Prof. Luiz Carlos Dias | Foto: Antonio Scarpinetti

Luiz Carlos Dias é Professor Titular do Instituto de Química da Unicamp, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e membro da Força-Tarefa da UNICAMP no combate à Covid-19.

Falta oxigênio, mas temos vacinas e ciência na veia

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No domingo, dia 17/01/2021, a Anvisa aprovou as primeiras vacinas para uso emergencial contra a Covid-19 no Brasil. Sem dúvida, um dia histórico para este país, que dá início a uma nova etapa no enfrentamento real à pandemia de Covid-19.

O uso emergencial é uma concessão temporária para que o país possa usar um lote de 6 milhões de doses da Coronavac, produzida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o nosso Instituto Butantan, e o lote de 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, provenientes do Instituto Serum da India, o maior fabricante de vacinas do planeta por número de doses.

O uso emergencial de vacinas no Brasil ocorre pela urgência em virtude da gravidade da pandemia e aumento do número de casos no Brasil. Como estamos observando, o vírus está se espalhando rapidamente pelo país, está sofrendo mutações e pode estar se tornando mais transmissível, o que pode levar a aumento considerável no número de infectados, de internação e, infelizmente, de óbitos. Como o comportamento humano também não ajuda muito, ainda estamos longe de vislumbrar uma saída, mas é um começo. O registro definitivo leva mais tempo, precisa de mais dados, de análise, de um estudo mais completo.

O que está acontecendo em Manaus reflete a decisão equivocada de não respeitar as medidas não farmacológicas como a importância do uso de máscaras, o distanciamento físico e o isolamento social. Lá eles não fizeram lockdown, continuaram vivendo a vida normalmente esperando atingir alto número de infectados e a tão propalada imunidade coletiva, de rebanho, que infelizmente não nos defende da Covid-19. Não faltaram alertas para o risco e hoje falta oxigênio até para bebês prematuros. O negacionismo científico cobra um preço caro, mas estamos todas e todos na torcida por nossos irmãos brasileiros de Manaus.

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Como são avaliadas as vacinas para uso emergencial

Para a solicitação do uso emergencial, algumas características devem ser obedecidas:

- Precisa ter fase 3 de estudos clínicos em andamento no Brasil;

- As doses aprovadas só podem ser usadas em públicos-alvo pré-definidos e durante um prazo pré-determinado, justificado pela pandemia;

- Neste caso, os grupos-alvo foram definidos como os profissionais da área de saúde na linha de frente ao combate à Covid-19, os voluntários que participaram da fase 3 no grupo placebo da CoronaVac, populações vulneráveis, idosos acima de 75 anos, indígenas e quilombolas;

- As doses aprovadas só podem ser administradas pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), distribuídas pelo nosso combalido, mas muito valoroso Sistema Única de Saúde (SUS), sendo de responsabilidade do Estado brasileiro;

- A concessão para uso emergencial será apenas enquanto durar a pandemia e pode ser revogado;

- A aplicação das doses é considerada de caráter experimental, as pessoas aceitam ser vacinadas de forma voluntária, não sendo obrigadas e sem qualquer sanção caso não queiram se vacinar, pois nesse caso, a vacina aprovada para uso emergencial é um produto considerado ainda em desenvolvimento, por isso precisa de um termo de consentimento livre e esclarecido;

- O uso emergencial não é registro sanitário definitivo, então as doses não podem ser comercializadas na rede privada, devem ser usadas apenas no PNI/SUS.

E após a autorização emergencial

Tanto o Instituto Butantan como a Fiocruz devem enviar de forma contínua para a Anvisa, todas as novas informações sobre segurança, eficácia, qualidade, pois as vacinas estão submetidas ao processo de avaliação contínua de risco/benefício.

As pessoas que tomarem as vacinas vão passar por monitoramento contínuo para avaliação de eventuais eventos adversos. É preciso vigilância de segurança.

O uso emergencial foi concedido para as 6 milhões de doses da vacina Coronavac, que já está em solo brasileiro e que vão ser utilizadas para imunizar 3 milhões de brasileiros, pois cada serão necessárias duas doses. O uso emergencial foi concedido ainda para os dois milhões de doses da vacina de Oxford, proveniente do Instituto Serum da India e serão utilizados para vacinar 1 milhão de pessoas. Contudo, estas doses do Serum indiano ainda não têm data definida de chegada ao país.

Todas as novas doses das vacinas produzidas aqui no Brasil pelo Butantan ou pela Fiocruz ou com outra procedência, devem passar por novos pedidos de uso emergencial até o registro definitivo.

Essa é a lógica de termos um licenciamento mais rápido, mas sem renunciar à segurança, qualidade e eficácia.

