Foto: Antonio ScarpinettiLuiz Marques é professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História do IFCH/Unicamp. É atualmente professor sênior da Ilum Escola de Ciência do CNPEM. Pela Editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011, e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 3a edição, 2018. É membro dos coletivos 660, Ecovirada e Rupturas.

Moral, família e religião na reta final das eleições

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Todo texto publicado tem um destinatário indeterminado. Este é uma exceção. Ele se endereça exclusivamente aos eleitores ainda indecisos, aos que não votaram no primeiro turno, aos que, por recusar as opções disponíveis, anularam seu voto ou votaram em branco. Ele busca também, e não por último, leitores que votaram em Bolsonaro e em Tarcísio de Freitas, mas estão dispostos a rever seu voto a partir da escuta de outros pontos de vista. O que aqui se propõe é um exercício de civismo, de cidadania e de democracia. Esta só se realiza quando o voto é resultado de uma reflexão serena sobre o que está em jogo numa eleição de tal importância. A democracia está baseada no pacto social de que o voto importa, tem consequências e é fruto da consciência de cada um, amadurecida no debate aberto na sociedade. Esse debate é fundamental, pois o voto de cada um não pode ser determinado por fake news, nem por quem quer que seja: patrão, pastor, grupo de whatsapp ou alguém da família.

Os argumentos mais esgrimidos entre os que não votaram em Lula no primeiro turno desta eleição dizem respeito a valores e costumes, abrangendo a dimensão moral, ideológica e religiosa. Esses eleitores nortearam sua escolha por um critério extremamente importante, pois não podemos subordinar valores a interesses materiais ou de ocasião. O problema maior aqui, contudo, é julgar os candidatos segundo esses valores. Toda a propaganda contra Lula, movida por grupos políticos e impulsionada pela imprensa e pelas redes sociais nos últimos anos, baseou-se em três mentiras, marteladas incessantemente na cabeça das pessoas: (1) Lula seria ladrão, (2) Lula seria comunista, (3) Lula seria contra a família, contra a religião e, em particular, contra os evangélicos. Examinemos cada uma dessas acusações separadamente.

1. Lula não é ladrão

A acusação de que Lula é ladrão é totalmente falsa. Para se dar conta dessa falsidade, basta que cada um se pergunte: afinal das contas, o que foi que Lula roubou? Quem acusa alguém de ladrão tem a obrigação moral de apontar o objeto do roubo. Tem o dever de afirmar: Lula roubou isto ou aquilo. Pois bem, vasculharam sua vida até os mínimos detalhes, viraram-na pelo avesso e não encontraram nada. Absolutamente nada. Essa acusação não passa, portanto, de uma calúnia gravíssima. Os acusadores mentem, e mentem tão repetidamente e com tanta convicção que até eles mesmos acreditam em sua mentira. Como caluniadores, eles são imorais perante o juízo dos homens. Diante da religião cristã, isso é ainda mais grave, pois acusar de roubo sem indicar o objeto do roubo é transgredir o oitavo Mandamento do Decálogo (Êxodo, 20, 16): “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo”. Lula não pode ser acusado de roubo porque não há o objeto do roubo, porque simplesmente não roubou nada. Sua prisão foi fruto de uma sentença iníqua promulgada por um juiz que instruiu os promotores contra o acusado. Foi, portanto, uma brutal injustiça. 

Obviamente, houve muita corrupção durante seu governo. Mas em que governo houve pouca? Nas administrações de José Sarney, Fernando Collor de Mello, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff, Michel Temer e, sobretudo, na de Jair Bolsonaro houve (e há) um “mar de lama” de corrupção, para relembrar o termo imortalizado por Getúlio Vargas. Bolsonaro tem contra ele um dossiê gigantesco de corrupção. Ciro Gomes já afirmava em um de suas postagens no Twitter, de junho de 2021, que a corrupção sob Bolsonaro “explodiu de vez”, e elencava alguns “casos escabrosos”. Cito-o: [1]

A venda sem licitação da carteira de créditos do Banco do Brasil, que valia R$ 2,9 bilhões e foi entregue por apenas R$ 271 milhões. A venda sem licitação da empresa TAG de gasodutos da Petrobrás pelo mesmo valor que a empresa compradora receberá da própria Petrobrás em apenas três anos de aluguel deste mesmo gasoduto. A venda criminosa e também sem licitação da Refinaria Landulpho Alves por metade de seu valor. E muitos outros casos de arrepiar.

