José Mario Martínez

José Mario Martínez, autor da coluna (In)exata, é professor emérito da Unicamp e docente do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc). Trabalha em Matemática, Otimização e Aplicações. Desde 1978, ano em que se incorporou à Unicamp, tem publicado artigos e orientado teses na sua especialidade. Atualmente é presidente do Conselho Científico Cultural do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) e coordenador de Engenharia Matemática do CRIAB (Grupo de Pesquisa e Ação em Conflitos, Riscos e Impactos associados a Barragens).

Rand e Greenspan

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É frequente que o adolescente imagine que está só no universo, que toda a realidade é falsa e, talvez, criada por entidade sobrenatural com objetivos provavelmente incognoscíveis. Se, no Ensino Médio, se encontra com a filosofia de Descartes e com o argumento do gênio maligno, se identifica de maneira entusiasta com este tema. De fato, é uma boa motivação para estudar Filosofia.

Solipsismo é mais ou menos isso. Só existo eu e minhas experiências. Qualquer pessoa pode perseverar nesse ponto de vista enquanto, na presença de outras, mesmo que ilusória, se comporte com prudência.

Na sua juventude, Alan Greenspan radicalizou seu solipsismo. Descartes tinha afirmado que, pelo menos, o fato de que estava pensando garantia que ele, Descartes, existia. O jovem Greenspan afirmava duvidar de sua própria existência. Sabemos disso por sua autobiografia. Vestido rigorosamente de preto, com ar soturno, frequentava o círculo de Ayn Rand que, sem parar de fumar, tirava sarro dele: "Aqui vem nosso jovem que não sabe que existe".

Ayn Rand era uma pessoa interessante. Fervorosamente individualista e materialista, pregava que todos os seres humanos eram e deviam ser radicalmente egoístas e cuidar apenas de si mesmos. Negava qualquer tipo de solidariedade e arguia que todos os relacionamentos deviam ser mediados pela troca de serviços e bens. No seu livro "A Revolta do Atlas", uma incrível sequência com mil páginas de disparates, um genial filósofo abandona sua cátedra para comprar um barco pirata e assaltar os navios que levam ajuda econômica dos Estados Unidos a países necessitados. Depois, converte o butim em ouro e o devolve a seus legítimos donos milionários. Um brilhante empresário argentino, obrigado pelo governo populista a vender suas indústrias ao Estado, reage dinamitando todo seu patrimônio e mandando pros ares prédios, fábricas e fazendas.

Um crescente número de indivíduos brilhantes em suas áreas específicas, cansados da demagogia de governos preguiçosos e reformistas, se isola em um vale secreto para praticar a livre convivência entre superdotados. Quando a heroína, rica herdeira do dono das estradas de ferro de América do Norte, encontra o vale, se apaixona pelo herói supremo, um tal de John Galt, mas seu relacionamento é pautado pelo mais justo sistema de trocas: ambos combinam que o fato de um deles lavar os pratos exige o pagamento do outro em moeda de circulação legal de acordo com os valores de mercado. Este John Galt leva ao extremo sua concepção da perfeição individual. Quando é capturado pela polícia do Estado perdulário, pedem-lhe que ponha seu gênio ao serviço do governo. John diz que só o fará se, como primeira medida, seja abolido o Imposto de Renda. Incapazes de atender essa demanda, aplicam choques elétricos em John, mas, como são incompetentes, o aparelho deixa de funcionar. John Galt, com um suspiro, explica-lhes como consertá-lo.

Alan Greenspan não esclarece, em sua autobiografia, quanto tempo durou sua permanência no círculo de Ayn Rand. Talvez tenha se cansado do "bullying" ao qual era submetido por sua mentora. Prudentemente, estudou Economia e chegou à Presidência do Banco Central dos Estados Unidos (FED), nomeado por Ronald Reagan. Publicou suas memórias em momento inadequado: meses antes que a crise de 2008 aparecesse no horizonte. Em um dos últimos capítulos, estabelece seu credo. Em certo sentido, parece reviver o radicalismo de sua juventude. Só que, em vez de levar o solipsismo a suas últimas consequências (que incluem sua negação), passa a exagerar as funções da "mão invisível" de Adam Smith até fronteiras que o pai da economia política não parece ter alcançado. Inimigo de qualquer regulação, confessa que, como Presidente do FED, teve que consentir, com desgosto, em regulamentos do governo, impostos por pessoas que não tinham paciência de esperar que o Mercado alcançasse seus pontos de equilíbrio. Apesar disso, seu capítulo é pródigo em exemplos onde mostra como, em casos específicos, os modernos instrumentos financeiros operam com sabedoria colocando as coisas em seu lugar.

Como é sabido, o sistema desabou em 2008, e Alan Greenspan não foi chamado para consertar. Longe disso, em 2011, uma Comissão Bipartidária sobre a Crise Financeira jogou nele boa parte da culpa pela crise devido à sua insistência na desregulação da "indústria financeira". Em 2013, escreveu "The Map and the Territory: Risk, Human Nature, and the Future of Forecasting", um livro essencialmente autocrítico cujo título diz tudo.

Até hoje, com 97 anos, Alan Greenspan continua existindo.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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