A CoronaVac já vem sendo aplicada em uso emergencial na China, Indonésia e Turquia, enquanto a vacina de Oxford, produzida pelo Instituto Serum da India vem sendo usada de forma emergencial na India e Bangladesh.

Os desenvolvedores de vacinas poderão solicitar o registro em caráter definitivo após submeterem toda a documentação completa com a comprovação de qualidade, eficácia e segurança das vacinas, incluindo todos os dados de estudos em todas as fases, 1, 2 e 3. Após o registro definitivo, aí sim, as vacinas poderão ser usadas para vacinação em massa, sendo distribuídas na rede pública e privada. É um processo mais longo.

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Estado de São Paulo trouxe a Coronavac

O governo do estado de São Paulo e o Instituto Butantan trouxeram a vacina Coronavac para o Brasil. Agora, nós todos esperamos que o governo federal inicie imediatamente o plano nacional de imunização, pois a vacina Coronavac é do Brasil e é a única vacina hoje em solo brasileiro. 

Uma enfermeira de São Paulo, negra, Monica Calazans, 54 anos, foi a primeira brasileira a ser vacinada, no dia 17/01/2021, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Ela atua na UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. O segundo brasileiro a ser vacinado foi o enfermeiro Wilson Paes de Pádua, de 57 anos, no hospital Vila Penteado, na Zona Norte de São Paulo. 

A terceira pessoa a ser vacinada foi a médica geriatra Fabiana Fonseca, da emergência do hospital Padre Bento, em Guarulhos. Neste mesmo dia também tivemos a primeira indígena vacinada no Brasil, Vanusa Kaimbé, de 50 anos, técnica de enfermagem e assistente social, que vive na "aldeia Kaimbé filhos da terra", em Guarulhos. E quem não ficou emocionado e não chorou ao ver estas cenas?

O dia 17/01/2021 realmente nos trouxe momentos únicos, com esperança, luz, uma possibilidade real de começarmos a sair desta pandemia e salvar vidas. Cada vida é igualmente preciosa e todas as vidas importam.

Parabéns ao Butantan e ao governo de São Paulo. Viva a ciência, viva as vacinas contra a Covid-19.

Vacinas salvam vidas

O nosso inimigo é o vírus, não as vacinas, vacinas são amigas da vida, salvam vidas. É o momento de celebramos e darmos os Parabéns ao Butantan, à Fiocruz, à Anvisa, a todos os envolvidos na vinda desta vacina e a todas e todos os profissionais de todas as áreas que estão lutando para defender o país na guerra contra o vírus. Agora precisamos de vacinas em doses suficientes para todas e todos, distribuídas gratuitamente, de forma equitativa, igualitária.

A vacinação está só começando e temos certeza que as imagens de pessoas sendo vacinadas vão contagiar quem está hesitante e mesmo aqueles que são contra as vacinas. Vamos espalhar empatia, sorrisos e esperança. E poderemos em breve, observar os efeitos colaterais da vacinação em massa, pois nós voltaremos a abraçar nossos pais, avós, filhos, amigos, as crianças vão voltar para as escolas, as universidades vão abrir, teremos a retomada da economia, todos vão voltar a trabalhar sem medo, teremos públicos nos estádios de futebol de ginásios, quadras esportivas, nós poderemos nos locomover, viajar, aglomerar, fazer reuniões, frequentar bares e restaurantes, festas e praias, sem culpa.

Neste momento, nós precisamos nos questionar como sociedade, em que mundo queremos viver, pois o que nós escolhermos enquanto coletividade, como nação, nos próximos meses, vai ditar como será o futuro deste país.
Abrace a causa da vacinação em massa e que venham milhões de doses de vacinas. Esse bracinho aqui está só esperando a vez na fila de tomar vacina e ciência na veia.

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Eficácia das vacinas

A narrativa em torno da eficácia das vacinas agora torna-se menos relevante. Com o início da vacinação, quando tivermos vacinas para todas e todos, independente da eficácia das vacinas, desde que nós tenhamos uma adesão em massa da população brasileira, nós começaremos a frear a disseminação do vírus e o espalhamento da doença. Mas precisamos de milhões de doses de todas as vacinas aprovadas pela Anvisa, ações concretas de conscientização e esclarecimento da população e alta cobertura vacinal. Nós precisamos de muito senso de responsabilidade social por parte da população, empatia, respeito a vida, chega de negação da ciência.

Vacina boa é a que for aprovada pela Anvisa e chegar primeiro em seu braço. Não dá mais para ideologizar as vacinas contra a Covid-19. E mesmo com o início da campanha de vacinação é fundamental ressaltar a importância das medidas não farmacológicas de combate à Covid-19, como o uso de máscaras, o distanciamento físico, o isolamento social e os hábitos de higiene.