O próprio Bolsonaro afirma que pode ser preso tão logo perca seu foro privilegiado.[2]  Afirmou na reunião ministerial de 22 de abril de 2020 que afastaria quem quer que fosse que o ameaçasse em caso de investigação contra seus parentes: “Vai trocar [o funcionário]. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Se não puder trocar, troca o ministro. E ponto final”.[3]  E, de fato, exonerou ou afastou seis delegados ou diretores da Polícia Federal em casos sensíveis, exonerou o funcionário do IBAMA que o multou por pesca ilegal, além de impor sigilo de 10 ou de 100 anos nos documentos sobre a compra de vacinas, sobre suas despesas com cartão corporativo, sobre a reforma administrativa e sobre documentos relativos aos processos de seus filhos. Mas bastou que dois jornalistas levantassem a ponta do tapete para descobrirmos que, desde os anos 1990, quando Bolsonaro entrou na política, seu patrimônio e o de seu clã, incluindo o de sua mãe, o de suas duas ex-esposas e o de seus quatro irmãos se multiplicou de modo incompatível com seus rendimentos e os de sua família. São 51 imóveis comprados com dinheiro vivo nos últimos 30 anos, num montante de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões em valores atuais, corrigidos pelo IPCA). “Além desses 51 imóveis, não é possível saber como foram pagos outros 26, já que essa informação não consta nos documentos de compra e venda”.[4]  Segundo a reportagem, um desses imóveis, em Cajati, no interior de São Paulo, comprado em 2018 com dinheiro vivo por R$ 2,6 milhões (R$ 3,4 milhões em valores atuais), está em um terreno de quase 20 mil m2 e possui um clube de tiro particular que até agosto de 2022 não possuía registro no Exército. E, no entanto, é em Lula que os bolsonaristas colocam a pecha de ladrão...

Incorrem em outra afirmação leviana e irresponsável, os que alegam que houve mais corrupção nos governos de Lula e Dilma Rousseff do que nos governos anteriores e posteriores. Aos olhos da lei e da religião, trata-se de outra calúnia e de outro falso testemunho. O fato é que não se inventou ainda um “corruptômetro”. E se fosse possível comparar a quantidade e a intensidade de corrupção entre governos, por certo o “orçamento secreto”, resultante do conluio Bolsonaro-Centrão, bateria de longe todos os recordes, em volume de recursos desviados e em descaramento institucional. Portanto, dizer que a corrupção no governo Lula foi maior que na de outros governos é pura propaganda política de má-fé, alardeada como sempre pela grande imprensa. A corrupção é um mal sistêmico que acomete todas as sociedades e todos os governos, dentro e fora do Brasil. É preciso combatê-la, é claro! É preciso cobrar de Lula, se eleito, mais vigor nesse combate. E é certo e seguro que seu empenho nessa luta será total, não apenas porque Lula, repita-se, não é e nunca foi um ladrão, mas porque seu governo será fortemente cobrado por isso.

2. Lula nada tem de comunista

A segunda acusação mais recorrente contra Lula é de que ele e o PT são comunistas. Não é preciso entrar no cipoal de interpretações históricas sobre o comunismo e sobre o que significa ser comunista. Basta afirmar que no primarismo de seus acusadores, comunista significa: (1) alguém que não respeita a propriedade privada e (2) alguém com tendências autoritárias ou mesmo ditatoriais. De todas as mentiras inventadas sobre Lula, essa não é por certo a mais grave, mas é, provavelmente, a mais ridícula. Lula e seu partido já governaram o país durante dois mandatos e desafio seus acusadores a apontar uma única iniciativa neste período ou em seu programa de governo e de partido contra o instituto da propriedade privada, seja ela financeira, rural ou industrial. Desafio também seus acusadores apontar qualquer iniciativa atentatória ao patrimônio pessoal dos brasileiros. Se alguém pode ser acusado de comunista nesse sentido, esse alguém é Fernando Collor de Mello, que confiscou autoritariamente o patrimônio das pessoas físicas e jurídicas, levando a muitos suicídios e falências. Além disso, Lula não nacionalizou nenhuma empresa em qualquer setor da economia, o que seria de se esperar de um governo com tendências comunistas ou ao menos socialistas. Ao contrário, as diretrizes seguidas por seu Ministério da Fazenda sempre foram no sentido de fortalecer a iniciativa privada e respeitar os mecanismos reguladores do mercado (juros, preços, câmbio etc.)

