O que nos desperta para a busca do conhecimento? Como mobilizar crianças e jovens para um exercício de reflexão, compreensão e transformação do mundo em que se vive? A escola do presente e do futuro estimulará o pensamento autônomo ou apenas o consumo de tecnologias e tarefas programadas por algoritmos e sistemas de avaliação? Tais questões, certamente, povoam o cotidiano de professores, familiares e educadores em suas angústias diante de desafios que surgem tanto pelas questões geracionais, quanto pela emergência de novos recursos e das aceleradas transformações do tempo presente.
As respostas catastróficas e seus sinais são mais simples de serem identificadas em tempos sombrios e de desesperança. Mas, pelo desafio das dinâmicas de convivência e pelas questões que remontam a costumes e tradições antigas, podemos imaginar que somos seres que se reinventam e, mesmo em sua inconstância, são capazes de indagar a si e aos outros. Mesmo que tenhamos a pretensão da plena alienação sobre o que somos, a ponto de promover uma completa desumanização, sempre emergem indícios e sintomas que nos fazem refletir sobre as escolhas e as alternativas possíveis.
A reflexão é nosso instinto de sobrevivência diante dos colapsos que se avolumam. Nela reside a esperança diante dos impactos socioambientais, das crises político-econômicas que aparentam ser infindáveis e de toda e qualquer situação-limite que se experimenta. Porém, para refletir é necessário haver algum deslocamento de si. A percepção de outros sujeitos, outras realidades e contextos, demanda uma abertura que pode ser estimulada pelo processo educacional e que nos reabilita como sujeitos que constroem o presente e o futuro. A convivência com a diferença e as relações com o outro são os caminhos possíveis para nossa ressignificação.
Espanto/admiração: atitudes para despertar o conhecimento
Se as pessoas se perguntam sobre determinadas coisas é por manifestar, como disse Aristóteles, um desejo natural de conhecer. O saber é obtido a partir do exercício da indagação. O pensamento filosófico, por exemplo, é fruto de uma necessidade: a de conhecer, a de compreender a realidade em seus múltiplos aspectos. O saber, portanto, não é uma dádiva, mas uma possibilidade a ser construída e produzida pelas pessoas.
Se aproximarmos o pensamento sistemático à Filosofia, devemos observar que há atitudes que levam à elaboração desse pensamento. A admiração, como sinalizaram Platão e Aristóteles, é o ponto de partida para o conhecimento. O sentido grego da palavra admiração é espanto. Quando estamos diante de uma situação diferente, inesperada, temos uma atitude de admiração e esta atitude é ponto de partida para o ato de filosofar, pois nos leva à descoberta de nossa própria ignorância e à indagação sobre o que ignoramos.
A vida em sociedade, por exemplo, faz com que convivamos com determinados padrões estéticos, morais, políticos etc. Quando algo nos é apresentado fora do que esperamos, nos perguntamos: como isso é possível? As pessoas possuem um determinado padrão ou código de beleza, no entanto, vez ou outra surpreendem-se com uma obra de arte que pode ser mais bela ou então, que não possui os critérios de beleza imaginada. Diante desse espanto/admiração, inicia-se um processo de questionamento que leva à ampliação da compreensão sobre o que é o belo. Assim como a beleza, o mesmo ocorre com outros temas: o processo das grandes teorias e descobertas científicas tem procedimento similar.
A atitude da admiração, quando desperta para certas interrogações, é a manifestação do desejo de saber do qual falou Aristóteles. A admiração, no entanto, só despertará as pessoas para o conhecimento se elas forem capazes de indagar sobre si e suas práticas. Se a admiração não servir para ampliar horizontes, através de questionamentos rigorosos, ela pode provocar uma atitude alienante e dogmática, o que é o oposto do que se busca com a reflexão filosófica. Diante do espanto as pessoas podem se render aos encantos e medos, despertando uma admiração ingênua, tornando-as passivas ou figuras amedrontadas que não questionam, não problematizam e, simplesmente, admitem que existem coisas desconhecidas, mas não se atrevem a indagar sobre elas.
A mesma admiração que é o ponto de partida para o exercício do pensar, pode ser um comportamento que preserva a ingenuidade e não leva ao questionamento. O que vai diferenciar é o modo como as pessoas reagem diante de questões que surgem a partir de seu cotidiano.
Outros caminhos
As tantas possibilidades de ação se abrem em infinitas perspectivas e experiências. A proliferação de alternativas é quase tão desoladora quanto a ausência de perspectivas, pois remetem à ideia de soluções microscópicas que renegariam uma dimensão coletiva e política, no sentido mais amplo. Mas tal questão é falsa, pois o universo de questões e problemas não saturam nossa capacidade de respondê-las em conjunto. As aprendizagens ocorrem tão somente quando nos expomos ao mundo e à sua pluralidade.
A admiração deve nos instigar a perceber que o pensamento não emerge apenas com os problemas expostos, mas também com as questões que são silenciadas, tornadas invisíveis ou mesmo rejeitadas. As experiências precisam ser compartilhadas em diferentes grupos: amigos, familiares, escolas, associações, coletivos etc. As angústias e os desafios devem ser compartilhados como uma forma de mediação entre o que somos e o que pretendemos com nossas experiências, incluindo limitações e precariedades, em um outro devir.
É desta capacidade de pensar, de reelaborar experiências, que podem vir as respostas diante do que consideramos ser ameaças ao ponto onde estamos. Não é a tecnologia que nos ameaça como pais, professores, educadores e cientistas, mas a fadiga que tem nos roubado tempo e criado a visão de que tudo é insuficiente, que tudo o que se faça será inútil.