Consideremos um número inteiro qualquer, ao qual chamaremos n. Elevamos n à potência 17 e somamos 9. Dessa maneira obtemos o número A(n). Analogamente, chamaremos B(n) ao número que resulta de elevar n + 1 à potência 17 e somar 9.
Assim, quando n = 1 teremos que A(n) = 10 e B(n) = 131081. Os divisores de A(n), ou seja, os números pelos quais se pode dividir A(n) dando um número inteiro são 2 e 5. (Também o 1, mas esse não importa porque não tem graça.) Os divisores de B(n) são 6899 e 19.
Agora consideremos n = 2. Nesse caso, temos que A(n) = 131081 e B(n) = 129139172. Os divisores de A(n) são 6899 e 19. Entretanto, os divisores de B(n) são muitos, um total de 143, mas nenhum deles é um divisor de A(n).
Se consideramos, com muita paciência, sucessivos valores de n, como 3, 4, 5 etc., verificaremos que nunca há divisores de A(n) que também sejam divisores de B(n). Isso nos leva a uma conjetura: que os números A(n) e B(n) assim calculados não têm divisores em comum, independentemente do valor de n que lhes dá origem.
Alguém verificou que essa conjetura é verdadeira para todos os valores de n menores que
8424432925592889329288197322308900672459420460792433.
Isso significa que a conjetura é verdadeira para todos os casos, ou seja, para todos os números inteiros? No primeiro ano de disciplinas “de Exatas” ensinamos que não. Há maneiras de provar que uma propriedade é válida para todos os números inteiros, a mais popular das quais é a baseada no “princípio de indução”, mas a verificação da sua validade para 1, 2, 3, 4, 5 e muitos outros números, consecutivos ou não, de fato não prova sua validade para todos os números inteiros.
Entretanto, na “vida real”, quando temos uma conjetura, uma teoria ou uma hipótese e a submetemos a um número razoável de confrontações com os fatos, ficamos bastante satisfeitos e consideramos que o processo de “corroboração” está cumprindo seu dever. Por outro lado, se formos suficientemente honestos, abandonamos nossa conjetura quando encontramos que um fato contradiz alguma de suas consequências.
Não é verdade, como se sugere nas interpretações vulgares do “refutacionismo” de Karl Popper, que os cientistas passem a vida inventando e submetendo a confrontação com a realidade diferentes teorias, na espera de encontrar algum fato que as refute. Como são seres humanos, os cientistas adoram que suas teorias estejam corretas e o processo de confrontação tem um viés inevitável a favor da corroboração. Naturalmente, teorias falsas podem ser refutadas por outros cientistas, mas é mais provável que terminem “esquecidas” em vez de “refutadas”. Novamente, é a penosa humanidade dos cientistas a que faz com que a extinção de muitas teorias se produza por esquecimento e não por refutação popperiana. Por outra parte, a vida cotidiana de muitos cientistas consiste em coletar e validar fatos e mais fatos, com pouco contato com a tríada Hipótese-Confrontação-Refutação. Paradoxalmente, os matemáticos são os mais contumazes colecionadores de fatos, pois os fatos da Matemática são os teoremas.
O que chamamos “negacionismo” no século XXI é a não aceitação de fatos ou a não aceitação de hipóteses suficientemente corroboradas. A aceitação dos fatos é uma questão de sobrevivência.
Continuamos povoando este planeta porque reconhecemos que um tigre é diferente de um gatinho e que o fogo queima, mas serve para cozinhar alimentos. Por outro lado, também aprendemos que um grau elevado de corroboração empírica garante que seja conveniente (útil) aceitar determinadas hipóteses, “científicas” ou não. Associada a cada disparate negacionista há um conjunto de decisões desastrosas que levam a diferentes tipos de destruição individual ou coletiva.
Entretanto, na própria “definição” de negacionismo rascunhada acima transita uma inevitável nebulosa: o que significa “suficiente corroboração”? Boa parte das respostas a essa pergunta jaz nos fundamentos da probabilidade e da estatística, mas é prudente aceitar que não há respostas contundentes para todos os casos. O negacionismo escancarado é geralmente detectável e descartável, mas a dúvida racional e a inspeção crítica dos fatos e das teorias não devem ser substituídas pela aquiescência ingênua. Esse tema será discutido outras vezes nesta coluna.
Os leitores estão convidados, por fim, a aventurar sua própria conjetura. Dissemos acima que a inexistência de divisores comuns entre A(n) e B(n) era válida para
n < 8424432925592889329288197322308900672459420460792433.
Será válida para n = 8424432925592889329288197322308900672459420460792433?
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