Meio século da última viagem à lua

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No dia 19 de dezembro de 1972, o geólogo e astronauta Harrison “Jack” Schmidt, então com 37 anos, fez um gesto inusitado na superfície da Lua: antes de entrar no Módulo de Aterrisagem Lunar para iniciar a viagem de retorno da Missão Apollo 17 à Terra, decidiu arremessar o seu martelo de geólogo (vídeo original disponível em https://youtu.be/DB-H1xXIA0Q). Sem ter consultado previamente a Nasa (agência espacial dos EUA), essa foi a maneira que encontrou de se despedir daquela paisagem, ao mesmo tempo inóspita e deslumbrante, deixando na Lua o seu instrumento de trabalho. 

O gesto de despedida foi registrado pela câmera de Eugene “Gene” Cernan, seu companheiro de tripulação na Apollo 17 que também caminhou na Lua. O trio de tripulantes era completado por Ronald Evans, que permaneceu no Módulo de Comando orbitando a Lua, enquanto seus companheiros desciam à superfície no Módulo Lunar.

Foto de três astronautas.
Tripulação da Apollo 17, a última missão espacial tripulada a pousar na Lua. Acima à esquerda, o geólogo Harrison “Jack” Schmidt tendo ao seu lado o piloto da missão, Ronald Evans. Sentado à frente, o comandante da missão, Eugene “Gene” Cernan. Evans e Cernan já faleceram e Schmidt, aos 87 anos, continua em atividade como cientista (Foto: Divulgação Nasa)

Além da Apollo 17, estavam planejadas para pousar na Lua as missões Apollo 18, 19 e 20, mas elas foram canceladas pela Nasa. Assim, sem que Schmidt soubesse, mais de meio século se passaria sem que nenhum outro ser humano voltasse a pisar no nosso satélite natural!

Chegamos a exatos 50 anos desse marco histórico na desafiadora aventura de exploração da Lua, iniciada com o célebre pouso da Apollo 11 em 20 de julho de 1969, tripulada pelos astronautas Buzz Aldrin e Neil Armstrong ("É um pequeno passo para um homem, um passo gigante para a humanidade.").

Um fato que costuma passar despercebido é que ir ao espaço naqueles idos das décadas de 1960 e 1970 era não só algo desafiador, mas também extremamente perigoso. Desde o início da chamada Era Espacial, 30 astronautas norte-americanos e cosmonautas da ex-União Soviética morreram enquanto participavam de missões no espaço. A tecnologia então disponível, ainda que fosse muito avançada para a época, era insuficiente para garantir de maneira satisfatória a segurança das pessoas que iam ao espaço. Talvez por esse motivo, praticamente todos os que embarcaram nas missões tinham formação militar. Schmidt foi a exceção, tendo sido o único cientista civil a pisar na Lua. Como geólogo, também detém o legendário recorde de ter sido o único a fazer trabalho de campo fora da Terra!

O Módulo Lunar batizado de Eagle (“águia”, em inglês) pousou em uma área da Lua conhecida como Taurus-Littrow, um vale localizado nas Terras Altas lunares, no lado da Lua voltado para a Terra. O objetivo principal da missão era de coletar amostras de rochas antigas dessa região e buscar evidências de atividade vulcânica mais jovem do que 3 bilhões de anos. Durante sua permanência de 75 horas na Lua, Schmidt e Evans utilizaram o jipe LRV (Lunar Roving Vehicle, veículo de exploração lunar) em três expedições. O jipe, o terceiro usado na Lua, lá permaneceu junto com seus antecessores e hoje é parte dos vestígios deixados no satélite natural pelos seres humanos, vestígios esses que somam 185 toneladas contando objetos, veículos, instrumentos e restos de foguete.

A Missão Apollo 17 teve sua capacidade científica expandida em relação aos pousos tripulados anteriores, incluindo três caminhadas lunares com coleta de rochas e a instalação de vários instrumentos científicos. Ela quebrou vários recordes de voos espaciais tripulados, incluindo a mais longa missão de pouso lunar tripulado (12 dias e 14 horas), maior distância percorrida por uma espaçonave durante uma atividade veicular de qualquer tipo (7,6 km), maior duração total de atividades na superfície lunar (22 horas e 4 minutos), maior quantidade de amostras de rochas da Lua trazidas para a Terra (115 kg), maior tempo em órbita lunar (6 dias e 4 horas) e maior número de órbitas lunares (75).

