do Norte traz um importante competidor para seus postos de trabalho: os estadunidenses, de modo mais imediato. A proximidade geográfica, cultural e o inglês acabam tornando o já concorrido mercado acadêmico ainda mais duro para os canadenses. Já ouvi depoimentos de colegas canadenses de que é mais fácil estar na concorrência canadense quando se tem um título de universidade dos Estados Unidos ou da Inglaterra.

São 6 mil doutores formados por ano no país, dos quais cerca de 40% conseguem uma vaga em instituições de ensino e pesquisa no país, de acordo com pesquisa da organização para pesquisa, a Conference Board of Canada divulgada em 2015  - Inside and Outside the Academy: Valuing and Preparing PhDs for Careers. Os demais são absorvidos pelo mercado de trabalho, mas fora da área de especialização, na maioria das vezes. Se para nós, brasileiros, essa poderia ser uma boa notícia, para as autoridades canadenses já é motivo de alerta para que as instituições de pesquisa e ensino se empenhem na capacitação de seus futuros doutores para o mercado de trabalho.

A Conference Board of Canada aconselha que os gestores de universidades: considerem as oportunidades de carreiras antes de aumentar as vagas em seus programas de doutorado; criem iniciativas de desenvolvimento profissional entre seus alunos de pós-graduação para melhor prepará-los para os desafios exigidos pelo mercado de trabalho; aumentem as oportunidades para aprendizado e promovam o valor de empregados com títulos de doutores que costumam não serem reconhecidos como profissionais preparados para trabalhar fora da universidade.

Segundo Tim Anderson, da Universidade British Columbia, em artigo publicado na Canadian Journal of Higher Education, as universidades que querem aumentar o número e a qualidade dos alunos estrangeiros precisam oferecer suporte ao uso do inglês, de forma a melhorem seu desempenho acadêmico. “As pressões ligadas à negociação ao caminho [que os estudantes estrangeiros traçam] na academia [de língua] inglesa, ao mesmo tempo em que tenta manter notas altas, redigindo provas e propostas de dissertação compreensíveis, apresentando em conferências e publicando (em várias línguas) pode ser uma tarefa árdua para muitos estudantes de pós-graduação, particularmente no contexto altamente competitivo de programas de doutorado em universidades de pesquisa de primeiro nível”, enfatizou Anderson.

Dentre as sugestões para melhorar a capacitação do estudante estrangeiro, o professor de linguística mencionou a importância de se reformular os centros de línguas, com mais apoio acadêmico e linguístico, sobretudo com tutores específicos para as diferentes áreas do conhecimento e clubes de escrita acadêmica. O fortalecimento dos estudantes significa também investimento para as universidades e para o país, que pode, futuramente, contar com estes jovens doutores no seu mercado de trabalho.

Outro desafio que as universidade canadenses enfrentam é ampliar a permissão de estudos de alunos estrangeiros para finalizarem o doutorado. Normalmente o visto se limita a 4 anos, mas, em média, até a defesa será necessário um ano a mais, como é comum nas ciências humanas. Com isso, os estrangeiros, que já pagam taxas escolares superiores a de residentes permanentes, perdem o direito de permanecer no país para concluírem seus estudos e tampouco conseguem recuperar o tempo e capital investido.

Política científica e tecnológica
Diversidade e inclusão estão no discurso e na prática canadense. Exemplo disso fica estampado na foto oficial de ministros e ministras que compõem o atual governo. Dentre eles, cito o ministro de Inovação, Ciência e Desenvolvimento Econômico, Navdeep Bains, e a acadêmica Kirsty Duncan à frente do Ministério de Ciência (a nomenclatura de ambos os ministérios deixa também claro o papel de ciência no país).

O orçamento de 2017 prevê investimentos em educação e capacitação da força de trabalho. Até US$2,3 bilhões estão reservados para inovação, sobretudo pensando no crescimento econômico em seis áreas consideradas estratégicas: recursos de energia limpa; biociências e saúde, indústria digital, tecnologia avançada e setor agroalimentar; a estabilização de investimentos para a pesquisa básica destinada às três agências de fomento à pesquisa: Conselho de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanidades (CAD$353 milhões, ou cerca de US$265 milhões em 2016); o Conselho de Pesquisa em Ciências Naturais e Engenharia (pouco mais de CAD$1 bilhão ou US$750 milhões); e os Institutos Canadenses de Pesquisa em Saúde (outro CAD$1 bilhão, ou US$750 milhões, dos quais um terço vão para áreas consideradas prioritárias).

A preocupação é manter, mudar a estratégia de investimento, ou até ampliar os investimentos em pesquisa básica. Para tanto, a ministra Kirsty Duncan deve divulgar, até o final do ano, o conteúdo de um relatório de revisão independente sobre o financiamento de pesquisa básica no país - Canada´s Fundamental Science Review - e que, aberto à consulta pública, recebeu 1250 propostas. “O Painel irá considerar propostas e conduzir uma análise para entender o que está funcionando bem e onde há lacunas no financiamento de pesquisa”, afirma o site do painel.

O governo canadense aposta na competitividade de futuros cientistas e profissionais preparados em áreas que ainda necessitam de expansão ou desenvolvimento. Mais do que isso, há o reconhecimento de que é preciso aproveitar o momento político para atrair os melhores talentos que agora consideram o Canadá como alternativa às políticas excludentes do vizinho norte-americano. Ciência definitivamente faz parte do plano de desenvolvimento econômico canadense como um diferencial poderoso para o futuro, uma constatação que nós brasileiros gostaríamos de ver na prática, mas em nosso país.

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