Por Gilmar Barreto*
Ao mesmo tempo em que produtos e serviços de engenharia trazem enormes e inegáveis benefícios para a sociedade, não raro, os engenheiros têm que lidar com os impactos negativos resultantes deles. Um exemplo no qual pessoas e o meio ambiente veem-se prejudicados de várias formas é o ciclo de vida dos produtos eletrônicos: há impactos negativos desde a extração das matérias-primas até o descarte final dos produtos. No processo de formação dos engenheiros, pouca atenção se dá aos saberes das ciências humanas, fazendo então nascerem profissionais voltados quase que exclusivamente para a aplicação de seus conhecimentos técnicos, com pouco ou nenhum olhar para o balanço entre efeitos positivos e negativos, tanto social quanto ambientalmente.
O Fórum Permanente "A necessária aproximação da Engenharia com as Ciências Humanas", que vai acontecer nos dias 18 e 19 de agosto, tem como objetivo discutir a importância dessa aproximação e os benefícios que a sociedade como um todo e o meio ambiente experimentarão ao formar engenheiros com uma visão ampla e de longo prazo, engenheiros que compreendam qual sua responsabilidade e quais os impactos, positivos e negativos, provocados por seus projetos. Na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pretendemos inserir no currículo disciplinas que abordam esses temas. Dentre elas, a de História e Filosofia da Engenharia Elétrica e de Computação. Além disso, teremos o primeiro programa de pós-graduação lato sensu do país que une tecnologia e negócios às ciências humanas. O programa foi desenhado para desenvolver de maneira prática as habilidades e competências com vistas a formar um profissional de sucesso nesta década em que a tecnologia avança de maneira exponencial, profissional esse alinhado com o desenvolvimento sustentável, segundo os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). O que diferencia esse fórum e esses cursos é o esforço constante de olhar para o ser humano de uma maneira holística e integrada.
A palestra inicial do fórum será ministrada pelo professor José Roberto Cardoso, ex-diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), e terá como tema: “Transição na cadeia de valores da engenharia: estamos preparados?”. “Somos agentes da felicidade ou instrumentos da escravidão?”, provoca Cardoso. “A engenharia produz dispositivos e instrumentos que nos trazem felicidade e bem-estar. Quem não fica feliz em ter um smartphone de última geração? No entanto, isso tem um custo, pois tudo o que é utilizado para produzir esse smartphone veio de uma mina, de um poço de petróleo, de uma floresta. Além disso, muitos materiais são extraídos por trabalhadores em situações análogas à escravidão”, lembra o professor da USP.
A segunda palestra será apresentada pelo professor Luiz Marques, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), com o tema: “Os conceitos de impossibilidade geofísica e de impossibilidade sociofísica nas metas do Acordo de Paris de contenção do aquecimento global”. A despeito das notícias diárias sobre enchentes, incêndios e secas devastadores, há ainda os que duvidam ser a ação humana, principalmente na forma de projetos de engenharia mal executados, a responsável por esses eventos climáticos extremos.
No segundo dia do Fórum a professora Maria Eunice Quilici Gonzalez, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) irá apresentar a palestra: “Humanidades digitais, complexidade e os novos rumos da cibernética: uma aproximação necessária da engenharia com as ciências humanas?". Walter Alexandre Carnielli, do Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência (CLE) da Unicamp, vai abordar o seguinte tema: "O teorema do equilíbrio: a engenharia é humana, assim como as humanidades são engenhos".
Após todas as palestras, dedicaremos um tempo para debates e reflexões sobre as questões abordadas. Além de mim, são organizadores do Fórum os professores Cesar José Bonjuani Pagan, da FEEC, Itala Maria Loffredo D'Ottaviano, do CLE, Regis Pasini, do Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), e Sônia Marise Salles Carvalho, do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB).
Ao refletir sobre o tema, porém, pode-se adiantar o seguinte: sabemos que indivíduos complexos e ambíguos como os seres humanos, inseridos em uma sociedade que até pouco tempo avançava de maneira linear, têm dificuldade de se adaptar a um mundo que muda constantemente e de forma exponencial.
Quando entendemos o que é importante para nós e unimos isso com o que precisamos fazer e podemos construir, em um ambiente de muita colaboração e mentoria, tomamos o controle de nossas ações e nos tornamos pessoas mais resilientes diante dos grandes obstáculos da vida, abrindo a mente para infinitas possibilidades de gerar impacto, sermos felizes e construirmos um legado em nossa breve existência. Esperamos que com essas ações possamos conscientizar sobre esse tema os profissionais envolvidos no ensino de engenharia e que novas disciplinas sejam criadas visando a uma formação melhor para os futuros engenheiros. É necessário mudar a forma de observar o mundo, de um modo hoje positivista e fragmentado para um olhar da totalidade e da indivisibilidade das coisas, que estão em constante conexão e movimento.
O fórum será realizado nos dias 18 e 19 de agosto de 2022, das 9h às 12h, na modalidade online. As inscrições são gratuitas.
Assista ao vídeo de divulgação do Fórum. Para mais informações e inscrições, clique aqui
*Gilmar Barreto é engenheiro químico, professor associado do Departamento de Eletrônica e Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação. Entre suas áreas de interesse estão modelagem de dados, identificação de sistemas, séries temporais, processamento paralelo, controle, eletroquímica, veículos elétricos e ensino de engenharia.