A AstraZeneca informou em comunicado de imprensa no dia 23/11/2020 que na primeira análise interina, a AZD1222 (ChAdOx1 = Chimpanzee Adenovirus Oxford One) apresenta eficácia média de 70%, podendo alcançar 90%, dependendo da dose. Curiosamente, a eficácia de 90% foi atingida após aplicação de meia dose da vacina seguida de aplicação de uma dose inteira cerca de 30 dias após a primeira dose. No grupo em que duas doses inteiras foram aplicadas, a eficácia foi de apenas 62%, levando a uma eficácia média de 70%.
A análise interina detectou 131 eventos ou 131 voluntários infectados, sendo 30 infectados em voluntários que receberam as duas doses da AZD1222 e 101 casos de infectados no grupo placebo. Não adianta especular sobre o efeito da meia dose, é preciso aguardar uma análise com número maior de infectados.
Segundo a empresa, nenhum efeito adverso sério e nenhuma hospitalização ou caso grave ocorreu entre os voluntários do grupo vacinal. Se esses dados se confirmarem, a Fiocruz prevê que será possível vacinar 130 milhões de brasileiros em 2021. Os dados ainda não foram publicados em revista internacional com revisão por outros cientistas.
A AZD1222 pode ser armazenada, transportada e manuseada em temperaturas na faixa de 2 e 8 graus Celsius, o que é ótimo em termos de questões logísticas. Uma publicação na revista The Lancet Infectious Disease no dia 19/11/2020, já trouxe resultados animadores para idosos, pois a candidata vacinal de Oxford apresentou bons resultados de segurança e eficácia em fase 2, tanto para pessoas entre 18 e 55 anos como para aquelas com mais de 56 anos de idade, incluindo voluntários com mais de 70 anos. No entanto, este resultado, apesar de animador, pode não ser representativo da população mais idosa acima de 70 anos, pois o estudo não teve participação de voluntários com comorbidades mais sérias.
O estudo envolveu a participação de 560 voluntários saudáveis (160 entre 18 e 55 anos, 160 entre 56 e 69 anos e 240 com 70 anos ou mais). Foram observados poucos efeitos colaterais, 14 dias após a primeira dose foi observada a produção de células T e 14 dias depois da segunda dose, observou-se a presença de anticorpos neutralizantes contra o vírus Sars-CoV-2. O estudo foi controlado por placebo, utilizando a vacina meningocócica conjugada (MenACWY). Sem dúvidas, são bons resultados. A Universidade de Oxford e a farmacêutica AstraZeneca vão submeter os resultados à Anvisa e solicitar autorização para o uso emergencial da AZD1222 no Brasil.
CoronaVac : Boas notícias!
O Instituto Butantan comunicou no dia 23/11/2020 que o estudo clínico de fase 3 da CoronaVac atingiu o número mínimo de 74 voluntários infectados pela Covid-19, o que vai permitir realizar a análise interina, ou a primeira análise da eficácia da candidata vacinal, pelo comitê independente DSMB (comitê de monitoramento de dados e segurança), que acompanha os estudos. O Brasil está voltando a ser um cenário ideal para estudos clínicos de fase 3 para vacinas contra a Covid-19, pois estamos observando um aumento no número de pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2, o que ajuda na aceleração do processo dos testes. O primeiro lote com 120 mil doses da CoronaVac chegou ao Brasil no dia 19/11/2020. O governo de São Paulo afirma que em mais 40 dias o Butantan receberá 6 milhões de doses prontas e a matéria prima (insumos) necessária para a produção de mais 40 milhões de doses.
Um artigo publicado na revista médica The Lancet Infectious Diseases no dia 17/11/2020, mostrou que a CoronaVac é segura e produz anticorpos neutralizantes contra o Sars-CoV-2 em 97% dos voluntários, 28 dias após a aplicação da primeira dose (dose de 3 microgramas (µg) e precisa de duas doses em intervalo de 14 dias). Os pesquisadores não observaram a presença de anticorpos neutralizantes nos voluntários do grupo placebo e o nível de anticorpos nos voluntários do grupo vacinal é menor do que em pessoas recuperadas da doença. Esses resultados, avaliados por outros cientistas, correspondem às fases 1 e 2 de testes clínicos (estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo) e foram realizados na China no período de abril a maio com 744 voluntários saudáveis (144 na fase 1 e 600 na fase 2) na faixa de 18 a 59 anos, que nunca contraíram Covid-19.