Plano de monitoramento da Anvisa

A Anvisa montou um plano de monitoramento para o gerenciamento de riscos e efeitos adversos tanto dos medicamentos que vem sendo usados para tratamento precoce, como para as vacinas aprovadas para uso emergencial no combate à Covid-19. As informações serão inseridas no sistema VigiMed, que será conectado com o sistema e-SUS notifica. No pós-vacinação, naquilo que nós conhecemos como fase de farmacovigilância, as empresas desenvolvedoras de vacinas e os institutos de pesquisas colaboradores devem usar o sistema VigiMed para notificar eventuais eventos adversos e quaisquer ocorrências.

Anvisa e kit precoce

A Anvisa atuou como todos nós esperávamos, de forma isenta, democrática, republicana, como uma agência de Estado e não de governo, respeitando o seu compromisso com a saúde pública da população brasileira. Eu penso que fez uma análise técnico-científica com excelência, embora eu questione a parte de ausência de visitas técnicas à fábrica do Instituto Serum na India para verificar as condições de boas práticas de fabricação especificamente da planta de produção desta vacina, apesar de a agência afirmar que visitou a mesma no início de 2020.

A Anvisa também deixou muito claro durante as falas dos técnicos e diretores da Agência, que como não há terapias alternativas para combater a disseminação do vírus, não há tratamento precoce eficiente com medicamentos para o combate à Covid-19, o uso emergencial para amenizar o impacto da pandemia se justifica, pois estamos em um cenário que já ceifou as vidas de mais de 210 mil brasileiros. Infelizmente, nós sabemos que esses kits de medicamentos para tratamento precoce vêm sendo usados apenas no Brasil, como uma narrativa política. O número de curados é elevado, felizmente, mas é assim no mundo inteiro. Nós estamos falando desde março de 2020 em cloroquina, ivermectina e azitromicina, mas a ciência não conseguiu demonstrar qualquer tipo de benefício, infelizmente.

Quem fala em número de curados, deveria ter em mente que o número de curados é alto em todo o planeta e deve-se ao próprio sistema imunológico das pessoas combatendo o vírus e a nossos valorosos profissionais da saúde que lutam corajosamente contra o vírus, além de todo o conhecimento adquirido pela ciência e adotado por intensivistas, profissionais da saúde e médicos na linha de frente.

O número de curados no Brasil hoje é em torno de 7 milhões e 410 mil pessoas, com cerca de 210 mil mortes, mas o número de curados deveria incorporar cerca de 70-80% destes brasileiros que foram a óbito, que foram abandonados, então o número de curados deveria ser maior que os atuais 7 milhões e 410 mil. Mas o negacionismo e a falta de empatia matou mais gente do que o esperado.

Em seu posicionamento, a Anvisa deixou clara a mensagem ressaltando que como não temos alternativas medicamentosas para controlar a doença na fase precoce, com o objetivo de amenizar os estragos da pandemia, precisamos das vacinas e os benefícios com as vacinas aprovadas em fase 3 são muito maiores que que os eventuais riscos.

O vírus causa uma série de efeitos adversos nos pulmões, no coração, nos neurônios, e ainda nem sabemos se pode causar problemas em gestações. Lembrem-se do que o vírus da Zika causa, mas a ciência ainda não conhece possíveis efeitos adversos mais graves do Sars-Cov-2 em gestações.

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Farmacovigilância

Temos incertezas com relação às vacinas? Claro, temos muitas dúvidas honestas! A Covid-19 está entre nós há pouco mais de 1 ano e as vacinas foram desenvolvidas para minimizar o impacto da doença, mas talvez ainda não impeçam a infecção, não sejam esterilizantes, mas só o fato de que pessoas infectadas possam ter quadros mais leves, com forte tendência e diminuir internações hospitalares e óbitos, já é uma grande vitória. Mas nós temos algumas certezas também. O vírus Sars-Cov-2 matou mais de 2 milhões de pessoas no planeta e cerca de 210 mil pessoas no Brasil e deixa sequelas terríveis nos casos mais graves.

Combate ao movimento antivacinas

O momento não é de relaxar, de baixar a guarda e precisamos ficar ainda mais atentos e vigilantes no sentido de combater o negacionismo científico e o movimento antivacinas criado por forças obscuras. Este movimento criminoso e irresponsável, vai criar narrativas, as fake News do futuro, relacionando mortes por causas naturais ou acidentes, com quem tomou as vacinas contra a Covid-19, dizendo que pessoas morreram porque tomaram determinada vacina. Mas para virarmos este jogo, é preciso garantir que fatos científicos e orientações sobre saúde, baseadas em evidências científicas, circulem amplamente de modo a combater a disseminação de mentiras e fake News sobre vacinas. Precisamos mostrar, com muita transparência e honestidade para a população brasileira, o perigo de alimentar campanhas de desinformação, conspiração, negacionismo.

Observação : Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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