Todos nos lembramos, pelo menos vagamente, das aulas de ciência no ensino fundamental, ouvimos comentários dos nossos pais, às vezes também dos avós, sobre as deles. Assim parece que ciência faz parte da grade curricular do ensino fundamental desde sempre. Não é assim, obviamente, pois a ciência moderna como julgamos conhecer é, como a própria adjetivação propõe, uma criação da, como também aprendemos na escola, idade moderna. Mas quando começou a ciência e quando ela passou a fazer parte do currículo escolar?
Um marco fundamental da ciência como atividade humana organizada foi o surgimento das primeiras academias devotadas a essa atividade. E aqui temos uma data: em 1660 é criada a primeira delas, a “Real Sociedade de Londres para o melhoramento do conhecimento científico”, responsável pelo lançamento da revista científica Philosophical Transactions, já discutida neste espaço. O ensino de ciências na Inglaterra, no entanto, só alcançou os bancos escolares pré-universitários em 1850, quase dois séculos depois. O primeiro professor de ciências em escolas públicas foi William Sharp, que convenceu o diretor da escola onde seu filho estudava de que ciências deveriam ser ensinadas aos meninos.
No contexto das primeiras exposições universais, o ensino de ciências nas escolas apresentou avanços importantes, para depois desaparecer dos currículos escolares. Apenas com o relatório “Ensino de Ciências nas Escolas”, de 1867, ciências se fundamentaram como assunto a ser ensinado nas escolas. A educação científica escolar deveria consistir de química, biologia, ciências físicas e matemáticas e geologia. Debatia-se se ciências seriam relevantes na formação dos jovens, em oposição a uma formação clássica. Discutia-se também se o ensino deveria ser voltado às “ciências puras” ou aplicadas à solução de problemas como treinamento para a formação profissional. Aparentemente, essa segunda visão acabou determinando o ensino por lá durante um bom tempo. Parte dessa história pode ser resgatada na edição de 11 de agosto de 1977 da revista New Scientist ou mais brevemente em artigo mais recente (2012) e de mais fácil acesso de James Williams [I]. Não deixa de ser interessante reler essas idas e vindas em tempos de debate sobre a Base Nacional Curricular Comum aqui no Brasil de 2017. Como teria dito Mark Twain, “a história não se repete, mas rima”.
Com o ensino de ciências proliferaram também os livros textos das diferentes disciplinas nesses meados do século retrasado. No caso da Física, merece destaque o Tratado Elementar de Física Experimental e Aplicada, de Adolphe Ganot, publicado originalmente em francês em 1851 e traduzido para diversas línguas e adotado em diversos países por 80 anos. Um ponto alto são as belíssimas ilustrações, que têm seus fãs até hoje [II]. No entanto, o que chama a atenção mesmo é o índice. A edição em inglês de 1875, cujo frontispício ilustra esta coluna, apresenta basicamente o mesmo conteúdo do programa da prova de física do vestibular da Unicamp de 2018 (salvo as breves noções de física moderna).
Essa enorme disparidade entre o conteúdo de física no ensino médio e o desenvolvimento dessa ciência no período 1875-2018, leva à homenageada desta coluna propriamente dita: a divulgação científica. A percepção pela sociedade da relevância da ciência começou a ser construída ainda no século XVII, afinal um dos marcos da divulgação científica é o livro de Bernard Bovier de Fontenelle: Diálogos sobre as pluralidades do mundo, publicado em 1686, como aprendi lendo o livro O sol morto de rir, de Sergio de Régules, primeiro livro da coleção de divulgação científica “Meio de Cultura” da Editora da Unicamp. Livros de divulgação ou não, quando a preocupação de aproximar a ciência da sociedade se institucionalizou? A Royal Institution, fundada em 1799, tinha como objetivo a “educação científica”, além da pesquisa como no caso da Royal Society. Conhecida como Ri, essa organização passou a promover em 1825 as “palestras de Natal”, que não aconteciam propriamente no mesmo horário da missa do Galo, mas nos dias entre Natal e Ano Novo. Abertas ao público em geral, buscavam atrair jovens e crianças. Um dos maiores cientistas de todos os tempos, o físico Michael Faraday proferiu várias dessas palestras e a de 27 de dezembro de 1855 é a mais conhecida, pois foi perenizada em um quadro de Alexander Blaikey: afinal a palestra contava com a presença do príncipe Alberto (marido da rainha Vitória) e seus dois filhos. As palestras continuam até hoje e o tema deste ano é “A linguagem da vida – o incontrolável desejo de comunicar” [III]. Pelo site do Ri é possível também assistir aos vídeos das edições passadas.
A ideia das palestras de Natal desdobrou-se recentemente em novos formatos como o “Pint of Science”, daí o chope no título da coluna, criado em 2013 e que se espalhou pelo mundo, inclusive no Brasil. A próxima edição desse festival de papo sobre ciência com cerveja ocorrerá em maio de 2018 e já está sendo organizado. Por que não também um pouco de comédia? O formato “stand up” tem ganhado adeptos entre divulgadores como o “Poper Stand Up Científico”, criado por Diego Golombek na Argentina. Clique e divirta-se.
O humor é ótimo e tem improviso, mas ainda não é o improviso em torno de uma mesa, copos de cerveja e um repertório compartilhado por leigos em uma roda de samba em um lugar e numa tarde quaisquer. Ciência no nosso cotidiano, que afinal tem um quê de samba. Pra refletir, cito o mestre Noel Rosa, que já cantava em “Feitio de oração” que “Batuque é um privilégio/ Ninguém aprende samba no colégio”. Ele também sabia tudo sobre bens públicos, como o samba (e o conhecimento científico), em “Palpite infeliz”: “a Vila é uma cidade independente/ Que tira samba, mas não quer tirar patente”.
Bom Natal a todos, com ou sem ciência.
[I] http://sro.sussex.ac.uk/27789/
[II] http://www.nzeldes.com/Miscellany/Ganot.htm
[III] http://www.rigb.org/christmas-lectures/2017-the-language-of-life