Sputnik V: Mais uma com resultados positivos
A Rússia informou no dia 24/11/2020 que a candidata vacinal Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, apresenta eficácia de 95% na segunda análise preliminar, 21 dias após a segunda dose da vacina e 42 dias após a primeira dose. A Rússia já havia informado no dia 11/11/2020, que a Sputnik V apresentava eficácia de 92%, após a primeira análise interina da fase 3, um dia após a aplicação da segunda dose e 21 dias após a aplicação da primeira dose. Segundo os pesquisadores, nenhum evento adverso sério foi observado.
Os resultados não foram publicados em revista científica de circulação internacional e consequentemente não foram revisados por outros cientistas. O estudo de fase 3 está sendo conduzido na Rússia e envolve a participação de 40 mil voluntários. A Rússia não divulgou o protocolo de análises parciais e sem dados não temos como avaliar e precisamos aguardar a publicação dos resultados com a transparência necessária. A Sputnik V usa plataforma baseada em dois adenovírus humanos Ad5 e Ad26 que causam resfriado e precisa de duas doses para desencadear resposta imunológica, com 21 dias de intervalo.
Sobre a vacina da Pfizer
Após o anúncio de que sua candidata vacinal (BNT162) apresenta 90% de eficácia, a Pfizer atualizou os resultados preliminares e anunciou no dia 18/11/2020 que sua candidata vacinal apresenta 95% de eficácia nos estudos de fase 3 (após duas doses), incluindo idosos. Sem dúvida, trata-se de uma ótima notícia, embora os resultados ainda não foram publicados em revista internacional especializada e não foram avaliados por outros cientistas. O estudo de fase 3 da candidata vacinal da Pfizer/BioNTech envolve cerca de 44 mil voluntários, distribuídos entre o grupo vacinal e o grupo placebo. O estudo de eficácia foi aberto com o total de 170 eventos, ou 170 voluntários infectados com Covid-19.
Segundo a Pfizer, 9 voluntários no grupo placebo tiveram formas mais graves da doença, em comparação com apenas 1 voluntário no grupo vacinal. A BNT162 mostrou boa eficácia para todas as faixas etárias, raças e etnias, sendo que apresentou efeitos adversos em apenas 3,7% dos voluntários após tomarem a segunda dose. A Pfizer informou que a sua vacina de RNA mensageiro, apesar de sensível ao calor, pode ser armazenada em uma embalagem especial, com gelo seco, por cerca de 15 dias a -70 graus Celsius, reabastecendo o gelo seco e abrindo as caixas não mais do que duas vezes ao dia. Depois, ao chegar aos locais de aplicação, as vacinas podem permanecer em refrigeradores comuns por até 5 dias. São boas notícias em termos de logística.
As empresas Pfizer e BioNTech anunciaram que 50 milhões de doses estarão disponíveis ainda em 2020 e preveem a produção de 1,3 bilhão de doses em 2021. A Pfizer e a BioNTech, que investiram cerca de 2 bilhões de dólares de recursos próprios no desenvolvimento da vacina, negociam com o governo brasileiro a compra de doses da vacina, que seria importada das fábricas da Pfizer nos Estados Unidos e na Europa, para o primeiro trimestre de 2021. O Brasil não domina esta tecnologia de RNA mensageiro. Uma vez aprovada em fase 3, a vacina terá preços diferentes para países ricos, países de média renda (como o Brasil) e países de baixa renda. Com base nesses resultados, a Pfizer e a BioNTech vão solicitar liberação emergencial ao FDA, a agência regulatória dos Estados Unidos.
Brasil não possui acordo com a vacina da Moderna (mRNA-1273)
A farmacêutica Moderna, com sede em Massachusetts, nos EUA, anunciou no dia 16/11/2020, que sua candidata vacinal (mRNA-1273) mostrou segurança e 94,5% de eficácia em análise preliminar de fase 3, envolvendo 95 eventos, ou 95 voluntários infectados com Covid-19. Houve 11 casos mais graves, todos no grupo placebo. A Moderna vai aguardar o estudo clínico atingir a meta de 150 eventos (ou 150 voluntários infectados) para fazer uma segunda análise interina e ter dados mais robustos.
