Germana Barata Germana Barata é pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), Unicamp, e pesquisadora visitante da Universidade Simon Fraser, no Canadá, com Bolsa Fapesp (Processo 2016/14173).
É membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC) e uma das autoras do blog Ciência em Revista.

Mudanças em direção a uma comunicação científica mais múltipla e aberta

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Ilustração: Luis Paulo Silva Debruçar sobre as métricas alternativas, as chamadas altmetrics (altimetria, em português), na pesquisa acadêmica, significa passar pelo trabalho de Priem e Piwowar. Jason Priem é um dos autores do Altmetrics: a manifesto, de 2010, formando com Heather Piwowar uma bem-sucedida dupla que culminou na empresa ImpactStory. Inicialmente, uma ferramenta que oferece a pesquisadores uma avaliação sobre o impacto de suas publicações (sejam elas artigos, blogs, softwares e livros, entre outras) no espaço online, o ImpactStory se transformou em uma empresa que acaba de fechar uma parceria com o gigante e prestigioso Web of Science (WoS), um indexador de revistas científicas internacionais.
 

Foto: Reprodução
Germana Barata conversa com Jason Priem sobre acesso aberto e altimetria em agosto de 2017

Ainda recém-chegada em Vancouver, passei pela sala de meu supervisor, Juan Pablo Alperin, e fui apresentada a Jason e Heather rapidamente, em meio a uma reunião. Quando retornei à minha sala, me dei conta de que se tratava da dupla Priem & Piwowar! Felizmente tive a oportunidade de encontrar Jason para uma conversa de uma hora numa das dezenas de cafés Starbucks espalhados pela cidade.

Apesar da ausência de Heather, Jason enfatizou que os créditos aos inúmeros projetos sobre os quais conversamos precisam ser dados a ambos. Este jovem historiador-empreendedor, mestre em ciências sociais e doutorando em ciência da informação pela Universidade de North Carolina at Chapel Hill, é americano, reside em Vancouver há três anos e trabalha intensa e apaixonadamente para valorizar e universalizar o acesso à produção do conhecimento científico. Vestido de camisa camuflada e falando sobre altimetria e acesso aberto de publicações científicas, me lembrou um ativista, como vários colegas que escolhem se dedicar à ciência, na qual sua atuação está além do desejo de ser citado, mas anseia uma mudança na cultura acadêmica.


Por análises mais diversas

O conceito de altimetria foi inaugurado em um tweet que Jason compartilhou em setembro de 2010, quando os conceitos ainda variavam para se referir a métricas extraídas a partir de compartilhamentos de artigos científicos em redes sociais ou online. “Gosto do termo #articlelevelmetrics, mas ele falha no significado de ‘diversidade’ de medidas. Ultimamente, tenho gostado de #altmetrics”, postou, originalmente em inglês, na rede social Twitter.

Nestes 7 anos, o manifesto que propôs métricas alternativas (e complementares) às criticadas métricas tradicionais (como o fator de impacto e as citações), a altimetria conquistou estudiosos, revistas científicas, repositórios, eventos acadêmicos próprios, e tem ajudado a ampliar o espectro da avaliação relativa ao alcance e impacto das publicações acadêmicas.

A altimetria considera os usos de artigos e documentos científicos a partir do engajamento em redes sociais (curtidas, compartilhamentos, comentários, tweets e retweets), acesso (downloads, acessos) ou menção (numa notícia de jornal, Wikipédia ou em um documento governamental, por exemplo). Trata-se de um esforço de dar visibilidade a outros usos da informação científica, sobretudo pensando além dos muros da comunidade acadêmica, considerado como o impacto social da ciência. Para a divulgação científica, a altimetria possibilita uma forma prática de mostrar a importância de dialogarmos com a sociedade, mesmo que as ferramentas ainda sejam limitadas (tema de uma coluna futura).

Jason avalia que os indicadores hoje tradicionais inaugurados por Eugene Garfield – fundador do prestigioso Institute of Scientific Information, que produziu o indexador Web of Science (WoS) – na década de 1960, levaram décadas para impactar as políticas científicas no mundo inteiro e serem incorporadas à cultura acadêmica. É natural, portanto, que a altimetria ainda esteja engatinhando. “Na realidade, a altimetria é mais difícil, conceitualmente, do que as citações, pois ela parte de fontes diferentes, de locais que não necessariamente contam com revisão por pares e de provedores distintos que podem desaparecer”, explica. É em função dessa característica multifatorial e arbitrária que ele defende que o Altmetric (empresa que tem sido bastante usada por grandes editoras e indexadores para produzir métricas alternativas e que abastece a comunidade de altimetria com dados para pesquisa) não se transforme em mais um número para avaliar o trabalho dos pesquisadores.

