Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Divulgação científica compõe o cenário e a agenda cultural

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Um museu de ciências que está no imaginário dos moradores e visitantes de uma cidade, convida a explorar suas atividades. A programação do cinema em 180 graus faz parte da agenda cultural em meio aos blockbusters de Hollywood. A estação de metrô lembra aos passageiros de sua presença, sem falar na bela arquitetura que compõe o perfil de prédios icônicos da cidade. Estamos no Science World Telus, o museu de ciências de Vancouver. Difícil passar pela cidade sem vê-lo, admirá-lo e visitá-lo.

Foto: Germana Barata
Exposição Go Go Tiny, que divulga as pequenas casas como modo alternativa de vida, é atração no Science World Telus: museu faz parte da programação cultural de Vancouver

Naturalmente, faz parte da cidade, do roteiro de turismo e da programação cultural, bem localizado na região central da cidade, à beira do False Creek, uma falsa baía onde barcos bacanas estão ancorados. Para moradores, a anuidade permite visitas sem fim, o que o torna um espaço de conhecimento, mas também de lazer e diversão.

Em cinco meses vivendo em Vancouver, meus filhos já fizeram incansáveis cinco visitas, umas mais longas e outras mais curtas, apenas para almoçar e assistir a um show ou brincar com os equipamentos preferidos. Fato é que o Science World está sempre cheio de visitantes, atividades e novidades. No ano passado registrou pouco mais de 812 mil visitantes e 48 mil membros, responsáveis por 63% dos CAD$14 milhões (em torno de R$35 milhões) que mantêm o museu em funcionamento.

Clubes de ciência, workshops, cinema, teatros, shows de ciência, compõem a programação, voltada para estudantes e crianças, mas também adultos, que podem participar de atividades noturnas. Exemplo foi a atraente e sofisticada Science of Cocktails em que 25 bartenders da cidade foram convidados a explicar a perspectiva científica dos drinks, prepará-los e degustá-los junto com os participantes. O programa atraiu 1,1 mil adultos cuja participação capitalizou CAD$110 mil (R$275 mil) para a visita de estudantes de escolas com poucos recursos.

Catalisando o debate científico

O Museu de Ciências é também ponto de encontro de divulgadores de ciências, como ocorreu durante o workshop BC Science Outreach Workshop 2017 que reuniu cerca de 140 participantes, em março passado. Ou em eventos em que os membros são convidados a debater o futuro da instituição ou sugerir atividades para o próximo ano.

Foto: Germana Barata
Eddie Goldstein, consultor de museus de ciência e divulgador e apaixonado por ciência, fala aos divulgadores de ciência no workshop do Science World em março de 2017; à direita, o show de química fascina crianças e adultos no palco central.

Apesar da divulgação científica não estar fortemente institucionalizada no Canadá na forma de cursos de pós-graduação e linhas de financiamento, ela é efervescente na prática e na produção acadêmica. Parte dessa profícua reação em prol da ciência está na atuação da Associação Canadense de Escritores Científicos (CSWA) , criada em 1971, e que mudou, há pouco, seu título para Associação de Escritores e Comunicadores Científicos do Canadá, como forma de incluir uma gama de profissionais que antes ficavam órfãos. A CSWA organiza encontros anuais, documentos e prêmios que incentivam jovens jornalistas, escritores de livros e divulgadores. “Acho que a maior parte do financiamento vem de cima para baixo, de organizações que atuam com o ‘engajamento’ público em ciência. Não há definitivamente iniciativas do governo”, afirma Michelle Riedlinger, que trabalha com comunicação ambiental no Departamento de Comunicação na Universidade do Vale Fraser.

Fato é que Vancouver tem o privilégio de ter duas grandes universidades: a Universidade de British Columbia (UBC) e a Simon Fraser (SFU) – onde realizo minha pesquisa de pós-doutorado –, que, em 2015, somaram 96 mil estudantes, e que organizam atividades sazonais, como o Café Scientifique da SFU e da UBC , incentivam seus alunos a explicarem suas pesquisas em 3 minutos (veja vídeo do vencedor de 2016 da SFU e UBC de 2017 para o público não especialista. E há ainda prêmios como o Excellence in Science Public Engagement and Outreach Award que reconhece o trabalho de engajamento público de funcionários, pesquisadores ou do corpo docente.

Há ainda outras universidades na cidade e arredores que elevam ainda mais a proporção de estudantes na população de 2,4 milhões, e participantes em potencial das atividades de divulgação científica. Os esforços das universidades são otimizados com parcerias e parte das criativas e atraentes atividades que elas e outros grupos independentes que organizam atividades em bares da cidade.