No total, 30 mil pessoas saudáveis com mais de 18 anos participam do estudo de fase 3. Caso seja aprovada e recomendada para uso emergencial, a empresa promete a liberação de 20 milhões de doses para a população nos EUA em breve e garante ter capacidade de produção de 1 bilhão de doses para 2021. O Brasil não possui nenhum acordo com a Moderna para compra e distribuição da mRNA-1273.
Segundo a Moderna, a mRNA-1273 pode ser armazenada a -20 graus Celsius por 6 meses, na faixa de temperatura de 2-8 graus Celsius por 30 dias e à temperatura ambiente por apenas 12 horas. As faixas de temperatura necessárias são diferentes para a BNT162 e para a mRNA-1273 porque as empresas usam diferentes formulações de lipídios (gordura) para envolver e proteger o RNA mensageiro.
A questão das temperaturas de armazenamento traz desafios logísticos para a distribuição em países de baixa renda e climas quentes. Tanto a Pfizer como a Moderna anunciaram seus resultados em comunicados para imprensa e até o momento, não há divulgação dos resultados de eficácia em fase 3 publicados em revistas científicas cujos artigos são revisados por outros cientistas. É preciso aguardar a conclusão dos estudos de fase 3 e a publicação dos resultados. A moderna nunca colocou uma vacina no mercado.
Vacinas só protegem se as pessoas aderirem à vacinação em massa
Um artigo publicado por colegas da Unicamp no dia 26/10/2020 na revista Frontiers, com repercussão na revista Science, traz dados que sugerem que a plataforma YouTube contribui bastante para a disseminação de informações falsas e aumento da desconfiança da população brasileira sobre vacinas. Entre as notícias falsas encontradas na plataforma, existem inúmeras afirmações de que vacinas contêm ingredientes perigosos e tóxicos, que causam doenças ou efeitos colaterais graves, vídeos que defendem a liberdade individual de opção por tomar ou não a vacina e teorias da conspiração diversas.
A conclusão dos autores do estudo é que o YouTube não tem atuado de forma clara e firme para combater a disseminação de Fake News e desinformações sobre vacinas e parece incentivar a produção desse tipo de conteúdo, gerando lucro para quem produz e para a próprio YouTube, através da monetização de conteúdo. Para mais detalhes em português, clique aqui.
O tema vacinas tem que ser tratado como uma questão científica, não de ideologia política, não pode haver confronto de narrativas contra uma política de saúde pública que salva vidas, evita incapacitação e melhora a qualidade e a expectativa de vida das pessoas. A hesitação vacinal e o movimento antivacinas estão considerados entre as 10 maiores ameaças à saúde global, juntamente com dengue, HIV, poluição do ar e mudanças climáticas, doenças não transmissíveis como câncer, diabetes e do coração, pandemia de influenza global, populações frágeis e vulneráveis, resistência antimicrobiana (a parasitas, vírus, bactérias, fungos), Ebola e outros patógenos de alta ameaça e sistemas de saúde frágeis.
A pandemia de Covid-19 trouxe, para o imaginário popular, uma situação preocupante e assustadora de que as pessoas sentem que não tem mais o controle de suas vidas e, portanto, como não compreendem fatos científicos, estão mais suscetíveis a teorias da conspiração, que oferecem um alívio psicológico a quem acredita nelas. Um artigo publicado na revista American Journal of Preventive Medicine sugere que uma boa vacina precisa ter pelo menos cerca de 80% de eficácia para combater a pandemia de Covid-19. Uma vacina com eficácia de 60% a 80% vai ajudar a reduzir a transmissão do vírus, mas um ponto fundamental é a alta adesão da população às vacinas, uma vez disponíveis. Quanto menor a eficácia da vacina, maior deve ser a adesão da população para acabar com o surto de uma doença.
Imunidade pode ser mais longa que o esperado
Duas publicações recentes sugerem que a imunidade contra o Sars-CoV-2, após recuperação da doença, pode ser mais longa que o esperado inicialmente. Um dos artigos foi publicado na revista Nature no dia 12/11/2020 e mostra que pessoas recuperadas de Covid-19 apresentam células de memória de defesa (células T) que permanecem no organismo, podendo produzir uma resposta de proteção rápida em caso de reinfecção.