Ocorre que a pontuação de um artigo no Altmetric, por exemplo, é fruto da soma de diferentes pesos recebidos a partir do compartilhamento em 11 diferentes plataformas (entre elas o Facebook, Twitter,  sites de notícias jornalísticas, blogs, Wikipédia, documentos governamentais etc). Portanto, analisar a performance de um artigo no Altmetric não deve se limitar ao número, como tantos outros indicadores se tornaram.


Ousadias e potencialidades

Apesar de a comunidade de altimetria estar crescendo, Jason lamenta que ainda haja poucos estudos que apliquem abordagens de aprendizado de máquina, inteligência artificial para explorar eventos altimétricos individuais, menos voltados à análise quantitativa, que ele mesmo lembra já ter explorado.

A altimetria também pode nos ajudar a selecionar conteúdo relevante (curadoria), mas a partir de outras perspectivas. “Claro que há sempre o risco de cairmos no que chamam de filtro bolha”, mas acredito que possamos construir algoritmos com certa independência que nos ajudem a encontrar informações fora da bolha. “Eventualmente chegaremos lá, e a Conferência de Toronto [Altmetrics17] que se aproxima [de 26 a 30 de setembro] trará, espero, pesquisadores investindo nesta direção”.


Ampliando o acesso a artigos

Dentre as redes sociais, Jason prefere usar o Twitter, sobretudo do ponto de vista profissional. Mas, no momento, ele confessa estar usando menos do que gostaria em função das parcerias estabelecidas recentemente. Uma delas realizada por meio da Clarivate Analytics  com o Web of Science (WoS) com o objetivo de indicar aos usuários quais artigos desta coleção de revistas científicas estão em acesso aberto (gratuito para o leitor). Embora muitos artigos da WoS sejam publicados em revistas de acesso restrito (pago por instituições como a Capes  ou as bibliotecas universitárias, por exemplo) parte deles é arquivado em repositórios, como faz a Unicamp,  e pode ser acessada de modo aberto. “Estamos felizes em trabalhar com qualquer um que queira investir em acesso aberto. Porque o WoS é bastante usado achamos que [essa parceria] fará diferença”.

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Reprodução da busca por um artigo da Nature disponível em acesso aberto indicado pelo cadeado-aberto verde ao lado direito

A parceria com o WoS já é um desdobramento da plataforma Unpaywall lançada pela ImpactStory em maio deste ano e que descomplica a tarefa de acessar artigos em acesso aberto. Depois de baixar o software no Firefox ou Chrome (browser), o artigo procurado trará o ícone de um cadeado aberto verde quando existir uma opção em acesso aberto (AA). Basta clicar no ícone para acessá-lo de forma legal. Para quem estava com a consciência pesada em usar o SciHub que está sendo processado pelas editoras científicas Elsevier e a Sociedade Americana de Química (ACS) por compartilhar artigos de acesso restrito ilegalmente, – está aí uma excelente opção para ter mais acesso ao conhecimento científico. O Unpaywall já soma mais de 110 mil usuários.

“Há empresas fazendo algo bem parecido ao Unpaywall. Acreditamos que esta série de novas ferramentas está criando um mundo no qual o acesso aberto não é apenas uma forma de publicar ou buscar [informação científica], mas algo que muda a forma de enxergarmos a literatura científica, de trabalhar em pesquisa, porque ela passa a estar integrada ao fluxo de trabalho (workflow)”, conclui Jason. 

Em artigo preprint submetido à PeerJ, Jason e coautores preveem que o acesso aos artigos será 100% aberto até 2040. “É muito tempo, talvez seja mais rápido, mas mesmo em uma perspectiva pessimista será em nossa vida. Na realidade, estamos falando de algo sem precedentes na história humana. O conhecimento humano de ponta estará disponível gratuitamente a qualquer um que tenha acesso a um computador. O céu é o limite e coisas incríveis podem acontecer! Não apenas pessoas, mas também computadores eventualmente terão acesso a todo corpus de conhecimento acadêmico produzido”, projeta.

Uma dessas conversas que nos deixa otimistas em relação às mudanças no acesso e na prática da publicação científica que já estão a caminho. Para acelerar o processo, seria desejável que universidades e agências de fomento incentivassem e conscientizassem pesquisadores e estudantes a usarem e aperfeiçoarem essas ou novas ferramentas para uma comunicação acadêmica mais múltipla e aberta.

Foto: Reprodução

* Tema ainda sem representação icônica na web

Para mais detalhes, acesso o artigo "The State of OA: A large-scale analysis of the prevalence and impact of Open Access articles" de Piwowar e colegas na PeerJ (2017).    

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