Diversão e ciência

Participei de dois desses eventos, divertidíssimos. O primeiro deles foi o Curiosity Collider que propõe uma colisão de ideias na fronteira entre ciência e arte. Os convidados, de áreas distintas, não apenas expõem seus pontos de vista, mas constroem algo juntos. A colisão entre o biólogo e especialista em abelhas Mark Winston e a poeta Renee Sarojini Saklikar, ambos da SFU, promoveu um emocionante e sensível diálogo sobre esses insetos sociais que estão na iminência de desaparecer. Em 20 minutos, ambos trouxeram aspectos sofisticados e doces sobre as abelhas. Mais do que uma performance para o público, a colisão entre ambos proporcionou a composição de uma série de poemas de Renee. A mim, a experiência motivou a leitura do livro Bee Time: Lessons from the Hive (Harvard University Press, 2014. Tradução livre para o português Tempo das abelhas: lições da colmeia), de Mark Winston, que tem agregado aprendizados e aumentado o meu fascínio por esses incríveis insetos. A publicação rendeu ao autor os prêmios Science in Society da CSWA, em 2014, e o Governor General Literary, de 2015, na categoria não ficção.

Foto: Germana Barata
Divulgação em momentos distintos: acima à esq., o público é convidado a contar piadas com conteúdo científico antes do início do Anecdotal Evidence e Theresa Liao conta sobre sua primeira (e última?) observação de uma cirurgia como estudante de medicina; abaixo à esq., biólogo e poeta da SFU declamam poesia sobre abelhas no Curiosity Collider em fevereiro de 2017. Dra. Irene Andreu Blanco, pós-doutoranda da SFU e uma das premiadas, explica, em 3 minutos, como a medicina utiliza nanopartículas para “fritar” tumores cancerígenos.

Outra feliz surpresa foi vivenciar o Anecdotal Evidence. Mais humorístico e variado, o evento de 23 de março trouxe ao palco 8 convidados, jovens cientistas ou pós-graduandos, para compartilhar experiências esdrúxulas, curiosas ou hilárias. Uma forma de trazer a imagem do cientista para o chão, como indivíduo que também passa por apertos e situações pouco glamourosas, que podem ou não estar diretamente relacionadas à ciência, mas ao final há a “moral da história” ligada ao mundo científico. A viagem para coleta de amostras biológicas que encontrou em uma tempestade de dez horas de duração; um canadense preso no Japão por ter esquecido o passaporte em casa; um químico que em uma distração no laboratório explode seu experimento; uma estudante de graduação que foi assistir a uma cirurgia de transplante sem tomar café da manhã; e uma bióloga marinha que sonhava em trabalhar com mamíferos, mas acabou se tornando uma especialista em zooplâncton, estão entre os “causos” contados ao palco de um bar lotado, pleno de risadas e descontração, aos moldes de uma legítima comédia stand-up.

Há tantos outros eventos ainda para participar, entre os quais o Nerd Nite Vancouver, o D.R.I.N.K.S. (Discussions Relevant to Inspiring New Knowledge and Science), sendo que alguns constam no calendário do Science in the City, que reúne uma agenda produtiva. Surpreendentemente, os eventos são geralmente pagos (5 a 10 dólares canadenses ou R$12,50 a R$25), como uma forma de cobrir os custos e limitar o público, que costuma encher os espaços. “A maioria das pessoas que organizam estes eventos trabalha diariamente, então estes eventos não produzem fortes retornos financeiros para nenhum deles. Por isso acredito que, para a maioria, a motivação é simplesmente a paixão pela ciência e curiosidade”, afirma Theresa Liao, uma das organizadoras do Curiosity Collider e coordenadora de comunicações do Departamento de Física e Astronomia da UBC.

Combinação de incentivos

Diante de uma rica produção de divulgação científica é surpreendente que o primeiro curso de mestrado em divulgação científica tenha sido inaugurado apenas em 2016 no Canadá, pela Universidade Laurentian, Ontário. Mas a combinação dos altos índices de educação na população, cerca de 55,2% possui nível superior, a intensa participação e interesse da comunidade universitária, e agências de financiamento de pesquisa que exigem atividades de divulgação dos resultados das pesquisas que financiam, estão entre os principais elementos do sucesso.

Há ainda a presença de temas científicos em espaços culturais da cidade. Os 24 centros comunitários que oferecem atividades culturais (esporte, arte, línguas, clubes de leitura, piscinas, etc) para a população, de graça ou a baixo custo, sempre incluem alternativas que incentivam crianças a mergulhar no mundo científico. Electro Science e Science Discovery, no centro comunitário Sunset; Robokids Simple Machine oferecida em Mount Pleasant; Little Einsteins Summer Camps no Trout Lake estão entre algumas das opções no atual calendário, muitas das quais atuam em parceria com os museus e universidades locais.

Apesar de o Canadá não ser considerado nenhum exemplo de divulgação científica, e suscitar críticas sobre a qualidade da cobertura de ciência nos jornais e revistas, há aqui uma interessante amálgama que fortalece e otimiza os esforços de divulgação científica em Vancouver. Centros produtores de ciência, como as universidades, e de atendimento ao público, como os museus, aquários e planetários, colaboram em uma rede que promove a ciência como bem cultural para estudantes, visitantes e moradores. Tomo aqui o domo geodésico do Museu de Ciências da cidade ou os favos de mel para simbolizar o resultado de esforços menores de cada um desses atores, mas que no conjunto da obra promovem uma divulgação da ciência forte e culturalmente enriquecedora.

 

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