Na história do vestibular da Unicamp há muitas concepções, colaborações e perspectivas de análise sobre seus impactos e desdobramentos. Como instrumento de admissão há perfis e expectativas que impulsionam tanto os candidatos quanto a comunidade universitária reunida em torno de seus 67 cursos de graduação. Às vésperas do encerramento das inscrições para o vestibular 2018 e considerando-se as mudanças previstas para sua próxima edição, é necessário pensar de forma ampla sobre as políticas de ingresso e os alcances das escolhas que serão realizadas pela universidade.
Quando o professor Rubem Alves, em 15 de outubro de 1985, propunha a criação de um vestibular próprio para a Unicamp ele registrou que sendo “inevitável que haja um processo de seleção daqueles que vão ingressar em nossas universidades, é necessário não nos esquecermos de que há muitas alternativas ainda não exploradas de se fazer isto”. [I] A observação continua atual, considerando-se que, como nas principais universidades do mundo, a variedade de critérios de admissão pode reduzir as desigualdades de acesso e fortalecer a pluralidade de pessoas, saberes, histórias e experiências que estimulem a produção de outros conhecimentos e modos de ler o mundo.
Confiar em uma única medida de ingresso pode engessar as expectativas de jovens e minar a capacidade criativa dos que são responsáveis por oferecer e desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão. A série de alternativas que a Unicamp debaterá, também nos próximos dias, sobre o modelo de efetivação das cotas étnico-raciais, a criação de um vestibular indígena, o aprimoramento do Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS), a possível expansão do ProFIS, a oferta parcial de vagas pelo SISU, além de outras alternativas, fazem coro a outros aspectos assinalados no debate sobre a criação do Vestibular Unicamp.
A conexão entre os vestibulares e o ensino médio, à época 2º grau, era criticada por Rubem Alves no ofício de 1985. O educador observava que as escolas, por causa do vestibular, estavam “cristalizando e institucionalizando uma série de deformações que vão desde o estreitamento do interesse dos jovens e o desperdício da inteligência até a injusta seleção preliminar que elimina as classes menos favorecidas”.
Em muitos sentidos, o Vestibular Unicamp, a partir dos propósitos de seus inúmeros colaboradores, inovou ao longo de três décadas. Mas, também é fato notório, que as transformações sociais, educacionais, científicas e culturais andaram a uma velocidade superior à capacidade de detectar de forma precisa tantas alterações que caibam num sistema de seleção e classificação de ingressantes. Os conhecimentos, tomados como algo quase corriqueiro, nos chegam por lugares diversos e as intermediações com o mundo que nos cerca tornaram-se ainda mais complexas. Uma prova, por mais abrangente que seja, é sempre limitada aos procedimentos, conteúdos e proposições que apresenta. A capacidade de pensar, estabelecer relações, elaborar hipóteses e interpretar procedimentos científicos e processos sociais requer contínuas análises, críticas e aperfeiçoamentos.
“A ciência fica mais bela quando compreendida como uma aventura de homens e mulheres como todos nós” [II]
Outra ideia de Rubem Alves é que os saberes não podem ser ensinados apenas como fórmulas e resultados exitosos. As tentativas, os erros e a imaginação não são, de forma geral, valorizadas nas experiências educacionais da educação básica. Uma prova de seleção, como o vestibular, pode ser indutora de outras formas de perguntar, de sugerir relações e, de algum modo, dialogar com o ensino fundamental e médio.
Tais questões, entretanto, não escapam de um dado que nunca pode ser ignorado: a educação ocorre em condições concretas e de realidades muito variadas. A desigualdade de oportunidades, por exemplo, é uma realidade que impacta os pressupostos da universalização da educação. Nesse sentido, a frustração do professor Rubem Alves foi enorme: o vestibular podia induzir algumas mudanças, mas não tinha o poder de alterar a ordem econômica, cultural e social que condicionava a aprovação em processos rigorosos e altamente seletivos.
O desafio que se apresenta, considerando-se as demandas da sociedade que mantém a universidade pública, é como avançar em outras formulações que perpassam os mecanismos de ingresso e as próprias provas que são realizadas. Os vestibulares podem incorporar outros perfis de questões e saberes?
Penso que sim e, como tal, as respostas aos desafios dos nossos tempos emergem a partir construções transparentes, debatidas publicamente e com o claro compromisso com os princípios de uma universidade pública, gratuita, autônoma e que expressa estar atenta a seu próprio tempo e ao dos estudantes que nela ingressam. As múltiplas escolhas que se abrem não devem ser vistas com temeridade, mas com a inquietude de uma universidade que pensa, ao mesmo tempo, de forma ousada e responsável, além de nunca ter se rendido à trivialidade e à comodidade.
[I] Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVES). Vestibular Unicamp: 30 anos. Campinas: Editora da Unicamp, 2016. p. 12.
[II] Rubem Alves. Proposta para os vestibulares Unicamp. 05/05/1986. Em: Vestibular Unicamp: 30 anos. Campinas: Editora da Unicamp, 2016. p. 38.