No dia 22 de abril, o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, assinou a portaria que encerra a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional devido à pandemia de Covid-19, em vigor desde fevereiro de 2020. Esta portaria contraria a decisão recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), que comunicou que a Covid-19 continua a ser uma "Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional". Na verdade, é uma decisão política, sem base científica, na linha da falsa dicotomia entre saúde pública e economia. Afinal, 2022 é ano eleitoral.
O Ministro nunca ocupou rede nacional de rádio e TV em horário nobre para orientar a população brasileira sobre a importância de se vacinar, de vacinar nossas crianças e respeitar as medidas não farmacológicas de combate a Covid-19. Na verdade, durante a pandemia, foi muito difícil lutar contra o processo de desinformação e disseminação de fake news, principalmente quando proveniente dos órgãos oficiais do Palácio do Planalto, que em diversos momentos recomendaram diretrizes de caráter ideológico, em episódios irresponsáveis, que atentaram contra a saúde da população brasileira.
O Brasil jamais esquecerá o enorme descompasso no combate à pandemia, que levou a mais de 663 mil mortes de brasileiros e brasileiras pela Covid-19, número certamente que não leva em conta um elevado índice de subnotificação. Não fossem a pressão de setores organizados da sociedade, os governadores, estados e municípios que, graças ao STF, assumiram o protagonismo no combate à pandemia, não fossem as sociedades científicas e médicas, os profissionais da área de saúde, o SUS, as universidades e os institutos de pesquisas públicos, como Butantan e Fiocruz, e boa parte da imprensa brasileira, a situação seria muito pior.
Desde o início da pandemia, autoridades ligadas ao GF ignoram a gravidade da pandemia, frequentemente se posicionando contra as medidas de lockdown, quarentena, distanciamento físico e uso de máscaras. O atual Presidente da República (PR) disse que era apenas uma gripezinha e que o poder destruidor do vírus estava sendo superdimensionado pela mídia. Certo deputado federal ligado ao GF, jocosamente conhecido como “terraplana”, afirmou que o coronavírus mataria menos no Brasil que a gripe no Rio Grande do Sul, que vitimou 950 pessoas naquele Estado. Membro do tal “gabinete paralelo”, criado para aconselhar (sic) o GF na condução da crise da Covid-19, o mesmo deputado também defendeu a tese – equivocada – da imunidade de rebanho sem vacinas.
Políticos, líderes religiosos, pseudocientistas, médicos (sic) que não entendem de ciência e jornalistas de extrema direita defenderam o kit Covid para tratamento precoce, com hidroxicloroquina, ivermectina, cloroquina e azitromicina, medicamentos que a ciência provou serem ineficazes contra a Covid, e ainda com potencial de gerar efeitos adversos. O kit Covid mostrou ser uma farsa gigantesca a serviço de uma bandeira política e de empresas de genéricos. O PR, que debochou das pessoas morrendo sem oxigênio em Manaus, disse que “o número de mortes por Covid estava superestimado”, que “não poderia fazer nada porque não era coveiro”, que “lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”, correu atrás de uma ema no Palácio da Alvorada com uma caixa de cloroquina nas mãos! Quem não se lembra das frases do PR: “o Brasil tem que deixar de ser uma país de maricas”; “tem uns idiotas aí que até hoje ficam em casa”; “o cara que entra na pilha da vacina é um idiota” e “quem é de direita toma cloroquina e quem é de esquerda, toma tubaína”?
Desde o início da crise sanitária, faltaram testes para diagnóstico e tivemos dificuldades com a importação de insumos para vacinas. As instituições de pesquisa fizeram vigilância genômica das variantes e as universidades públicas deram uma resposta extraordinária em várias frentes. Mas isso nunca foi parte de uma estratégia do GF.
Não podemos esquecer que, em virtude da negligência no combate a pandemia por parte do GF e da falta de acesso a dados de óbitos oficiais, foi formado um consórcio de imprensa para levar informações corretas para a população brasileira.