Já a acusação de alguma simpatia pelo autoritarismo atinge as raias do delírio. Lula candidatou-se à presidência da República em 1989, 1994 e em 1998. Em nenhuma das três derrotas sofridas ouviu-se dele qualquer insinuação contrária às regras do jogo democrático. Eleito e reeleito em 2002 e em 2006, não faltaram os que tentaram convencê-lo a propor ou aceitar uma emenda constitucional para ser reeleito uma segunda vez em 2010. Isso seria facílimo para ele, que tinha então os níveis de popularidade mais altos em toda a história da República (83% de aprovação popular em 2009), antes e depois da ditadura. Recusou-se. Bastaria essa recusa para confirmar suas convicções democráticas. Não se trata aqui de fazer a hagiografia de Lula. Trata-se apenas de reconhecer o que lhe é devido, pois nenhum outro político na história do Brasil teria provavelmente resistido à tentação de se alongar ou perpetuar no poder em condições tão favoráveis. Mas há ainda mais. Preso sem acusação razoável, e sem prova alguma, jamais se ouviu de Lula uma única palavra de descrédito ao Poder Judiciário, um dos três pilares do sistema democrático. Jamais afirmou que o Supremo Tribunal Federal (STF) era faccioso e jamais ofendeu pessoalmente um de seus Ministros. Bolsonaro, ao contrário já tratou publicamente esses Ministros como canalhas, psicopatas e outros termos que não cabem num texto com algum senso de decoro.[5]

Resta no dossiê dos que o acusam de comunista o mantra de suas ótimas relações diplomáticas com os governos da Bolívia, Equador, Venezuela, Cuba e Nicarágua. Esse é lado mais pueril da acusação. Desde quando manter boas relações diplomáticas com governos de esquerda da América do Sul, democráticos ou ditatoriais, é razão para acusar um governante de comunista? Lembremos um pouco da história do Brasil. Em agosto de 1961, no auge da Guerra Fria, Jânio Quadros condecorou Che Guevara com a medalha da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. José Sarney reatou relações diplomáticas com Cuba, celebrou em 1988 com esse país um importante tratado de cooperação e em 1989 recebeu a visita oficial de Fidel Castro. Itamar recebeu com pompa e circunstância a visita do presidente da China, Jiang Zemin. Durante seu mandato, o governo brasileiro recebeu, ainda, a visita de seis dos sete integrantes do Politburo, o órgão máximo do Partido Comunista Chinês. A China foi o primeiro país asiático que Fernando Henrique Cardoso visitou oficialmente, já em seu primeiro ano de mandato. O próprio Bolsonaro se orgulha de cultivar ótimas relações diplomáticas com dois dos países vítimas de ditaduras brutais: a Rússia e a Arábia Saudita. Declara, além disso, que Viktor Orbán, o Primeiro-Ministro da Hungria, “é meu irmão, dadas as afinidades”.[6]  Orbán está à frente do governo mais autoritário da União Europeia, governa agora por decreto por um período indefinido de tempo e se declara criador de uma “democracia iliberal”, na qual a oposição é silenciada e impera a censura à imprensa.[7] Mas ninguém por isso o acusa, e nem deveria acusá-lo, de comunista. Por que, então, acusar Lula de comunista pela simples razão de cultivar uma diplomacia Sul-Sul? De resto, sua diplomacia estendeu-se com grande sucesso também aos países do Norte: visitou o presidente dos EUA, Barack Obama em 2009, foi ovacionado de pé no Parlamento Europeu em 2021, ganhou a principal manchete nos jornais da Espanha, que o chamaram de um “ciclone” de energia, foi recebido com honras de chefe de Estado por Emmanuel Macron, presidente da França, e pela prefeita de Paris, Anne Hidalgo, que afirmou: “C’est un grand Monsieur”; foi abençoado pelo Papa Francisco I em Roma, com quem debateu longamente sobre o problema da fome e da desigualdade no mundo.[8] Em suma, Lula é um político aclamado internacionalmente pelos grandes líderes das grandes democracias ocidentais. Mas tudo o que seus acusadores, inconformados com sua projeção internacional, insistem em exibir como se fosse a prova de um crime é uma fotografia sua ao lado de outros presidentes da América do Sul. Como se posar em uma tal foto não fosse parte integrante e essencial do trabalho do presidente da República do Brasil! Os que acusam Lula de comunismo tentam apenas cobrir o sol com a peneira. Todos sabemos que tal acusação é apenas um pretexto esfarrapado para justificar o ódio e o preconceito contra um homem que veio do Nordeste, que veio de baixo na escala social e que ousou governar este país melhor que os do andar de cima.

