Foto: Antoninho Perri

Peter Schulz foi professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) da Unicamp durante 20 anos. Atualmente é professor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp, em Limeira. Além de artigos em periódicos especializados em Física e Cienciometria, dedica-se à divulgação científica e ao estudo de aspectos da interdisciplinaridade. Publicou o livro “A encruzilhada da nanotecnologia – inovação, tecnologia e riscos” (Vieira & Lent, 2009) e foi curador da exposição “Tão longe, tão perto – as telecomunicações e a sociedade”, no Museu de Arte Brasileira – FAAP, São Paulo (2010).

O eucalipto e seus impactos

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Ilustração: Luppa Silva O título desse artigo remeteria o leitor, muito provavelmente, aos impactos ambientais das florestas de eucaliptos, tema com controvérsias e debates acalorados. Mas não é um ou o outro polo dessa discussão que faz avançar o cursor ao escrever esse texto. A motivação inicial é afetiva. O eucalipto sempre surge nas conversas em família, afinal o meu sogro dedicou sua vida profissional a esse gênero de mais de 700 espécies de árvores, tendo sido presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais por mais de um mandato. Aí a segunda motivação. O IPEF, que no ano que vem completará 50 anos, dedica-se ao desenvolvimento científico e tecnológico do setor florestal com uma característica estratégica: interação com as empresas ligadas ao setor, importante na matriz do agronegócio, sinergia nem sempre fácil no Brasil. E assim chego ao propósito da coluna: qual é, afinal, a produção científica sobre eucalipto no Brasil e qual o seu impacto?

Já comentei algumas vezes nesse espaço sobre o portal bibliográfico (e bibliométrico) Web of Science. Uma busca, com a palavra chave eucalyptus no título, resumo e coleção de palavras-chave para artigos indexados na base de dados, selecionou 20.110 documentos (a grande maioria de artigos em periódicos especializados) em 14 de julho de 2017 (sim, esse número cresce a cada atualização da base). Esses documentos distribuem-se em diferentes categorias, um leque de interesses de pesquisa varrendo desde o desenvolvimento de florestas, passando por questões ambientais, aplicações e usos da madeira até interfaces com a pesquisa básica. Quais são os países que produzem essa pesquisa? A liderança cabe à Austrália (5.909 registros), onde o eucalipto é nativo, e em segundo lugar aparece o Brasil com 3.410 documentos e bem à frente de outros países. Ou seja, o volume da produção científica brasileira nesse tema é altamente expressivo. Curiosamente, o artigo brasileiro mais antigo nessa lista é de autoria de Edmundo Navarro de Andrade, que trouxe a árvore para Brasil no começo do século passado. O interesse na época era de reflorestamento das áreas desmatadas pelas estradas de ferro, produção de dormentes para as mesmas e carvão para as marias-fumaças. Hoje os interesses são outros e que crescem com a relevância da silvicultura na economia.

Apesar do viés em favor da língua inglesa da Web of Science, um terço desses artigos é em português, mas cobrindo apenas uma parte do que aparece publicado em revistas brasileiras dedicadas às ciências florestais, que começaram a surgir já na década de 1960. A proeminência do Brasil na área verifica-se também em outras bases mais especializadas, como o Forestry Compendium do Centre for Agriculture and Biosciences International (CABI), que tem um recorte de publicações diferente. Nesse acervo a disputa entre Austrália e Brasil pela liderança em número de documentos é acirrada e a produção em português é ainda mais expressiva proporcionalmente. A base do CABI não mostra citações dos artigos, é “apenas” um repositório para disseminação do conhecimento. Voltando à Web of Science, com a qual nos acostumamos a medir impacto de artigos científicos via citações, o que acontece? Os artigos australianos apresentam uma média de 22 citações por artigo e os brasileiros registram apenas 8. Para os artigos em português esse número cai para algo em torno de 3. A visão predominante é de que precisamos, portanto, publicar em inglês para aumentar o impacto. Os números parecem não mentir, mas estamos falando de impacto entre pares, de pesquisador para pesquisador interessado em publicar artigos. E outros impactos? A pesquisa serve também para outros públicos? Afinal, vários artigos em português sobre o assunto chegam a ter milhares de acessos. Lembro então um último dado: enquanto o volume da produção científica brasileira sobre o eucalipto crescia, crescia também o volume de madeira extraída das florestas brasileiras. A produtividade das florestas de eucalipto no Brasil cresceu mais de 4 vezes nos últimos 40 anos e é de longe a maior do mundo, mais que o dobro do segundo colocado nesse ranking. A ciência nesse caso parece impactar diretamente no desenvolvimento da atividade econômica baseada em silvicultura (e na análise de suas consequências). Ciência em português, pouco citada, mas longe de não ter impacto.

Aqui eu chego à questão de como devemos usar indicadores de produção científica e citações. Esse uso é a preocupação de um grupo de pesquisadores que lançou recentemente o “Manifesto de Leiden”. Em um de seus princípios recomenda-se “proteger a excelência da pesquisa localmente relevante” e “os indicadores baseados nas revistas de alta qualidade publicadas em outros idiomas diferentes do Inglês devem identificar e premiar as áreas de pesquisa de interesse local”. Na próxima escreverei mais sobre esse e outros princípios.

As ilustrações que acompanham este artigo lembram outro uso do eucalipto, talvez o mais ancestral, junto com o de lenha pra fogueira. E não é na ciência, nem na economia. São pinturas em cascas de eucalipto, obtidas por uma técnica desenvolvida há talvez milhares de anos pelos nativos da Austrália.

Foto: Reprodução


Veja mais obras em:

http://natural-history.uoregon.edu/collections/web-galleries/aboriginal-australian-bark-paintings

 

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