Foto de um veículo lunar.
Jipe lunar LRV dirigido pelo astronauta Gene Cernan em sua primeira expedição (Foto: Divulgação Nasa)
Foto que mostra um traçado na superfície da Lua.
Local do pouso da Apollo 17 na região de Taurus-Littrow e trajetos percorridos pelos astronautas com o jipe lunar. A imagem de alta resolução (50 cm/pixel) foi tirada em 2017 pelo sensor Lunar Reconnaissance Orbiter (LROC), da Nasa (Foto: Divulgação Nasa)​​​​​​

O peso total de amostras lunares coletadas em todas as missões Apollo foi de 380 kg.

Composição com duas imagens. Na primeira aparece um astronauta coletando rochas na superfície da Lua e na segunda aparece um astronauta coletando material na lua com ajuda de um veículo.
À esquerda, o astronauta Harrison Schmidt coletando uma rocha usando uma haste com garra especialmente desenvolvida para essa finalidade e, à direita, Schmidt tirando fotografias do bloco de rocha batizado por eles de “Rocha Dividida” (Split Rock) durante a terceira expedição (Fotos: Divulgação Nasa)

Uma das descobertas notáveis feitas por Schmidt e Cernan foi o solo cor laranja encontrado na cratera meteorítica Shorty. Esse solo foi identificado como sendo de origem vulcânica, composto por esférulas e fragmentos finos de vidro vulcânico e com um teor relativamente alto de zinco.

Foto do solo laranja da lua.
Solo laranja encontrado pela primeira vez na Lua. A análise do material revelou se tratar de solo de origem vulcânica (Foto: Divulgação Nasa)

As derradeiras palavras de Cernan, transmitidas por rádio quando se preparava para subir a escada do Módulo Lunar para voltar à Terra, foram: “Este é o último passo do ser humano na Lua, mas acredito que não por muito tempo. Ao deixarmos a Lua em Taurus-Littrow, partimos como viemos e retornaremos com paz e esperança para toda a humanidade.”

Nenhum dos três astronautas da Missão Apollo 17 voltou ao espaço. Evans se aposentou em 1977 e morreu em 1990. Cernan se aposentou em 1976 e morreu em 2017. Já Schmidt se afastou da Nasa em 1975 para concorrer, com êxito, ao Senado norte-americano pelo Estado do Novo México. Ao perder a eleição para um segundo mandato, passou a atuar como consultor da Nasa, sendo um forte defensor do retorno dos seres humanos à Lua. Atualmente com 87 anos, segue ativamente fazendo ciência.

Um dos maiores legados do Programa Apollo, além de ter propiciado o desenvolvimento acelerado de novas tecnologias que trouxeram incontáveis benefícios e se tornaram produtos do nosso cotidiano, foi o enorme salto no conhecimento científico tanto sobre a Lua, como sobre outros corpos do Sistema Solar. 

O retorno à Lua, após mais de meio século, parece estar próximo. Aprovado em 2017, o Programa Artemis pretende levar seres humanos de volta ao satélite natural em 2025 ou 2026, iniciar a presença humana sustentável ali e preparar as bases para futuras missões rumo a Marte. Liderado pela Nasa, o programa conta com parcerias com empresas espaciais e com outros países, entre os quais o Brasil. Em 2021, por meio da Agência Espacial Brasileira (AEB), o governo brasileiro assinou um acordo com a Nasa, embora não tenham sido estabelecidos metas e objetivos concretos, nem tampouco sido alocados recursos financeiros. 

O próximo ser humano a pisar na Lua será uma astronauta negra. Dentre o grupo de 18 astronautas pré-selecionados para o Programa Artemis, há algumas mulheres negras. Uma dessas astronautas é a geóloga Jessica Watkins, candidata a dar continuidade ao caminho pioneiro aberto por Harrison Schmidt.

O primeiro passo concreto do Programa Artemis foi dado com o lançamento da nave espacial Orion em 16 de novembro de 2022, que retornou com sucesso à Terra em 11 de dezembro. Foi um voo de teste não tripulado, que percorreu 2,2 milhões de km e registrou imagens da superfície lunar a uma altura de apenas 120 km. Os próximos passos serão um novo voo orbital da Lua em 2024, desta vez com astronautas a bordo, e finalmente o pouso tripulado na Lua em 2025 ou 2026.

Caso o Programa Artemis continue a ter êxito, a exploração espacial por meio de viagens tripuladas retornará ao imaginário humano, contribuindo para novos saltos no desenvolvimento científico e tecnológico, com benefícios à sociedade.

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