Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Desdobramentos da pesquisa com indicadores de impactos sociais da ciência

Autoria
Edição de imagem


Ilustração: Luis Paulo SilvaUm ano passa rápido e, novamente, o inverno se aproxima trazendo o frio, dias mais curtos e cinzas, mas com as cantigas de Natal e luzes enfeitando a cidade e aquecendo nossos corações. A pesquisa que me trouxe à Universidade Simon Fraser (SFU) está caminhando para sua conclusão e, com ela, mais do que atingir os objetivos propostos, está o aprendizado sobre novas dinâmicas de trabalho, colaborações de pesquisa, agilidade no cotidiano da academia, sem contar o bônus da experiência pessoal e familiar.

Foto: GB
Um ano de pesquisas na SFU, unidade de Harbour Centre em Vancouver

O objetivo que aqui me trouxe foi estudar possíveis indicadores de impacto social da ciência brasileira, com enfoque nos indicadores já disponíveis, fornecidos, sobretudo, pela Altmetric, empresa inglesa fundada em 2012 e uma das mais presentes nas principais editoras e indexadores de revistas científicas internacionais.

A altmetria tem sido festejada como ferramenta alternativa a métricas tradicionais, que se propõem a medir a relevância de um artigo científico, por exemplo através do cruzamento de dados de citações entre artigos de revistas internacionais de um banco de dados (como o Web of Science ou o Scopus). Se um artigo cita as contribuições de outro artigo é sinal de que ele foi útil, serviu como referência para auxiliar na construção de conhecimento científico (mesmo que tenha sido citado por representar um mal exemplo ou de forma crítica).

Esses indicadores tradicionais (cujas citações são apenas um deles, talvez o mais valorizado), porém, são frequentemente criticados por sua limitação, seja por considerarem citações em uma coleção reduzida de revistas, seja pela demora na indicação de impacto (citações são contabilizadas depois durante dois anos), por beneficiarem países desenvolvidos ou por inúmeras outras razões. Assim, ter uma gama maior de indicadores é sempre desejável, de modo a minimizar as distorções que possam ser causadas.

As métricas chamadas alternativas, diferentemente, consideram as estatísticas de acesso a artigos científicos via redes sociais (como o Twitter e o Facebook), redes acadêmicas (ResearchGate e Mendeley) e várias outras plataformas como notícias jornalísticas, Wikipedia, documentos governamentais ou órgãos internacionais (como a ONU, Unesco, OMS, por exemplo). Além de mais imediatas, as métricas são mais variadas e tentam incluir uma grande gama de possibilidades de compartilhamento de artigos científicos, muitos dos quais fora dos muros da academia.


Rastreando o uso social da ciência

Meu projeto de pesquisa investigou canais com potencial para métricas alternativas no contexto brasileiro, além de como as revistas científicas brasileiras estão desempenhando nos indicadores já disponíveis no Altmetric. Meu foco de interesse está na divulgação científica.

O Facebook é hoje a maior rede social no mundo, mas também no Brasil. Inaugurada em 2004, a rede possui hoje 2,07 bilhões de usuários ativos pelo mundo, dos quais 86,5 milhões em solo brasileiro (Statista, 2017). Como desconsiderar esta rede social de enormes proporções? Para tanto, a rede tem sido objeto de nossa investigação. Surpreendentemente, os dados registrados pelo Altmetric tendem a mostrar que as atividades de compartilhamento no Facebook são quase irrelevantes quando comparado ao Twitter, rede que tem sido considerada preferida de acadêmicos (pelo menos daqueles estudados no ResearchGate, veja análise de van Noorden, 2014).

Mas será que os acadêmicos da Unicamp usam redes sociais para fins profissionais? Qual a mais utilizada? Para responder a essas questões construímos um questionário que foi distribuído online para professores e pesquisadores de 4 universidades: a Unicamp e a Federal de Alagoas (UFAL), a SFU, onde atuo, e a Universidade de Salamanca (USAL). A escolha das universidades se deu por meio de redes de colaborações existentes com os professores Ronaldo Araújo (UFAL) e Críspulo Travieso Rodríguez (USAL) . Dentre os 856 questionários, 316 foram da Unicamp. Dentre as redes sociais apontadas como mais frequentes no uso profissional estão o Whatsapp, o ResearchGate (rede acadêmica) e o Facebook. O Twitter, apontado por 8,3% dos respondentes como “utiliza frequentemente para uso profissional”, está em 9o lugar entre as opções apresentadas.

Cerca de 70% dos acadêmicos da Unicamp são usuários antigos do Facebook. A maioria possui mais de 500 seguidores e usa a rede para divulgar eventos científicos, aproximar-se do público em geral ou compartilhar notícias sobre ciência e tecnologia. Resultado bastante semelhante ao da UFAL e animador sobre o papel da rede. Há vários outros resultados interessantes, mas que estão em análise e serão divulgados em breve.