3. Lula é um defensor da família, dos valores religiosos e dos evangélicos

Poucas horas após a vitória de Lula no primeiro turno, bolsonaristas soltaram nas redes um vídeo associando Lula ao satanismo.[9] Até onde abusarão eles impunemente das pessoas de fé? Afirmam também desde 2018 que Lula e o PT promovem a perversão sexual de crianças, entre outras barbaridades do mesmo quilate. Essas calúnias visam influenciar, sobretudo, o eleitorado evangélico. Elas parecem surtir algum efeito, dado serem reforçadas por pastores que gozam de grande credibilidade e autoridade em sua audiência. Aqui deparamos com algo tão tosco, tão grotesco e tão quimérico quanto a crença de que a Terra seria plana, que seríamos governados por reptilianos, que haveria (segundo o QAnon) um governo global subterrâneo que se alimenta do sangue de criancinhas ou que a vacina manipularia o DNA das pessoas para controlar suas mentes e poderia mesmo transformá-las em jacarés, como afirmou Bolsonaro. Bolsonaro revelou-se um grande inimigo das vacinas, a ponto de não se ter vacinado contra a pandemia da covid-19, o que é imperdoável como exemplo de homem público. 

(a) Família

A acusação de que Lula é contrário à família despedaça-se diante dos fatos. Lula foi, na realidade, o maior defensor da família brasileira e, sobretudo, de suas crianças. Basta dizer que, com ele, o Brasil se tornou exemplo internacional de cobertura vacinal. Com Bolsonaro, ao contrário, doenças terríveis, letais e evitáveis pela vacina, como a poliomielite (também chamada paralisia infantil), batem novamente às portas do nosso país, tal é a deseducação sanitária promovida pelo presidente e o abandono a que seu governo relegou o Sistema Único de Saúde (SUS). Em maio de 2022, o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI) alertava mais uma vez que a cobertura vacinal com as três doses iniciais da vacina contra a poliomielite estava ainda muito baixa. Ao invés dos 95% recomendados pela OMS, essa cobertura permanecia em 67% em 2021. “A cobertura das doses de reforço (a de gotinha) é ainda menor, e apenas 52% das crianças foram imunizadas”. Como afirma Fernando Verani, coordenador do programa de pós-graduação da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz: “Há cerca de três anos, os protocolos de vigilância epidemiológica ficaram enfraquecidos no Brasil. Eles têm a finalidade de detectar e prevenir as doenças transmissíveis. As amostras de esgoto das cidades não têm sido recolhidas com a frequência esperada, e não há a notificação e investigação constante de possíveis casos de paralisia flácida aguda. O país possui os recursos e a expertise para manter a pólio erradicada, mas não está tomando as ações necessárias”.[10] Bolsonaro afirma que defende a família. Na prática, o que faz é atacá-la da forma mais brutal, ao entregá-la à fome e à doença.

(b) Religião

A acusação de que Lula é contrário à religião é igualmente absurda. Lula é um homem profundamente católico. Foi muito influenciado por Dom Claudio Hummes, cardeal e arcebispo emérito de São Paulo e do Recife, que o conheceu bem e deixou um testemunho notável sobre suas relações. Mas sua religiosidade jamais implicou qualquer favoritismo aos católicos em detrimento dos evangélicos. Como afirma Lula, em seu Twitter, em 20 de janeiro de 2020: “Eu duvido que algum presidente tenha respeitado mais os evangélicos que eu”. De fato, Lula sancionou e proclamou três leis que reconhecem e favorecem em muito as Igrejas evangélicas. Ainda no primeiro ano de seu governo, sancionou e promulgou a Lei no 10.825 de 22 de dezembro de 2003 que inclui as entidades religiosas como pessoas jurídicas de direito privado no novo código civil. A lei reza em um de seus artigos:

São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

É totalmente injustificável, portanto, o temor absurdo, incutido entre os evangélicos por alguns de seus pastores, de que Lula pretende fechar as igrejas evangélicas. Além disso, Lula sancionou a Lei no 12.035 de 3 de setembro de 2009 que instituiu o Dia Nacional da Marcha para Jesus. E nos últimos meses de seu mandato, Lula sancionou ainda a Lei no 12.328, de 15 de setembro de 2010, que instituiu o Dia Nacional do Evangélico, a ser comemorado no dia 30 de novembro de cada ano. Que outro presidente foi tão favorável aos evangélicos? Recentemente Lula postou seu “Recado aos cristãos”, onde afirma: “cada um tem o direito de ter a sua fé e de frequentar a sua igreja sem ser incomodado por ninguém”. E em um discurso de campanha afirmou: “Eu não teria chegado aonde cheguei, se não fosse a mão de Deus dirigindo os meus passos e guiando o meu comportamento”. 