Após o suposto ataque hacker ao site do MS, no início de dezembro de 2021, a população brasileira ficou muito tempo sem acesso aos números atualizados de óbitos por faixa etária e aos indicadores epidemiológicos. Eles fizeram campanha contra a CoronaVac, que chamaram de “vachina”, ignoraram a aprovação da vacina da Pfizer pela Anvisa, demoraram para comprar as vacinas pediátricas e alimentaram teorias da conspiração de que as vacinas não eram seguras nem eficazes. E tem aquela outra frase do PR, sobre a vacina da Pfizer: “se você virar um jacaré, é problema seu”!
Assim que a Anvisa aprovou a vacina pediátrica da Pfizer, o PR questionou o interesse da Agência e das “pessoas taradas por vacinas”, ameaçou divulgar os nomes dos técnicos da agência que aprovaram o imunizante, afirmou que os óbitos de crianças pela Covid-19 eram insignificantes no Brasil, que vacinas transmitiam o vírus HIV e sugeriu que os pais deveriam conversar com “seus vizinhos” para decidir pela vacinação ou não de seus filhos.
Esse mesmo Ministro da Saúde disse que “os óbitos de crianças estavam dentro de um patamar que não implicava em decisões emergenciais”. Ele também mentiu ao afirmar que havia cerca de quatro mil óbitos com comprovação de relação causal com a aplicação das vacinas contra a Covid-19. Segundo dados dos boletins epidemiológicos 44, 92 e 109 do Ministério da Saúde (MS), desde o início da pandemia, foram 3.053 mortes por Covid-19 na faixa etária 0-19 anos, sendo 929 óbitos na faixa etária menor que um ano, 500 óbitos na faixa de 1 a 5 anos e 1.624 óbitos na faixa de 6 a 19 anos.
Conforme o Boletim Epidemiológico Especial, do Ministério da Saúde (MS), nenhuma criança ou adolescente morreu em virtude de vacinas contra a Covid-19, entre os milhões de brasileiros vacinados. O MS investigou a ocorrência de 3.463 casos de eventos adversos notificados por estados e municípios, que resultaram em 38 mortes na faixa 5-18 anos e descartou qualquer relação com as vacinas. Todos os casos de óbitos foram investigados e foi descartada a possibilidade de as vacinas terem relação com a causa da morte. Essas informações estão nas páginas 111 e 112 do Boletim 109. Até o dia 28/04/2022, foram 427.158.915 milhões de doses de vacinas aplicadas no país, sendo que 11.764.354 milhões de crianças entre 5-11 anos tomaram a primeira dose e 5.313.022 de crianças tomaram a segunda dose. Para mais informações, leia aqui.
Em janeiro deste ano, tivemos que lidar com uma audiência pública organizada pelo MS para discutir a vacinação para crianças de 5-11 anos, que atrasou ainda mais o início da vacinação infantil, colocando em pé de igualdade cientistas e médicos respeitados, com charlatães que ignoram as evidências científicas, defendem uma bandeira política antivacinas e a trapaça irresponsável do uso de ozonioterapia retal no combate a Covid. Essa audiência pública, além de assustar os pais e responsáveis pelas crianças, serviu para o MS decidir que a vacinação infantil não seria obrigatória e que os pais deveriam assinar um termo de consentimento autorizando a vacinação de seus filhos. Para evitar a obrigatoriedade, o MS incluiu as vacinas apenas no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), defendendo que essa medida não fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As vacinas pediátricas deveriam ser incorporadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com isso elas entrariam automaticamente no calendário básico de vacinação infantil, sendo consideradas obrigatórias. Mesmo respeitando e defendendo a liberdade de expressão, nós não podemos dar espaço no debate para definição de políticas públicas a médicos (sic) e pseudocientistas que não honram o diploma e hoje estão nas fileiras do movimento antivacinas, disseminando desinformação que mata.
