José Mario Martínez

José Mario Martínez, autor da coluna (In)exata, é professor emérito da Unicamp e docente do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc). Trabalha em Matemática, Otimização e Aplicações. Desde 1978, ano em que se incorporou à Unicamp, tem publicado artigos e orientado teses na sua especialidade. Atualmente é presidente do Conselho Científico Cultural do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) e coordenador de Engenharia Matemática do CRIAB (Grupo de Pesquisa e Ação em Conflitos, Riscos e Impactos associados a Barragens).

Algoritmos e Fundamentos

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Nos anos 50, crianças de nove anos aprendiam "a dividir". Tratava-se de um procedimento bastante complicado. No começo, a criança deveria indicar o número de dígitos do dividendo que seria adequado para descobrir o primeiro dígito do resultado. Imediatamente, era necessário acertar esse primeiro dígito, o qual, ao ser multiplicado pelo divisor, deveria fornecer um produto que, após ser subtraído do número formado pelos dígitos selecionados no começo, deveria produzir um "resto" menor que o divisor. Para este processo, era imperioso saber a "tabuada" de cor. Realizado o primeiro passo, o resto antes obtido seria acrescido do seguinte dígito do dividendo, e o processo se repetia até esgotar seus dígitos. Dessa maneira, podia ser afirmado que o resultado era um número, e o resto era outro número necessariamente menor que o divisor. O processo se complicava se dividendo ou divisor não fossem números inteiros, ou no caso em que se desejasse um resultado com decimais depois da vírgula. Para estes casos, a criança era treinada com malabarismos específicos.

É provável que nenhuma criança entendesse o significado de dividir 37.432 por 0,0371. Entretanto, com maior ou menor destreza, todas aprendiam "a dividir". Esta aprendizagem era posterior à de "multiplicar", e ambas eram precedidas pelas habilidades de somar e subtrair. Antigos dogmas pedagógicos estabeleciam que, nos sete anos de ensino fundamental, as crianças deveriam dominar bem "as quatro operações". O momento de aprender a calcular "a raiz quadrada" era esperado com ansiedade, nas aulas de matemática do ensino médio, por adolescentes ansiosos em descobrir o valor da hipotenusa conhecendo os catetos de um triângulo retângulo.

Em 2023, um pai dedicado se preocupava em explicar à sua filha de 10 anos a razão pela qual o número 2,8 é maior que 2,795. Nas aulas de matemática da escola de elite que a menina frequentava, este fato insólito era cuidadosamente explicado usando frações, diagramas e exemplos engenhosos. Esta situação preocupante acabou quando o pai decidiu apelar para "o algoritmo". Em vez de fundamentar a razão mais ou menos profunda pela qual 2,8 é maior que 2,795, ele ensinou uma regra simples que permite reconhecer se um número com decimais é maior ou menor que outro. Naturalmente, a jovem interpelada entendeu a regra imediatamente e foi capaz de resolver em instantes o exercício que solicitava ordenar um conjunto de 7 números (com decimais) de menor a maior, sem cometer nenhum erro.

Nos anos 80, o fundamentalismo matemático estava no apogeu. Algumas escolas chegaram à conclusão de que os alunos fracassavam na compreensão dos fundamentos das operações devido a seus pais e mães desconhecerem tais fundamentos e negligenciarem o auxílio eventualmente solicitado por seus filhos e suas filhas. Para sanar esse problema, organizaram aulas para mães e pais, nas quais os adultos eram instruídos a resolver problemas simples, vinculados às quatro operações, usando argumentos "fracionários" rigorosos. O experimento serviu para constatar que mesmo adultos treinados em "ciências exatas" apelavam para os algoritmos tradicionais aprendidos na infância, fingindo de maneira constrangedora que acompanhavam o credo fundamentalista.

É bem sabido que, desde o nascimento, as crianças são alimentadas com doses maciças de dados e receitas (algoritmos). Sua capacidade para lidar com esse tipo de informação é enorme. Crianças aprendem a falar uma língua, a nadar e a dividir sem maiores dificuldades. Parece que essa capacidade tem sido útil, ao longo da evolução, para alicerçar a posição que nossa espécie assumiu na Natureza. As crianças dos anos 50 aprendiam a dividir com relativa facilidade, da mesma maneira que as atuais aprendem a manejar um celular com maior eficiência que seus avós. Se as aulas tradicionais eram caracterizadas pela ominosa "decoreba", isto se deve, em grande parte, a que na primeira infância a "decoreba" é possível. Abandonar a capacidade de aprender algoritmos no ensino fundamental, em prol de dogmas do tipo "tudo deve ser fundamentado", parece um desperdício destinado ao fracasso. Corre-se o risco de não aprender uma coisa nem a outra.

Com o tempo, deixamos de aprender algoritmos e armazenar dados e viramos fundamentalistas. Um respeitado biólogo de 60 anos que, nos anos 80, decidiu usar computadores, pretendia começar com a compreensão da física dos circuitos associados ao seu funcionamento básico. Um famoso analista numérico falecido idoso há quatro anos deixou um legado de programas de computador em uma versão da linguagem Fortran anterior a 1977, pois durante mais de 40 anos tinha se recusado a aprender novas técnicas de programação. (Para sermos justos, tais programas não são menos eficientes que os elaborados com técnicas modernas para resolver problemas similares.) Passamos a ser fundamentalistas porque, com o tempo, perdemos a capacidade de aprender algoritmos? Certamente, não teríamos chegado ao domínio atual da Natureza se não tivéssemos tido a capacidade de transcender os algoritmos e aproveitar a capacidade multiplicativa dos fundamentos. Será que nossa progressiva deficiência algorítmica ao longo da vida representou uma vantagem evolutiva?

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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