Preferência nacional

O ponto é que, ao menos no universo brasileiro, os acadêmicos parecem preferir o Facebook ao Twitter mesmo para questões profissionais. Essa informação traz uma dimensão nacional importante para os indicadores sociais que deveria ser levada em conta.

Foto: Reprodução
Artigo sobre Zika da revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz tem maior repercussão social, segundo o Altmetric, entre as revistas científicas brasileiras

Para testar a importância nacional e internacional do uso de artigos científicos nas redes sociais, investigamos como artigos sobre o Zika vírus foram compartilhados pelos usuários do Facebook e Twitter no primeiro semestre de 2016, quando a Zika foi considerada emergência de saúde pública internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O interesse no Zika se deve a sua importância em planos nacional e internacional, e pela ativa participação de pesquisadores brasileiros na produção científica (em segundo lugar depois de autores filiados em instituições dos Estados Unidos). Nossa principal conclusão foi que, apesar do inglês dominar as postagens tanto no Facebook quanto no Twitter, no Facebook cerca de 25% das postagens é feita em outros idiomas (com destaque para o português e espanhol). Este resultado mostra a preferência deste canal de comunicação para a conversa em nível nacional. Para editores e autores de revistas científicas, o caso do Zika vírus mostra que se faz necessário comunicar de forma mais eficiente para atingir as populações afetadas, sobretudo quando considerarmos, como no caso de doenças relacionadas ao Zika vírus, que o acesso à informação era estratégico para investir em novas pesquisas, delinear estratégias de saúde pública, proteger e tratar a população.

Foto: Reprodução
Entre os top-100 artigos científicos do Altmetric em 2016, paper sobre Zika virus. Fonte: Reprodução do Altmetric

Na análise dos artigos sobre Zika vírus nos chamou atenção, novamente, o fato de as pontuações altmétricas registradas para os artigos compartilhados indicarem pouca atividade no Facebook, mesmo considerando os artigos de revistas científicas ou autores brasileiros. Cruzamos os dados fornecidos pelo Altmetric com aqueles coletados diretamente da rede social e constatamos uma divergência nos dados. Essa diferença se dá por inúmeras questões, dentre elas: 1) limitação do Altmetric no acesso aos dados do Facebook, que apenas coleta compartilhamentos feitos a partir de grupos e páginas institucionais, perdendo a maior parte de interações entre pessoas; 2) compartilhamento de diferentes links de acesso ao mesmo artigo, seja o DOI (digital object identifier), portal da revista, website do indexador da revista, por exemplo; 3) ausência do link para o artigo em notícias jornalísticas no Brasil (diferentemente de jornais de língua inglesa, por exemplo como o New York Times, The Guardian e outros).

Outras razões estão agora sob nossa lupa para entender porquê as revistas científicas da coleção SciELO (indexador brasileiro de grande prestígio na América Latina) têm baixa performance no Altmetric.


Desdobramentos

Um projeto de pesquisa parece nunca terminar, pois ele se desdobra em novas questões, modificando nossa percepção sobre o objeto de estudo e traz ainda mais complexidade para um problema que parecia simples. Participar do debate da comunidade de estudiosos de métricas alternativas me trouxe um certo alívio em relação aos problemas que as publicações científicas brasileiras enfrentam: este não é um problema apenas que nos diz respeito, mas resultado de limitações dessas novas métricas. Sim, métricas serão sempre limitadas, sobretudo se elas foram desenvolvidas a partir de 2010. O principal fórum de debates de altmetria, o Altmetric17, que ocorreu em setembro em Toronto, mostrou que, apesar do enorme potencial da área, ainda enfrentamos grandes gaps nos dados e que acabam ainda privilegiando – de novo? – as grandes revistas científicas e editoras internacionais, com destaque para países falantes da língua inglesa. Portanto, use com moderação! A expectativa é que as métricas sejam mais estudadas para que possamos aperfeiçoá-las, incluindo especificidades nacionais e de áreas do conhecimento. Quem sabe, futuramente, elas possam ser uma ferramenta para valorizar o impacto social da ciência e, portanto, a divulgação científica.


Renovação

Aproveito para desejar aos leitores um 2018 de alegrias, criatividade, e desejo incansável de mudanças. A pesquisa continuará sendo desenvolvida na SFU, em Vancouver, pelos próximos 6 meses. Nesta nova fase, terei a oportunidade de oferecer a disciplina “Science Communication in the digital era” para alunos da universidade, a partir de janeiro, e de iniciar pesquisa em parceria com a Science Writers and Communicators of Canada (SWCC). Meu Diário de Vancouver continuará compatilhando com vocês um pouco desta rica experiência que tenho vivenciado. Aproveito a oportunidade para agradecer ao apoio recebido da equipe do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri) da Unicamp, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do meu supervisor Juan Pablo Alperin e da equipe da SFU.


Leia mais:

 


 

     

    twitter_icofacebook_ico