Numa parábola de grande beleza (Lucas XVIII, 9-14), Jesus censura o fariseu que proclama no Templo ser um homem de excepcional religiosidade, e, por outro lado, elogia o publicano que se recolhe com humildade como pecador. Em Mateus (VI, 5-8), Jesus condena os que “reputam que suas orações serão ouvidas à força do palavreado excessivo”. Lula é um homem de religiosidade íntima e genuína, ao contrário de Bolsonaro, esse falso religioso, esse fariseu que se faz filmar sendo batizado no Jordão e que se proclama ser um escolhido de Deus. Quem desrespeita a religião não é Lula. Os que a desrespeitam são Bolsonaro e seus fanáticos. A prova final disso encontramos nos fatos ocorridos no dia 12 de outubro, festa religiosa máxima do país, no santuário de Nossa Senhora da Aparecida e na presença de Bolsonaro e de Tarcísio de Freitas, seu candidato ao governo de São Paulo. O Jornal do Brasil, por exemplo, assim noticiou os fatos ali documentados: “Bolsonaristas desrespeitam o templo sagrado em Aparecida”:[11]

Com latas de cerveja nas mãos, um grupo de bolsonaristas com camisetas amarelas alegava que o arcebispo Dom Orlando Brandes ‘doutrinou’ ao falar contra a fome e o ódio, e que isso seria uma campanha disfarçada para o ex-presidente e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Aos gritos, eles cercaram uma equipe da TV que estava no meio da multidão de fiéis, xingaram os profissionais e chegaram a empurrá-los. A TV Aparecida é a emissora católica oficial do Santuário.

É a essa pessoa que queremos entregar o Brasil para mais quatro anos de desgoverno e violência? Podemos confiar que uma pessoa de índole tão violenta seja de fato religiosa? Ao não desautorizar as cenas de histeria e selvageria promovidas por seus seguidores em Aparecida, Bolsonaro apoia esse ultraje ao direito sagrado de um culto.

 

[1] Cf. "A corrupção do governo Bolsonaro é cada vez maior e escancarada, diz Ciro". Hora do Povo, 27/VI/2021 
[2] Cf. Mônica Bergamo, “Bolsonaro diz acreditar que pode ser preso se sair da Presidência”. Folha de S. Paulo, 1/VIII/2022.
[3] Cf. Reunião Ministerial de 22/IV/2020, com duração de 1 hora e 55 minutos. A fala, de baixo calão, se encontra em 1 hora e 31 minutos.
[4] Cf. Juliana Dal Piva e Thisgo Herdy, “Metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo”. UOL, 30/VIII/2022; Thiago Herdy e Juliana Dal Piva, “Como foi feito o levantamento dos imóveis da família Bolsonaro”. UOL, 22/VIII/2022; Idem, “Ao menos 25 imóveis do clã Bolsonaro foram objeto de investigação”. UOL, 30/VIII/2022. 
[5] Cf. “Bolsonaro xingou ministros do STF em pelo menos quatro ocasiões”.
[6] Cf. Igor Gielow, “Bolsonaro chama Orbán de irmão, usa lema fascista e volta a sugerir influência sobre Putin”. Folha de S. Paulo, 17/II/2022.
[7] Cf. Yasmeen Serhan, “The EU Watches as Hungary Kills Democracy”, The Atlantic, 2/IV/2020.
[8] Cf. Tom Philips, “‘Un grand monsieur’: Lula challenge to Bolsonaro finds welcome in Europe”. The Guardian, 25/XI/2021; "Papa Francisco se encontra com Lula no Vaticano". G1, 13/02/2020.
[9] Veja-se o desmentido formal de sua campanha em: “Lula é cristão. Não existe qualquer relação com satanismo”.
[10] Cf. Luana Dandara, “Pesquisadores da Fiocruz alertam para risco de retorno da poliomielite no Brasil”. Portal Fiocruz, 4/V/2022.
[11] Cf. “Bolsonaristas desrespeitam o templo sagrado em Aparecida”. Jornal do Brasil, 12/X/2022.


Esse texto é um artigo de opinião e não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.

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