Outro episódio lamentável foi a criação do Disque denúncia antivacinas pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), para receber reclamações de pessoas contrárias às vacinas contra a Covid-19. Este Ministério também divulgou nota técnica contra a criação do passaporte vacinal e contra a obrigatoriedade da vacinação infantil contra a Covid-19, outro retrocesso e uma aberração contra a saúde da população brasileira. Foi necessário o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, proibir o uso do Disque 100.
No dia 20/01/2022, dois Ministros de Estado, incluindo o da Saúde, usaram dinheiro público para buscar benefícios políticos ao visitarem a família de uma criança em Lençóis Paulista (SP), na tentativa de vincular o efeito adverso da criança com a vacina. O próprio PR ligou para a família da criança, segundo noticiou a imprensa. Foi devidamente comprovado que a criança possuía uma doença congênita e que o episódio não teve nenhuma relação com a vacina. Será que essas mesmas autoridades visitaram ou fizeram ligações para algumas das famílias das mais de 3 mil crianças e adolescentes que comprovadamente morreram em virtude da Covid-19?
E a nota técnica nº 2/2022, assinada pelo Secretário de Ciência e Tecnologia do MS, publicada no Diário Oficial da União de 21/01/2022, que rejeitou as conclusões do Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo próprio MS, aprovadas pela CONITEC no SUS? O GT mostrou que os medicamentos do kit Covid - cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina - não funcionam contra Covid, mas, de forma surpreendente, o então Secretário recusou as evidências científicas e desvirtuou a nota dizendo que a cloroquina era segura e eficaz contra a Covid-19, mas as vacinas não! Surreal!
No dia 14/02/2022, o Senado Federal sediou uma sessão com desfile de mentiras e desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19. Alguns políticos, que não entendem nada de ciência, se juntaram a alguns médicos (sic) anticiência, os mesmos da audiência pública do dia 04/01/2022 e afirmaram, sem apresentar qualquer tipo de evidência científica, que as vacinas contra a Covid-19 podem causar câncer. Foi mais um show de horrores e trapaças promovido à luz do dia e sem qualquer tipo de punição. Hoje, esses mesmo médicos estão enriquecendo com a mentira dos tratamentos “detox” para “eliminar os componentes tóxicos das vacinas contra a Covid-19”. É como já dizia Tom Jobim: o Brasil não é para principiantes.
Como cientistas, temos a responsabilidade de trazer as melhores informações científicas, esclarecer as dúvidas de pais e responsáveis pelas crianças, lutar contra os disseminadores de mentiras e contra o negacionismo e o obscurantismo intelectual que tomaram conta desse país.
A ciência deu uma resposta extraordinária, entregando vacinas eficazes, que salvam vidas e que estão nos tirando dessa grave crise sanitária. Se tivéssemos tido uma campanha nacional de conscientização e esclarecimento de pais e responsáveis por parte do MS, defendendo a importância da vacinação para a proteção de crianças, nós já poderíamos ter vacinado mais de 95% das crianças. Estratégias de comunicação em massa, com informações claras e objetivas têm um papel fundamental e deveriam ser parte de uma política de Estado. O MS, historicamente, sempre defendeu a vacinação e as medidas sanitárias para a proteção da população brasileira. Mas hoje, justamente quem deveria estar defendendo a vacinação e assumindo o protagonismo de combater fake news, faz campanha contra a vacinação infantil, por isso temos essa baixa adesão.
Não podemos admitir pessoas morrendo por Covid-19, tendo vacinas seguras e eficazes que podem evitar formas graves da doença, hospitalizações e óbitos. Temos que repudiar com veemência a atitude de profissionais de saúde que se aproveitam da credibilidade de sua profissão para disseminar notícias sem qualquer base científica, com objetivo de desestimular a vacinação de crianças. Infelizmente não temos vacinas contra o vírus da desinformação, contra as fake news, tampouco contra a ignorância e a estupidez humana.
Em um país tão desigual, já são muitas as dificuldades de acesso às políticas públicas na área de saúde por parte das populações mais vulneráveis. Vacinar-se contra a Covid-19, além de ser um dever sanitário, de cidadania e responsabilidade social, de empatia e respeito pela vida, é um ato de resistência.