Durante vários dias, as ruas e as praças da bela Budapeste foram animadas por manifestações protestando contra a “lei da escravidão”, proposta por Orban e seu partido, que aumenta de 250 para 400 as horas-extras que as empresas podem solicitar aos seus operários e funcionários. Como se não bastasse, a lei prevê que o pagamento das mesmas possa ser efetuado no decorrer de três anos (antes, o prazo era de um ano).
Na vizinha – e muito mais rica – Áustria, outro governo “soberanista” introduziu, em 1° setembro de 2018, uma nova disciplina de jornadas que prevê o seguinte: em caso de necessidade, para “possibilitar que as empresas respondam com mais prontidão às demandas do mercado”, elas poderão pedir que seus funcionários trabalhem até 12 horas por dia e 60 horas por semana (os limites anteriores eram de 10 e 50 horas, respectivamente). As horas adicionais não serão pagas como horas-extra, mas serão compensadas ao longo do ano – pelo menos é o que parece, pois na verdade há uma obscura indeterminação sobre o tema, por parte do governo Kurz. De resto, na maioria dos casos nos quais foi implantado o “banco de horas” empresarial, os trabalhadores ficam sempre à espera de compensações que não chegam.
É por isso que utilizar o termo escravidão para essas circunstâncias é, a rigor, impróprio, como nos lembra Dante Lepore em seu Escravidão do terceiro milênio (PonSinMor, 2017), uma vez que, no capitalismo, vivemos em um regime permanente de escravidão assalariada, independentemente de uma ou outra medida específica. Digamos, então, que essas leis “soberanistas” reiteram e aprofundam a soberania do capital sobre o “trabalho assalariado escravizado”.
Mas não se tratam de casos isolados. Em meados do ano passado, o czar dos “soberanistas” de todo o mundo (depois de Trump), Vladimir Vladimirovic Putin, instruiu o governo de Medvedev a aumentar de uma só vez, em 5 anos, a idade de aposentaria para os homens (de 60 a 65 anos, em um país onde a expectativa de vida para os homens é de 67 anos, e para os operários de alguns anos a menos) e em 8 anos para as mulheres (de 55 a 63) – um prolongamento das horas de trabalho ao longo da vida que nem mesmo Fornero foi capaz de implementar [1]. E que, em muitos casos, significará o cancelamento do direito de aposentadoria, pois a morte chegará antes do limite de idade. A vivacidade dos protestos nas praças, especialmente por parte das mulheres, levou Putin a retroceder parcialmente: a idade de aposentadoria para mulheres aumentou “apenas” em 5 anos, permanecendo inalterado, entretanto – por “razões financeiras” (soberanas) –, o piso de 65 anos para os homens.
Se passamos para as Américas, constatamos que o governo Temer, aquele que abriu o caminho para a chegada de Bolsonaro, não muito antes de ceder-lhe seu lugar, chegou a formular uma proposta de “modernização” da legislação trabalhista que permitiria a ampliação da jornada laboral para até 12 horas, a semana laboral de 48 horas e a jornada mensal de 220 horas. E estabelecia, em sua proposta inicial da previdência, como condição para a aposentadoria integral, 49 anos ininterrupto de contribuição previdenciária (em um país onde a expectativa de vida é desigual e particularmente baixa entre os Estados mais pobres). Logo após ser eleito, o “soberanista” Bolsonaro jurou que não tocaria nessa admirável “reforma”, e devemos acreditar nele.
Basta por aqui com os governos “soberanistas”.
Mas o cenário não muda se nos voltamos aos governos europeístas. Comecemos pelo caso do alto funcionário do banco Rotschild, Macron. Entre 2015 e 2017, ele completou o ataque à jornada de 35 horas iniciado com a lei Fillon, em janeiro de 2003. Suas medidas fixaram em 12 horas a duração da jornada diária legal e em 60 horas a jornada semanal; ampliaram a obrigatoriedade do trabalho aos domingos, com redução do acréscimo salarial previsto; e equipararam o trabalho noturno ao trabalho de madrugada. E a Medef (a Confederação da Indústria Francesa), que lhe dá instruções, pretende ir além: “se os trabalhadores franceses querem ter salários mais altos, devem trabalhar mais”. Ponto final.
De fato, há décadas a União Europeia desmantela metodicamente todos os regulamentos que limitam a famigerada “flexibilidade”. Também, e sobretudo, em relação ao tempo de trabalho. Pouco importa se é colocada em risco a segurança dos trabalhadores (e dos cidadãos). A Comissão Europeia, por exemplo, impôs como normal, em 2013, 11 horas de voo noturno para os pilotos de avião, 14 horas consecutivas de serviço, 22 horas sem dormir antes de pousar. É de se admirar, então, que 50% deles se sintam exaustos e muitos recorram a drogas e ao álcool para resistir?
Mais uma vez, a realidade dos fatos diz que soberanismo e europeísmo (ou globalismo) estão, no fundo, se movendo na mesma direção: a máxima desvalorização da força de trabalho, a máxima intensificação da exploração do trabalho, que passa também pela destruição da organização dos trabalhadores e pela máxima limitação do direito de greve.
Portanto, não ao soberanismo e não ao europeísmo, duas variantes, duas falsas alternativas a cada vez mais implacável ditadura do capital – nacional, europeu, global. Há dois anos, diante da falsa alternativa, nós dissemos: “nem Brexit nem Remain”! E já é possível perceber claramente como tínhamos razão.
O que fazer, então?
Retomada das lutas, autonomia de classe, programa de classe: para trabalhadores e trabalhadoras não há outra via para enfrentar o ataque dos patrões e dos governos e recuperar o terreno perdido. As praças de Budapeste, Viena, São Paulo, São Petersburgo, Paris, Bruxelas ainda não recolocaram essa pauta em campo.
No entanto, temos a certeza de que quando o choque for ainda mais duro, voltará a campo a perspectiva da luta pela redução drástica, generalizada e incondicional das jornadas de trabalho, pelo trabalho socialmente necessário. Essa é a única perspectiva libertadora e efetivamente ecológica, pois envolve a supressão da imensa quantidade de produção inútil e danosa, que hoje contamina o mundo.
Tradução de Patrícia Villen
[1] Elsa Fornero foi Ministra do Trabalho e Políticas Sociais do governo de Mario Monti, na Itália, entre 2011 e 2013.