A Unicamp anunciou, na quinta-feira passada, a suspensão das aulas presenciais até o final do mês de março pelo menos. Medida urgente e necessária que passou, em pouco tempo, a ser adotada por outras instituições de ensino superior públicas e privadas. Secretarias estaduais e municipais de educação adotaram medidas semelhantes. Aglomerações públicas de outra natureza estão sendo proibidas ou, pelo menos, desaconselhadas. Por que isso é absolutamente necessário?
Mecanismos de distanciamento social retardam a transmissão da doença, diminuindo a intensidade do pico da epidemia, tornando possível a adequação dos sistemas de saúde para enfrentar a situação e evitar o seu colapso. Afinal, as outras enfermidades não deixam de existir por causa da pandemia. A ciência e a história assim o recomendam, baseadas em uma coleção de evidências e exemplos com os quais podemos aprender e aplicá-los à atual pandemia do novo Coronavírus, o Covid-19. Não é pânico, é simplesmente precaução. A analogia é simples, embora imperfeita: é como colocar o cinto de segurança em um carro. Afivelar o cinto não significa que irá acontecer um acidente, mas em caso deste, a simples ação faz toda a diferença.
Um artigo recente no jornal The Washington Post explica e ilustra de forma didática essa necessidade de distanciamento social com simulações de populações sendo contagiadas e recuperadas frente a diferentes cenários de contenção da epidemia. A fonte original, em inglês, encontra-se acessível aqui.
Para o público não familiarizado com a língua inglesa apresentamos simulações usando um modelo epidemiológico conhecido desde 1927 e conhecido pela sigla SIR, que em português é a mesma: Suscetíveis, Infectados e Recuperados[I]. Este modelo já foi aplicado no entendimento de várias endemias, epidemias e pandemias desde então. Existem modelos mais sofisticados, que incluem outros grupos, como os Expostos (SEIR), ou falecidos (SIRD). Entretanto, o SIR é um modelo suficientemente simples para uma compreensão geral do problema que estamos enfrentando.
O modelo SIR é representado por um sistema de equações diferenciais e divide a população em três grupos Suscetíveis, Infectados e Recuperados, que transitam entre si de acordo com dois parâmetros fundamentais: um representando a taxa de contágio e o outro a de recuperação dos infectados. O parâmetro que representa a taxa de contágio é o que pode ser diretamente diminuído por medidas como a suspensão das aulas. Como exemplo, aplicamos o modelo para uma população de 300 mil habitantes, aproximadamente a população da cidade de Limeira, onde a Unicamp tem dois campi. Supomos aqui que no instante inicial apenas um indivíduo esteja infectado e que o tempo médio de recuperação seja de 10 dias. Se cada pessoa infectada contaminar em média 2,2 duas outras (valor que vem sendo observado, mas está aumentando), o pico de infectados chegaria a 20% da população cerca de três meses após o primeiro caso registrado.
Simulação feita pelos autores com base no modelo SIR[II]
Parece pouco no gráfico, mas considerando a população de 300 mil habitantes, seriam 60 mil enfermos ao mesmo tempo, sendo que 10% deles precisariam de atendimento médico-hospitalar, segundo as estimativas oficiais. Os outros gráficos mostram o efeito de medidas de distanciamento social, aliadas a cuidados individuais de higiene. Se essa taxa de contágio diminui em até 40%, o pico de contaminação ocorre muito tempo depois, dando tempo para que o sistema de saúde se adapte, e teríamos no máximo 1000 infectados ao mesmo tempo.
Simulação feita pelos autores com base no modelo SIR
Esses resultados quantitativos dependem de parâmetros, que se modificam com o tempo e variam com cada lugar, mas são os que dão a base para os infográficos qualitativos divulgados pela imprensa, como o da BBC abaixo[III], para explicar a moral (e a necessidade) da história, que é sempre a mesma: se não tomarmos essas medidas, o nosso atendimento à saúde colapsará.
Extraído de artigo da BBC
O quanto essas medidas de distanciamento social são absolutamente necessárias podemos confirmar também estudando pandemias passadas ao comparar lugares que adotaram rapidamente essas medidas com outros que demoraram fazê-lo. O exemplo é da Gripe Espanhola em duas cidades dos EUA[IV]. Richard Hackert e colaboradores investigaram o caso e apresentaram os resultados em um artigo revista PNAS[V], ilustrados no infográfico de Mike do Washington Post apresentado abaixo.
A comparação é entre a cidade de Filadélfia, que demorou mais de duas semanas para adotar medidas de distanciamento social após o primeiro caso registrado, com St. Louis, que tardou apenas dois dias em adotar essas medidas. Vejam só: as medidas imediatas retardaram a propagação da epidemia e diminuíram a taxa de mortalidade. São Luiz dos Estados Unidos aprendeu a tempo a triste lição da outra cidade, primeira capital do país.
As medidas que vêm sendo adotadas não são para provocar pânico e sim evitar uma situação em que o pânico viria como resposta desesperada e inadequada a um problema que poder ser sido administrado a tempo.
[I]Para conhecedores de matemática: https://rce.casadasciencias.org/rceapp/art/2017/020/
[II]Os códigos utilizados na simulação estão disponíveis em: https://colab.research.google.com/drive/1P7tRx1tdCqSYINCqt4oPWvh_xJ6tiuNK
[III]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51850382
[IV]Colaboração de Álvaro D´Antona.
[V]https://www.pnas.org/content/pnas/104/18/7582.full.pdf