Foto: Antoninho Perri

Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

Ascensão e queda de uma descoberta que valeu o prêmio Nobel

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Todos nós já usamos inseticidas ou testemunhamos seu uso. Ainda me lembro do pulverizador lá na casa da minha infância, parecido com o da primeira imagem, mas sem brilho. A percepção era de que sempre teria sido assim e assim continuaria a ser, na lata ia o DDT.

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Mas não foi sempre assim, não. Na década de 1930, a situação era, segundo uma citação na Wikipédia, creditada ao “The World of Anatomy and Physiology”, que “os únicos inseticidas disponíveis eram produtos naturais caros ou sintéticos ineficazes contra insetos; os únicos compostos eficazes e baratos eram compostos de arsênico, que eram igualmente venenosos para seres humanos e outros mamíferos”.

Descobrir algo barato, eficiente e não venenoso para humanos e outros mamíferos foi a tarefa abraçada pelo químico suíço Paul Hermann Müller (1889-1965). Nos anos 1930, ele pesquisou todos os dados disponíveis sobre o assunto e filtrou as propriedades químicas que poderiam levar à solução do problema. Durante quatro anos, testou, falhando sempre, 349 compostos. Em setembro de 1939, ele finalmente verificou que moscas morriam em contato com a — pelo jeito — 350ª tentativa. Era uma molécula sintetizada em 1874 pelo químico austríaco Othmar Zeidler, o diclorodifeniltricloroetano, cuja abreviatura é DDT. Zeidler estava entusiasmado com a síntese em si e não investigou suas propriedades. Era mais uma molécula sintética na prateleira da ciência. Após 65 anos, Müller a tirou da prateleira e investigou finalmente suas propriedades. Nascia, assim, o primeiro inseticida moderno: barato, eficiente e, na época, inofensivo aos humanos.

Foi largamente empregado durante a Segunda Guerra Mundial nas batalhas do Pacífico e, em 1945, tornou-se disponível comercialmente, alcançando uma grande abrangência quase de imediato.  Ajudou a erradicar a malária na Europa, combateu epidemias de tifo e garantiu melhores colheitas nos campos, sendo incensado em prosa e verso. O entusiasmo era visível no cartaz de propaganda colorido dos anos 1950 e na aplicação em crianças na Alemanha do pós-guerra (segunda e terceira imagens). Müller, que trabalhava não numa universidade, mas na J.R. Geigy AG, que hoje se chama Novartis, foi agraciado com o prêmio Nobel de medicina de 1948 “por sua descoberta da alta eficiência do DDT como veneno de contato contra vários artrópodes”. A justificativa do comitê do prêmio acrescenta que “o DDT tem sido usado em grandes quantidades na evacuação de campos de concentração, de prisões e de deportados. Sem dúvida, o material já preservou a vida e a saúde de centenas de milhares [de pessoas]”.

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Müller talvez não tenha lido um livro publicado três anos antes de falecer. Trata-se de a “Primavera silenciosa” de Rachel Carson[i], um marco na defesa do meio ambiente. Nele, a autora destrincha o DDT, revelando que ele podia ser tudo, menos inofensivo ao meio ambiente e à saúde humana. O livro motivou novas investigações e reações que levaram ao banimento do uso do diclorodifeniltricloroetano nos EUA em 1972, quase um século após a síntese pioneira dessa molécula. O banimento em outros países foi um efeito dominó, mas no Brasil o dominó caiu apenas em 2009. Alguns registros apontam seu uso ainda hoje na Índia e na Coreia do Norte.

Descido o pano sobre essa história, é importante mencionar que esse roteiro é um estudo de caso exemplar para pelo menos uma aula em diferentes cursos na área de ciência, tecnologia e engenharia. A dinâmica de sintetizar algo e publicar logo, sem se aprofundar nas propriedades do que foi descoberto e, tempos depois, retomar a investigação das propriedades, mas sem dar atenção aos seus impactos, ainda me parece algo frequente. A nanotecnologia, recentemente, forneceu muitos exemplos desse roteiro[ii], com o estudo de impactos devidos apenas a pressões, algumas vezes da própria comunidade científica, muitas vezes da sociedade civil. Isso dito, o lado da pressão tem razão, como no caso do DDT e das mudanças climáticas, mas em outros, talvez não. Certamente é tema de currículo, mas, por outro lado, a aceleração de outra dinâmica, a da produção científica, não ajuda a causa.

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Chegando até aqui, percebo a necessidade de um importante aviso final aos eventuais leitores negacionistas ainda de plantão: as vacinas, inclusive contra a covid, não são como o DDT, elas são eficazes e inofensivas, como há tempos nos ensina Luiz Carlos Dias.[iii]

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


[i] O livro pode ser baixado de um sítio na internet

[ii] O artigo original em português aparece como inacessível no sítio da Ciência Hoje. A tradução para o inglês segue em sítio alhures.  

[iii] Ataques contra vacinas para covid-19 são notícias assassinas

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