Em 2021, o fenômeno caracterizado pela alta generalizada de preços, popularmente conhecido como inflação, passou a ser percebido com muita mais intensidade pelos consumidores. Mesmo sendo evidente a corrosão do valor monetário, expressa na redução da quantidade de produtos no carrinho de supermercado que uma família conseguia comprar, as crescentes taxas inflacionárias ainda não recebiam a atenção que deveriam na chamada grande mídia. Outras taxas, como a de internações e a de óbitos provocados pela pandemia da Covid-19, eram as notícias prioritárias.
Os dados divulgados apontando a aceleração dos preços pareciam ser bem inferiores à experiência prática que o consumidor comum vivenciava. Produtos que quase dobraram de preço em menos de um ano, por exemplo, contrastavam com os índices oficiais usados para medir a inflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulado em 12 meses até junho de 2022 está em cerca de 12%.
Em 2022, com a maioria da população vacinada e com a queda do número de mortes provocadas pela Covid-19, um clima de maior segurança permitiu o relaxamento das restrições sanitárias e diversas atividades presenciais foram retomadas. A pandemia ainda não acabou, mas a vida segue.
Nos últimos meses, os recordes inflacionários nos Estados Unidos e a constatação de que muitos outros países também enfrentavam o mesmo problema econômico, fez com que a imprensa seguidamente repetisse que a inflação atual é um fato mundial. Faz sentido a afirmação, porém é um grande equívoco atribuir-se a causa desse processo unicamente a fatores externos, como se fosse uma misteriosa e inevitável onda mundial que isentaria os governos locais de qualquer responsabilidade.
Um dos principais causadores do aumento generalizado de preços que os consumidores sentem no bolso é a fortíssima expansão da base monetária que vários países promoveram em 2020. Aumentou-se o total de moeda em circulação e as reservas dos bancos comerciais foram mantidas no Banco Central.
No Brasil, registrou-se uma expansão monetária de R$ 316,6 bilhões em 2019 para R$ 431,5 bilhões em 2020. Ainda que o processo tenha começado a se reverter em 2021 e atualmente a base esteja em R$ 402,2 bilhões, as consequências dessa expansão permanecem e o Banco Central vem sistematicamente aumentando a taxa básica de juros para tentar desacelerar a inflação.
Certamente, é relevante a influência do câmbio e de choques externos nesse processo, visto sermos uma economia aberta e sujeita a diferentes variáveis. A instabilidade de preços dos combustíveis e das commodities, bem como de insumos para diferentes setores, impactam a formação de preço dos produtos comercializados no Brasil, mas não devem ser apontados unicamente como os vilões da questão inflacionária.
A prescrição para se atenuar ou mitigar a perda do poder aquisitivo passa pela adoção de remédios que muitas vezes são amargos, mas necessários. A responsabilidade fiscal é uma das medidas fundamentais para se enfrentar o mal inflacionário.
Antes de se afirmar de maneira simplista que a inflação é um problema mundial, faz-se necessário um olhar para as políticas e práticas que foram adotadas em diversos países, como Estados Unidos e Brasil, pois nenhum governo expande a base monetária nacional da maneira como a ocorrida em 2020 sem as naturais consequências econômicas e sociais.
Em ano eleitoral, com alguns candidatos já prometendo desrespeitar o teto legal de gastos se forem eleitos e outros apoiando emendas à Constituição com a mesma intenção de afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal, a questão inflacionária no Brasil não parece estar sob controle. Ao contrário, atitudes populistas iludem e agravam ainda mais o problema, corroendo o valor da moeda e prejudicando todos os cidadãos, principalmente os mais pobres.
* Marco Milani é Economista, pós-doutor pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor da FCA/Unicamp.