O segundo artigo, publicado no dia 16/11/2020 na plataforma bioRxiv e ainda sem revisão por outros cientistas, sugere que a imunidade contra a Covid-19 pode durar pelo menos oito meses após a infecção pelo Sars-CoV-2 e que a taxa de declínio lenta observada pode indicar que as células de defesa podem durar no organismo por alguns anos. A pesquisa foi realizada com 185 homens e mulheres como voluntários, com idades entre 19 e 81 anos, todos recuperados de sintomas leves da Covid-19.
Os sete grupos de sintomas da Covid-19
Um artigo publicado no dia 31/10/2020, na revista científica Allergy, traz um estudo bastante interessante em que os pesquisadores da Universidade de Medicina de Viena identificaram sete grupos de sintomas que podem acompanhar a Covid-19. O estudo incluiu entrevistas e controle sanguíneo de 109 pessoas convalescentes que estão se recuperando de Covid-19 e 98 pessoas saudáveis, com o objetivo principal de descobrir como seria e como medir uma boa imunidade após uma infecção com o Sars-CoV-2. Os cientistas observaram que vários sintomas estão relacionados entre si e identificaram os sete grupos abaixo:
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Sintomas como os de gripe, como febre, calafrios, fadiga, tosse seca
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Sintomas de resfriado, rinite, espirros, garganta irritada e seca e nariz entupido
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Dores musculares e dores nas articulações
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Inflamação dos olhos e das mucosas nasais
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Problemas pulmonares, pneumonia e falta de ar
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Problemas gastrointestinais, diarreia, náuseas e dor de cabeça
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Perda do olfato e do paladar
Mesmo sintomas separados e independentes como tosse seca, febre e perda de olfato e paladar, devem acender o sinal de alerta. Pode haver sobreposições entre os sintomas dos diferentes grupos. Os autores observaram que febre alta na Covid-19 pode estar relacionada com uma memória imunológica mais longa, enquanto a perda do olfato e paladar, parece estar relacionada a níveis mais elevados de resposta de linfócitos T.
Brasileiros confiam mais na ciência
Uma pesquisa global da 3M, com resultados do Índice Anual do Estado da Ciência (State of Science Index – SOSI), trouxe resultados interessantes sobre a percepção pública da ciência durante a pandemia de Covid-19. A pesquisa foi realizada em duas etapas, sendo que a primeira envolveu cerca de 14.000 pessoas em 14 países, no período agosto-outubro de 2019, enquanto a segunda, envolveu participantes de 11 países, no período julho-agosto de 2020. Cada etapa contou com a participação de 1.000 brasileiros e teve como objetivo analisar a percepção da população com relação à imagem, sustentabilidade, importância, impacto da ciência na sociedade e a equidade nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática.
Em relação à pesquisa anterior, realizada em 2019, o ceticismo em relação à ciência no Brasil diminuiu de 42% para 33%. Cerca de 86% dos brasileiros concordam que a ciência desempenha um papel fundamental na resolução das crises de saúde pública, 92% acreditam na ciência para conter a pandemia de Covid-19, 88% acreditam que a ciência pode melhorar sua qualidade de vida e 89% acreditam que a ciência precisa de mais financiamento.
Com a pandemia, aumentou para 73% o percentual de brasileiros que defendem a ciência. Cerca de 65% dos brasileiros defendem a igualdade racial na sociedade e a garantia que as minorias tenham acesso à educação nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM). Um percentual bastante elevado, de 89-92% dos brasileiros acredita que os governos devem estar mais envolvidos na resolução de problemas como combater a Covid-19, oferecer acesso gratuito à saúde pública, melhorar a qualidade do ar nas cidades, prover acesso à energia limpa e renovável, investir em infraestrutura, incentivar a educação nas disciplinas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática e diminuir a poluição dos oceanos.
Em tempo: Sobre a vacina BCG
No dia 16/11/2020, a Fiocruz iniciou os estudos de fase 3 com a vacina BCG (Bacillus Calmette-Guérin) no Rio de Janeiro, com cerca de 1.000 voluntários da área de saúde. A BCG é usada para prevenção da tuberculose e o estudo é chamado Brace Trial Brasil (BTB) e tem como principal objetivo, reduzir o impacto da Covid-19 em profissionais da área de saúde na linha de frente do combate à doença, protegendo ou amenizando os sintomas.
Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.