“A poesia está presente em toda atividade humana,
desde a mais sórdida até a mais sublime”
Massao Ohno
Pensando na próxima coluna “ciência assim assado” (ou seja, essa), revi a lista já programada e fui vencido pela indolência das férias, teria que reler alguns textos e decidi pular uma semana. Deitei no sofá, zapeei a programação em busca de algo improvavelmente palatável e parei no canal Curta! Começava o documentário “Massao Ohno – Poesia presente”, dirigido por Paola Prestes e a memória afetiva em torno de livros e poesia foi tomando conta[I].
Conheci o trabalho desse fantástico editor independente, batendo o ponto na livraria de Jundiaí na segunda metade dos anos 1970, comandada por um livreiro à moda antiga (como Massao Ohno define em um trecho do documentário), Claudio Trevisan, que largara um bom emprego na Editora Brasiliense (se não me engano) para abrir a Dom Quixote, bom nome para a única livraria de uma cidade do interior e, coincidentemente, um dos apelidos do editor documentado. Claudio sempre deixava expostos os livros editados por Massao Ohno sobre um dos balcões. Admirava-os, folheava-os, mas sempre destinava a parca mesada para os clássicos, embriões de uma biblioteca que nunca se formou. Sobre Massao, que editou Hilda Hilst e tantos outros que tiveram as portas de outras editoras fechadas, veja o documentário ou leia “o editor da esperança” na agência FAPESP[II] .
Lembrando a ciência, volto-me a essa atividade humana em que a poesia, portanto, segundo Massao Ohno está presente. Não são poucos os resultados de busca pelas palavras chave ciência e poesia pelo Google, com menção a vários poetas e a projetos de ensino que conectam versos e equações, mas eu me detenho em outra busca: nos livros que comprei naquela livraria, naqueles tempos. De cara encontro o quase óbvio, a Antologia Poética de Carlos Drummond de Andrade, editado pela José Olympio. Aqui ciência e poesia se encontram na “Máquina do Mundo”, mas para chegar nela passo pela “Elegia 1938” e sua assombrosa atualidade[III]: Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,/onde as formas e as ações não encerram nenhum/exemplo, (e segue). Encontro então a antologia poética de Mario Chamie da coleção Palavra Poética, editada pela Summus e o poema “Espaço Inaugural” é sobre a medida de espaço e tempo: O espaço que se mede/ e que se perde/ não é o tempo perdido da memória. Há décadas que não folheava esse livro. Mas Chamie, fundador da Poesia-Práxis, é dissidente dos concretistas. Naquela época passamos a ser (aqueles que passavam os sábados de manhã na Dom Quixote) fãs dos poetas concretistas, orgulhosos de que Décio Pignatari nascera em Jundiaí e do livro “Metalinguagem” de Haroldo de Campos, editado pela Cultrix, que foi intensamente, digamos, parafraseado nos trabalhos escolares, garantido ótimas notas. Mais constantemente encantava-me com o visual dos poemas do irmão de Haroldo, Augusto, e o “Pulsar” é pura ciência, tanto no tema, quanto na construção. É perfeitamente legível sem que o seu código seja decifrado previamente, mas uma vez lido, perceber as mudanças sutis no código... já usei mais de uma vez em aula. Mas tenho que voltar ao irmão Haroldo, pois em outra estante encontro o seu “Galáxias”, primeira edição (1984, editora Ex Libris), o mais intrigante livro lá de casa, ciência no título e um guia no seu interior. Da página “o que mais vejo aqui”, escrita em 1967, transcrevo.
é poalha de fábula sobre o nada é poeira levantada é imã na limalha
e se você quer o fácil eu requeiro o difícil e se o fácil te é grácil
o difícil é arisco e se você quer o visto eu prefiro o imprevisto e...
E segue o texto por várias páginas, bem como outros poetas na memória.
[I] Para ver pelo menos o trailer do documentário (de onde extrai a epígrafe): https://www.youtube.com/watch?v=82Yq_UyhgV0
[II] http://agencia.fapesp.br/editor_da_esperanca/2986/
[III] Esse poema se junta a uma série de efemérides em 2018: o centenário do manifesto de Córdoba, os 50 anos de um maio, os trinta da última constituição. Sem falar nos 60 da copa na Suécia.