Dificilmente conseguimos pensar em alguma área da vida humana que não tenha nenhuma relação, ainda que indireta, com as condições meteorológicas — que vão, por exemplo, desde a escolha das roupas que vamos vestir no dia-a-dia, visando ao conforto térmico e ao preparo adequado conforme expectativa de chuva ou sol, até questões de segurança em operações aéreas e marítimas, em que cargas e vidas humanas podem estar em jogo frente a tempestades. Ainda assim, percebe-se um abismo tanto entre aquilo que a previsão de tempo informa e aquilo que a população entende. Essa lacuna pode ser explicada por vários fatores, que por vezes se revezam e por vezes se sobrepõem. Em alguns casos, há a dificuldade dos meteorologistas previsores de comunicar adequadamente a previsão — sobretudo as incertezas e os riscos associados a ela. Em outros casos, há uma expectativa por parte dos usuários da previsão que não é compatível nem com o intuito do meteorologista e tampouco com o escopo geral da previsão de tempo. Além disso (e sem a pretensão de elaborar uma lista exaustiva), muitas vezes ainda falta um direcionamento adequado das informações emitidas na previsão de tempo em relação às necessidades e ao entendimento geral da população.
O principal objetivo da previsão do tempo é fornecer informações que contribuam na proteção da vida humana e da propriedade, identificando previamente riscos e ameaças potenciais de forma a proporcionar informações em tempo hábil para evitar tragédias. Via de regra, é impossível impedir que eventos extremos ocorram; o que se almeja é que haja informação e preparo suficientes para enfrentá-los com o mínimo de danos possível. Dentro desse objetivo, também encontra lugar o provimento de informações que contribuam para o gerenciamento de atividades humanas e proporcionem o máximo preparo e bem-estar possível frente às condições meteorológicas previstas, sejam elas associadas a tempo firme ou adverso. Apesar disso, e a despeito do aumento na previsibilidade de eventos meteorológicos severos e demais avanços na meteorologia nas últimas décadas, ainda vemos todos os anos inúmeros casos de perdas de vidas, prejuízos econômicos, materiais e sociais de grande magnitude e de transtornos generalizados associados a eventos meteorológicos que foram previstos.
Nos últimos anos, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) vem preconizando a “previsão meteorológica baseada em impactos”, com o intuito de diminuir a lacuna de comunicação entre os centros de meteorologia e o público a quem se destina a previsão do tempo. Em resumo, a previsão baseada em impactos exige mais do que simplesmente afirmar categoricamente que irá chover, que irá ocorrer uma elevação ou declínio na temperatura e que o vento irá soprar com maior intensidade, quantificando isso em milímetros de chuva, em graus de temperatura e em velocidade dos ventos (que muitas vezes não passam de números sem referência para a maioria das pessoas) — é necessário que o meteorologista previsor saiba reconhecer e apontar possíveis efeitos adversos que as condições previstas podem acarretar ao cotidiano das pessoas. O aviso ou alerta meteorológico deve ser bem-sucedido em responder aos questionamentos-chave (quem, o quê, como, quando e onde):
→ Quem são as pessoas (público-alvo do alerta) que podem ser afetadas pelos eventos meteorológicos previstos? É toda uma população regional ou local? Depende de localização geográfica, faixa etária, fatores socioambientais?
→ O que pode resultar do evento previsto e qual a probabilidade de ocorrência desse evento? Alagamentos, enxurradas e deslizamento de terra? Queda de árvores e interrupção de energia? Condições meteorológicas com alto impacto na saúde humana?
→ Quando o evento deve ocorrer? Qual a duração estimada do evento? Qual a margem de incerteza?
→ Onde o evento meteorológico deve ocorrer? Há alguma área dentro do perímetro de ocorrência do evento que seja mais suscetível a transtornos?
→ Como a população deve se preparar ou responder àquilo que está previsto e alertado? Quais são as medidas de segurança e de mitigação de impactos e riscos?
As respostas a essas perguntas e a plena implementação da “previsão baseada em impactos” exigem muito trabalho, estudo e parcerias com tomadores de decisão, instituições públicas e privadas e com a sociedade em si, e a perspectiva das mudanças climáticas impõe ainda maior complexidade a essas tarefas. É necessário compreender como as diferentes esferas da sociedade são impactados e até mesmo como as pessoas percebem os eventos meteorológicos aos quais são expostas. O Cepagri está comprometido com a melhoria contínua da previsão de tempo e vem trabalhando, sobretudo com a Defesa Civil de Campinas, para aprimorar a comunicação da previsão, resultando em um melhor preparo da população e dos agentes de administração pública, para mitigar o impacto dos eventos meteorológicos extremos e promover a resposta mais adequada e mais rápida possível aos mesmos. E como prestadores de serviço público, temos grande interesse em manter uma relação próxima com a sociedade, baseada na confiança de ofertar o melhor serviço possível, buscando também educar, informar e formar nosso público em aspectos essenciais de meteorologia, mantendo-nos, sempre, à disposição da sociedade para esclarecer, explicar e equipar com as informações, dados e recursos que estiverem à nossa disposição.
Bruno Kabke Bainy é bacharel e mestre em meteorologia pela Universidade Federal de Pelotas, e trabalha como meteorologista no Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) da Unicamp desde outubro de 2019, onde atua na previsão do tempo, realiza pesquisas e presta atendimento ao público e à mídia em assuntos relacionados à meteorologia e climatologia. Tem interesse em eventos meteorológicos extremos e impactos do tempo atmosférico no bem-estar humano.
Esse texto é um artigo de opinião e não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.